A queda da Bastilha Brasileira?



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Claudio Antunes Boucinha1





Introdução

Após a invasão, por bárbaros, da praça dos três poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, os acontecimentos ficarão, para sempre, na memória dos que a presenciaram. Como as gerações futuras observarão o que se passou nesse domingo não-sangrento, mas não menos destrutivo e aterrador?

Os bárbaros, que se nomeavam como defensores de todas as liberdades, de todas as democracias, não economizaram esforços no deboche, no vandalismo e na destruição do patrimônio de todos os brasileiros.

Praticamente alcoolizados, em sua maioria, quebraram tudo que puderam, tiram “selfies”, fizeram vídeos, com a maior naturalidade possível, acompanhados, desde longe, aliás, bem longe, por aqueles que deveriam proteger esse patrimônio, mas, por também acreditarem no projeto bárbaro, como quintas colunas, traíram todos os regulamentos e estatutos do funcionalismo federal, com relação à ética no trabalho, preferindo colocar, na frente de tudo, sob qualquer condição, as ideias dos bárbaros.

Tudo planejado, dolosamente; mas, por quem?

Cegos pelo ódio, pela doutrinação política, pelas promessas vindouras, pela manipulação, pela lavagem cerebral, agiram como robôs, que comeram até não poder mais e se lambuzaram, defecando e urinando onde pudessem, dando o mínimo valor para os símbolos que deixaram espalhados, quebrados, destruídos, por onde passavam.

Eram os bárbaros, que eram esperados, mas não se sabia, nem quando e nem onde cumpririam o que prometeram.

Até onde sabiam o que estavam fazendo, é difícil de avaliar; eram os zumbis do totalitarismo, sonhando em construir mundos imaginários, através da força, da violência, da destruição.

Alguns raciocínios, após a invasão, dão conta que os bárbaros imaginavam-se tomando a praça dos três poderes como a tomada da Bastilha brasileira.2

Até que ponto a Queda da Bastilha, na Revolução Francesa, serve de comparação com a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília? De fato, são acontecimentos históricos, distantes, em tempo e espaço.

Uma comparação entre dois acontecimentos, tão distantes, do ponto de vista histórico, sugerem mais um anacronismo do que uma tentativa, mesmo que inglória, em comparar acontecimentos que parecem semelhantes.

Nomear acontecimentos atuais, novos, no sentido de recentes, conjunturais, com ideias preconcebidas, já formatadas, sugerem uma visão de história que se repete, uma história compreendida como mestra da vida, como se a humanidade pudesse aprender lições de história, para que a história não repetisse, especialmente, os erros do passado.

Ou então uma carência teórica em compreender os acontecimentos do presente, como sinais ou ruídos de algo novo, ainda não descrito, sem procurar referências anacrônicas, no passado, como a invasão do Capitólio, nos EUA; “11 de setembro”; “atentados terroristas na Europa de 2012 a 2016”; pois, do ponto de vista do tempo e do espaço, os acontecimentos não se repetem.

Repetir termo como “Intentona”3, Putchs4, Marcha5, também não ajudam.

Agora, é possível fazer análises econômico-políticas dos acontecimentos históricos, numa determinada conjuntura, ou determinada estrutura, no sentido de pequena e grande duração, para que se possa tentar compreender as contradições sociais dos diversos grupos ou segmentos sociais que operam na sociedade?

Nesse sentido, não se trata de analisar os acontecimentos “per se”, mas inseri-los num determinado contexto histórico, num fio condutor, que possa sugerir algum tipo de racionalização do processo.

É claro que existe aqui uma série de dimensões, que vão desde a esfera individual, de cada pessoa envolvida na invasão, que efetivamente comete crimes e é verdadeiramente quem vai ser punida, com base no devido processo legal; até o ato coletivo de cometer crimes em grupo, que afetam as esferas politico-econômicas da sociedade brasileira.

Nota-se, pelo arsenal encontrado com o terrorista George Washington de Oliveira Sousa, que as esferas de aço foram utilizadas na invasão da Praça dos Três Poderes6.

Pode-se concluir que uma voz única deu ordem para organizar a logística necessária, inspirada, possivelmente, em atos terroristas em outros países, como a Turquia.

Ou seja, há vários fios condutores que sugere um mecanismo único, que une acontecimentos supostamente díspares.

Ou seja, a mente que planejou os ataques, admite até o terrorismo para chegar aos seus objetivos; distanciando-se, dessa maneira, da legalidade, do pacifismo, do processo civilizatório, das instituições, dos regramentos, passando a ter um comportamento arrivista, subversivo; blanquista, em seus métodos; que sugere uma visão de história do século XIX; além de uma visão política que se inspira em um dos grandes equívocos dos anos sessenta, porque baseados em leituras incorretas da realidade concreta, o “foquismo”.

Estratégias de “Esquerda”?

Aparentemente, os terroristas brasileiros estão seguindo à risca os manuais de guerrilha que orientaram a luta armada dos anos 1960, em todo o mundo, num anacronismo sem fim, num raciocínio que é de dar dó, perante a evolução do pensamento de esquerda, que há muito prescinde de atos aventureiros fundamentados em leituras completamente equivocadas do real.

A discussão entre os conceitos de força, violência, e afins, nunca foi consenso no meio da esquerda, principalmente em suas relações com o Estado. Lênin e Rosa de Luxemburgo travaram um debate profícuo sobre os custos de atos violentos na construção do novo.

Imaginar que o uso da violência é uma das principais características do “modus operandi” da esquerda, é não compreender as diversas matizes, as diferenças de fundamento, que estão nesse grande guarda-chuva chamado de “esquerda”.

Na verdade, o que está no fundo dessa discussão é uma incompreensão do que é a História e como deve ser compreendida a dialética histórica, aliás, como disse o próprio Marx, ideia que não foi dele, mas de seus antecessores historiadores franceses, especialmente. Para os terroristas que marcharam contra Brasília, pouco isso importa; mas para quem organizou os atos, diz muito do que pensam sobre o que é o processo civilizatório.

A queda da Bastilha?

Sem entrar no mérito do que foi a Tomada da Bastilha, porque evidentemente é bem diferente do que ocorreu em Brasília, importando, efetivamente, os motivos pelos quais se imaginou que a invasão da Praça dos Três Poderes poderia ser equiparada ao que ocorreu em França, no século XVIII.

Existe uma tentativa, frustrada, de equiparar os feitos supostamente heroicos dos sans-culottes, como está nos manuais de história, ou seja, sem considerar os detalhes desse Tomada da Bastilha, com um suposto heroísmo desses populares, arregimentados para atos que talvez eles mesmos nem tivessem plena consciência do que estavam fazendo, imaginando que, tomando os prédios, tomariam o poder.

Acabaram por ver que, mesmo com toda a arruaça, todo o suposto caos, as instituições não se romperam, como imaginavam em suas consciências.

O que foi destruído, realmente, foi a alma do povo brasileiro; e o que foi colocado no lugar? Ódio!

Os edifícios são importantes porque estão envolvidos por inúmeras emoções de inúmeras pessoas. O que foi atacado é o coração do povo.

Foi atacada a memória nacional.

E, para quem canta o hino, marcha como nazi-fascista, defende a família, a propriedade e a religião, parece contraditório imaginar que os terroristas atacaram exatamente o que diziam amar.

Realmente, estávamos esperando os bárbaros.

Mas toda pompa imaginada para esperá-los, foi simplesmente ignorada, porque esqueceram de avisar aos bárbaros, que essa pompa era toda para eles.

Como um jogo não jogado, ou um jogo que valia tudo, que, no final, só agradou aos bárbaros, mas que destruiu qualquer confiança de que outro jogo poderia ser realizado sob tais regras do vale-tudo.

Previsão?

Estranhamente, os atos de Brasília estavam elencados numa lista do que deveria ser feito para uma suposta “guerra”, por um professor da academia, bolsonarista, no Pará, em 2021.

4. Invasão da Praça dos Três Poderes pela população, com carreatas provenientes de todo o país, exigindo-se dos representantes parlamentares e dos ministros do Supremo o cumprimento de um rol de medidas urgentes e irreversíveis em favor do interesse nacional (e não de gangues), sob a ameaça de "queda da Bastilha", se necessário.7



O imaginário da Tomada da Bastilha, aparece vivamente descrita, quando se refere a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Simples coincidência?


1 Licenciado em História (UFSM). Mestre em História do Brasil (PUCRS).

6 https://pontodepauta.com/2023/01/10/80-dos-terroristas-estariam-alcoolizados-diz-ministro-paulo-pimenta/ . https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/09/invasao-predios-brasilia-entenda-o-que-aconteceu.htm?cmpid=copiaecola . https://fechaaspas.com.br/?p=5553 . https://pautapb.com.br/?p=colunistas_int&id=8&pag=2 . https://caraguaon.com/noticia/20252/presidente-do-congresso-elogia-trabalho-das-policias-legislativas . https://sortimento.com.br/brasilia-noticias-dos-atos-antidemocraticos-4/ . https://muckrack.com/larissa-lopes/articles . https://portaldos3.com.br/presidente-do-congresso-suspende-recesso-parlamentar/ . https://folhadomate.com/page/6/?q=como-fazer-convites-gratis-GRAFICA-DOS-CONVITES-como-imprimir-convites-de-casamento&n=19613&p=Jornal . https://nd1.com.br/noticia/90218/presidente-do-congresso-suspende-recesso-parlamentar . https://www.cenariomt.com.br/clima/confira-a-previsao-do-tempo-hoje-em-nova-mutum-quarta-feira-dia-19-de-outubro-de-2022/ . https://es1.com.br/presidente-do-congresso-elogia-trabalho-das-policias-legislativas/ . https://agitabrasilia.com/presidente-do-congresso-suspende-recesso-parlamentarpresidente-do-congresso-suspende-recesso-parlamentar/ . https://www.redegn.com.br/?sessao=noticia&cod_noticia=172618 . https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/12/5061453-fuzil-revolveres-socos-ingleses-veja-o-que-homem-que-armou-bomba-guardava.html . https://www.reuters.com/article/mundo-turquia-erdogan-adolescente-idBRSPEA2E00L20140315 . https://www.clickpb.com.br/Policial/ato-no-rio-tem-64-presos-diz-policia-27-sao-autuados-por-crime-organizado-165364.html . https://veja.abril.com.br/brasil/black-bloc-adota-o-terrorismo-digital/ . https://www.defesanet.com.br/riots/noticia/14562/protesto-anti-copa-pmsp-usa-pela-segunda-vez-tatica-do-envelopamento-com-sucesso/ . https://exame.com/brasil/pm-prende-manifestante-com-esferas-de-aco-na-paulista/ .

7 Mello, Alex Fiúza de. A guerra brasileira: ensaios sobre uma democracia SEM república e outros escritos / Alex Fiúza de Mello - Curitiba: CRV : 2021. “Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018)”. https://www.zoonpolitikon.com.br/quem-sou/ .

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