Mea Culpa do PT?


Chomsky pede uma “Comissão de Verificação”, “Comissão da Verdade”, interna, para o PT. Uma nova caça às bruxas? No entanto, quem fará realmente que essa comissão consiga chegar aos seus propósitos, de forma eficaz? Do ponto de vista da justiça enquanto “establishment”, já foi feita em parte, do ponto de vista da imprensa oficial ou oficiosa, também.
Sabe-se que, historicamente, no Brasil, do “Projeto Brasil: Nunca Mais desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da ditadura militar no Brasil, no ano de 1985, e gerou uma importante documentação sobre a história do Brasil1; de Joseph McCarthy, “McCarthyism”2, nos EUA; até mesmo “o chamado Discurso Secreto ou Relatório Khrushchov, cujo nome oficial é 'Sobre o culto à personalidade e suas consequências', é uma famosa intervenção do político soviético Nikita Khrushchov durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 25 de fevereiro de 1956”3, na Rússia; na Alemanha, contra o nazismo, “os Processos de Guerra de Nuremberg foram uma série de doze julgamentos por crimes de guerra contra membros chefes sobreviventes da Alemanha Nazista. Todos aconteceram no Palácio da Justiça de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial”4. A própria Inquisição5, também não deve ser esquecida, como parâmetro.
O problema é até que ponto a justiça será feita a partir de uma comissão da verdade que faça um “mea culpa”,

Mea culpa (em português, mea-culpa) é uma frase latina, no caso ablativo, e, em português, pode ser traduzida como "por minha culpa", ou "por minha falha". O caso ablativo, no latim, dá a ideia de causa, sem a necessidade da preposição. De forma a enfatizar a mensagem, o adjetivo máxima pode ser inserido, resultando em mea maxima culpa, que poderia ser traduzido como "minha mais [grave] falha" ou "minha mais [grave] culpa". Consiste num pedido de perdão ou num reconhecimento da própria culpa6.

Toda essa comissão da verdade sugere um suicídio político, visto que sugere uma caça das bruxas sem fim, sem limites, em que o oportunismo político pode levar a um descrédito total do partido. Dessa forma, o próprio partido assumirá o discurso antipetista oficial, a crítica da grande imprensa, a crítica de parte do judiciário, até mesmo a crítica de parte dos militares. Um exemplo disso é o texto de João César de Melo7. Cid Gomes, por exemplo, pediu “mea culpa”. Mas quem é Cid Gomes?

Durante alguns anos guardei alguma desconfiança sobre a adesão de Cid e Ciro Gomes à social democracia e depois ao socialismo. Seria convicção ou conveniência? Mas nada como a prova do tempo para esclarecer certas dúvidas. Hoje tenho certeza absoluta que se trata dos mais genuíno socialismo, não apenas como ideal utópico, mas como prática experimentada na vida cotidiana. Não há líder socialista no mundo que, uma vez no poder, ao mesmo tempo em que critica a burguesia e os capitalistas e jura fidelidade aos pobres, adere sem crise de consciência aos hábitos de consumo e ao estilo de vida dessas mesmas elites. Mansões, joias, carros de luxo, viagens em jatos, hotéis caríssimos, roupas de marca, entre outros mimos, estão na lista dos desejos que invariavelmente, excetuando-se talvez o atual presidente do Uruguai, faz a alegria desses combatentes da exclusão e da desigualdade social. Assim, não há surpresa em saber que o Governo do Estado do Ceará firmou contrato de um ano com um buffet, ao custo de quase três milhões e meio de reais, para despesas com comidas para festas e solenidades, o que equivale a aproximadamente R$ 10 mil reais por dia. Muito provavelmente o governador não acompanha essas miudezas, mas é evidente que quem autoriza esses contratos respeita uma concepção de poder. O gabinete do governador pode até dispor dos devidos meios para promover eventos requintados, tudo dentro da lei, no entanto, são gastos que chocam pelos contrastes que suscitam: o Estado que banca jantares refinados, festas suntuosas, viagens turísticas e shows milionários é o mesmo onde a penúria e a necessidade extrema castigam as vítimas da seca. Ser perdulário com o dinheiro alheio não é pensar grande, como imaginam os nossos governantes, é sinal de miudeza, de deslumbre que encobre um mal disfarçado complexo de inferioridade. Esse estado psicológico, bem como a prática de ceder aos encantos do consumo de bens e serviços de alto padrão e valor às custas de terceiros foi maravilhosamente demonstrado por George Orwell em A Revolução dos Bichos, quando os porcos lideram uma revolta contra os humanos, para depois tomar-lhes o lugar na sede da fazenda, deixando os companheiros do passado na pobreza de sempre. No campo dos simbolismos ideológicos, portanto, o governo socialista que hoje comanda o Ceará, ao esbanjar verbas oficiais com caviar e camarão, iguarias típicas das aspiração mais aristocráticas, confirma a sua natureza, com a peculiaridade de que, no ideário igualitarista do PSB cearense, o progressismo começa pela cozinha. O apóstolo São Paulo ensinou: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. A lição deveria servir também para gestores do dinheiro público”.8


Ou até mesmo essa, vindo da própria esquerda, que não reconhece o que fez o PT, assumindo uma crítica que faz coro com o da direita:

O esforço para a ampliação máxima da frente democrática para dar apoio a candidatura de Fernando Haddad, revelou na noite desta segunda-feira (15) sua completa inutilidade política. Em um ato público realizado no Ceará convocado pela frente democrática pró-Haddad (PT, PCdoB, PSTU, PSOL, PCB, PSB, PDT), o senador eleito pelo PDT, Cid Gomes, afirmou que o PT "merece perder a eleição" por ter aparelhado "às repartições públicas", além de chamar os militantes do PT presentes no evento de "babacas". Sob o olhar complacente e servil do próprio governador petista Camilo Santana, Cid Gomes vociferou todo seu ódio de classe contra a esquerda que "docilmente" organizou uma atividade conjunta para ser atacada pela oligarquia burguesa dos Ferreira Gomes. Até as "pedras" sabem que a "família" Gomes está engajada até a medula na campanha de Bolsonaro e Carlos Eduardo ao governo do Rio Grande do Norte, onde haverá segundo turno. O ex-prefeito de Natal, Carlos Eduardo além de ser membro do PDT é ligado (financiado) diretamente por Ciro Gomes e atualmente está enfrentando a candidatura da senadora petista Fátima Bezerra. Este não é um caso isolado no Nordeste, o PDT em todos os estados onde disputa o segundo turno está apoiando o neofascista Jair Bolsonaro. Porém a esquerda reformista, sob o discurso de "votar 13 para derrotar Bolsonaro", vem se integrando a alianças eleitorais com a burguesia, inclusive com setores que trabalham abertamente no sentido do triunfo do candidato fascista, como é o caso dos Ferreira Gomes. Ciro, que chegou a despertar simpatia de alas do PSOL sob a justificativa de estar melhor posicionado para derrotar Bolsonaro, viajou a Europa para não se comprometer, apesar de seu partido o PDT ter declarado "voto crítico" em Haddad. A esquerda reformista com sua plataforma programática de colaboração de classes, somente reforça o avanço da ofensiva fascista e neoliberal sobre as massas, semeando a ilusão de que é possível derrotar a direita na esfera destas eleições completamente fraudadas e manipuladas pelo regime golpista. A equivocada tática de "votar 13", com toda a "carga" que esta posição política carrega (alianças com a burguesia, rebaixamento do programa etc..) desarma a reação direta do proletariado, inoculando nas massas a "tese" de que o regime fascista (ou ditadura militar) será implantada com um resultado eleitoral adverso para o PT e seu fraco candidato "neodesenvolvimentista", que parece estar mais preocupado em conquistar o apoio de FHC e afins do que o da classe operária. Uma vitória eleitoral de Bolsonaro é certo dará um enorme impulso a ofensiva neoliberal contra direitos e conquistas históricas dos trabalhadores e do povo brasileiro, além é claro de incrementar a "onda" reacionária e conservadora contra todas as "minorias" nacionais. Mas a ascensão de um regime fascista ou do tipo militar congênere não é produto de uma eleição presidencial e sim de uma derrota profunda do proletariado na correlação de forças entre as classes sociais, e neste sentido toda a aposta política que semeie a confusão e paralisia de nossa classe favorece a marcha do fascismo rumo a tomada do poder estatal, que repetimos mais uma vez não é simplesmente um ato eleitoral. Hoje concretamente ao "votar 13 para derrotar Bolsonaro nas urnas", a esquerda reformista engrossa o "caldo político" do fascismo, simplesmente porque embota a consciência da classe operária, concedendo uma importante sobrevida política a Frente Popular de colaboração de classes encabeçada pelo PT”.9

O partido, por sua construção a partir de baixo, com uma base popular sólida, não pode jogar tudo fora por um falso moralismo de esquerda e de direita. O partido, enquanto tal, não foi culpado por isso ou por aquilo, mas alguns de seus militantes, não importando que sejam líderes ou não, visto que não existe um crime pior ou crime melhor, mas apenas crime que deve ser julgado pela justiça comum, com penalidades que variam caso a caso, pois toda a justiça é individualizada, embora possam haver quadrilhas, “máfias”, organizações criminosas, o que não é o caso de um partido nacional como o PT, com todas as suas variações regionais. Liquidar o PT é o gosto do latifúndio, dos bancos, da grande imprensa, de parte da justiça e parte dos militares. O PT no poder significou um ganho sem igual para o povo, na história do Brasil; talvez comparável apenas com o que fez Getúlio Vargas, de maneira populista, de forma autoritária, embora com bandeiras claramente de interesse da maioria da população. A autodestruição do PT não interessa ao povo pobre de nosso país.

Chomsky é um dos maiores pensadores do mundo. A análise que faz do Brasil atual é cristalina. Bem diz o ditado “santo de casa não faz milagre”. É preciso que alguém, supostamente de fora, diga o que muitos, de dentro, já falaram a muitas horas. A questão do petróleo e a influência dos EUA precisam de uma análise melhor.

BBC News Brasil - Lula nomeou Fernando Haddad como seu sucessor. Se ele vencer, terá que lidar com um forte sentimento anti-PT no país, que está muito polarizado. É possível superar essa polarização? É uma questão de diálogo e alianças?

Noam Chomsky - Se o PT reconquistar o poder político - ou mesmo se não chegar lá, de uma forma ou de outra -, uma grande tarefa que deve enfrentar é de estabelecer uma espécie de comissão da verdade para olhar com honestidade para o que ocorreu. Olhar com franqueza para as oportunidades que perderam. Isso teria um grande significado. Eles tiveram tremendas oportunidades. Algumas foram usadas em benefício da população, outras foram perdidas. É preciso perguntar por que isso ocorreu, e fazer isso publicamente. E realizar reformas internas que impeçam que aconteça outra vez. Isso deveria ser feito independentemente de chegarem ao poder. O mesmo vale para todos os partidos, ninguém está imune a isso.

BBC News Brasil - O senhor frequentemente elogia o período de crescimento e redução da pobreza na era Lula, mas seu governo incluiu práticas de corrupção, fisiologismo e toma-lá-dá-cá recorrentes na política brasileira, e que Lula antes condenava. Isso levou muitos a se desiludirem com o PT. Na sua visão, a inclusão social prevalece sobre esses problemas?

Chomsky - Houve isso e eu não justifico, não considero correto. Mas foi inevitável já que o PT tinha uma minoria no Congresso. Não poderiam operar sem fazer alianças. O problema real foi outro. O problema real foi ter falhado em diversificar a economia. Naqueles anos, houve uma grande tentação em toda a América Latina de seguir a vocação tradicional de fornecer commodities a consumidores em outras partes do mundo, especialmente para a China, que se tornou uma grande compradora de soja, ferro. Manufaturados chineses baratos passaram a inundar o Brasil, inviabilizando a indústria de manufaturados local. Esse tipo de política não pode levar a um desenvolvimento de sucesso. A Venezuela também continuou dependendo completamente da exportação de energia. Por outro lado, houve uma acentuada redução da pobreza, mais benefícios na saúde, mais oportunidade de educação. E o Brasil foi lançado para o centro do palco mundial, com as políticas de Lula e de Celso Amorim (o então ministro de Relações Exteriores) tornando-o um dos países mais respeitados do mundo. Então houve erros graves, mas houve também conquistas consideráveis.

BBC News Brasil - Mas essas conquistas começaram a entrar em declínio durante o governo do próprio PT.

Chomsky - Elas colapsaram quando a oportunidade fácil de produzir commodities para o que parecia ser um mercado insaciável se esgotou. E aí houve um grave problema. Que foi causado pela falta de diversificação. Mas a corrupção é real. É endêmica não apenas no Brasil, mas em todo o hemisfério.

BBC News Brasil - Então quando o senhor defende o PT, admite que houve corrupção?

Chomsky - Quem defende o PT?

BBC News Brasil - O senhor fala em defesa do Lula.

Chomsky - Falo em defesa do Lula de uma maneira muito especial. Digo que houve conquistas significativas, mas houve erros. E que ele agora foi condenado de uma maneira completamente desproporcional ao que fez ou deixou de fazer. Isso não é defender o PT, é descrever os fatos. Embora Lula pareça ter se mantido afastado de corrupção pessoalmente, ele certamente tolerou muita corrupção no PT. Assim como o (Hugo) Chávez tolerou muita corrupção na PDVSA (a estatal de petróleo) na Venezuela. A corrupção no Brasil e em toda a América Latina é chocante, e isso já há muito tempo. É um problema sério, mas difícil de superar. Porque está entranhada no sistema eleitoral. É preciso desmantelar uma estrutura fortemente enraizada.

BBC News Brasil - O senhor acha que Lula não tem responsabilidade pelos crimes de que foi condenado?

Chomsky - O crime específico pelo qual ele foi condenado foi a alegação de que um apartamento foi dado a ele, no qual ele nunca morou. Mesmo se assumirmos a versão mais extrema de que ele é culpado de todas as acusações, o que eu duvido, a sentença é completamente desproporcional. O testemunho (do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro) inspira desconfiança por ter sido obtido em delação premiada. É evidente que a sentença é meramente punitiva e não tem relação com a natureza do crime. A negação ao habeas corpus (para que Lula pudesse recorrer em liberdade) reforça isso.Ele sem dúvida deveria ter o direito de concorrer nas eleições, como recomenda o Comitê de Direitos Humanos da ONU (que em agosto recomendou que o Brasil garantisse os direitos políticos do ex-presidente, mesmo na prisão, como candidato às eleições de 2018).

BBC News Brasil - Mas a sentença a Lula foi confirmada em segunda instância, enquadrando-o na Lei da Ficha Limpa, que ele próprio sancionou durante seu governo.

Chomsky - Sim, é verdade, e uma boa parte da classe política deve ser submetida a essa lei, mas de uma maneira justa e correta. Assim, se vier à tona que um apartamento foi oferecido ao presidente Temer no qual ele nunca viveu, ele nunca deverá ser sentenciado a 12 anos de prisão por isso.

BBC News Brasil - O senhor acha que a sentença seria diferente para membros de outros partidos?

Chomsky - Radicalmente diferente. Acho que seria incomparável. O presidente (Fernando Henrique) Cardoso seria sujeitado a essa sentença de prisão por uma acusação semelhante?

BBC News Brasil - Temos visto o avanço do candidato Jair Bolsonaro, que tem liderado as pesquisas. Há alguma especificidade brasileira nesse avanço da direita?

Chomsky - O mesmo está acontecendo em grande parte do mundo. O caso mais recente foi na Suécia (em eleições recentes, o partido de extrema-direita Democratas da Suécia teve sua maior votação e se firmou como terceiro maior partido do país, com 62 cadeiras no Parlamento). Na Europa, esse fenômeno costuma ser relacionado ao aumento recente da imigração. Entretanto, uma análise cuidadosa feita por cinco economistas suecos demonstrou que os motivos precedem a onda imigratória. Reflete a imposição de políticas neoliberais que afetaram a profundamente as últimas gerações não só na Suécia mas no mundo todo, acompanhando reformas que decolaram a partir das eras (Ronald) Reagan (presidente norte-americano entre 1981 e 1989) e (Margaret) Thatcher (premiê britânica entre 1979 e 1990). O efeito dessas políticas foi concentrar a renda em círculos muito estreitos, expandir o poder corporativo e aumentar a tendência a monopólios. E deixar de lado a maior parte da população, que sofre com salários que não aumentam, empregos que tendem à precarização e sindicatos enfraquecidos. Nos EUA, por exemplo, os salários de executivos aumentaram em 1.000% nesse período, mas funcionários sem cargos de supervisão ganham menos hoje do que ganhavam em 1979. Salários ficaram represados e benefícios foram cortados. O mercado de trabalho caminha propositalmente para a precarização, com cargos em meio expediente, sem vínculo empregatício, e assim vai. Mas de volta à Suécia. O efeito que vemos é que as pessoas se sentem abandonadas, não mais representadas pelo sistema político, e foi isso que levou ao aumento do voto pela extrema-direita. Mas essa população que se sente excluída tem raiva, ressentimento, medo, e busca bodes expiatórios, que são os grupos mais vulneráveis. Na Europa atual, a culpa é colocada nos imigrantes.

BBC News Brasil - Bolsonaro costuma ser comparado a Donald Trump, às vezes chamado de 'Trump brasileiro'. A comparação faz sentido?

Chomsky - Há semelhanças. Até onde percebo, Bolsonaro não parece ter uma política econômica própria. Mas há pessoas ao seu redor que definitivamente têm. Seu economista chefe é um economista ultraliberal de Chicago (referência a Paulo Guedes, que coordena seu programa econômico e tem Ph.D. na Universidade de Chicago, bastião do liberalismo). Ele representa grupos semelhantes àqueles para os quais Trump faz uma espécie de cortina de fumaça nos EUA.O papel de Trump no sistema político econômico é duplo: o de manter a atenção da mídia constantemente focada no que ele faz ou deixa de fazer e sustentar o apoio de seu eleitorado ao aparentar fazer coisas para eles; mas, enquanto isso, dar cobertura para programas republicanos selvagens que estão sendo implementados por pessoas como Paul Ryan (deputado pelo Partido Republicano e presidente da Câmara dos Representantes dos EUA) e Mitch McConnell (senador republicano). Um bom exemplo é a maior conquista recente dos republicanos, a reforma tributária (aprovada em dezembro do ano passado). Foi um grande presente para o setor corporativo, para os ultra-ricos e para o setor imobiliário. Para o resto da população, o próprio Paul Ryan (presidente da Câmara dos Representantes dos EUA) explicou os efeitos: a reforma cria um déficit enorme e por isso será preciso cortar investimentos sociais. Saúde, educação, vale-alimentação para crianças pobres, essas coisas "irrelevantes". Enquanto a mídia se concentra nas últimas mentiras ou no comportamento esquisito de Trump, esse tipo de coisa está acontecendo no background. Com o Bolsonaro, imagino que poderíamos imaginar algo semelhante. Vai depender se ele tiver o mesmo talento de Trump, que está tendo uma atuação impressionante. Enquanto prejudica seu eleitorado de todas as maneiras possíveis, minando segurança social, direitos trabalhistas, ainda consegue se apresentar como seu defensor. E seus eleitores respondem não apenas com apoio, mas com veneração. Isso é um feito tremendo. É uma realização que demagogos alcançam de vez em quando, mas demanda habilidade política.

BBC News Brasil - Três décadas depois da redemocratização, temos visto grupos publicamente defendendo intervenção militar no Brasil, algo que até pouco tempo atrás seria impensável. O senhor vê uma tendência à militarização na política no Brasil?

Chomsky - Se a situação econômica, social e política se deteriorar o suficiente, poderia haver um apelo para que alguém intervenha de modo a preservar a ordem. Mas é muito diferente de 1964 (ano do golpe militar). Os Estados Unidos tinham uma influência avassaladora sobre a América Latina na época. O terreno para o golpe no Brasil foi preparado durante o governo Kennedy, e implementado pouco depois de seu assassinato (em 1963), com forte apoio dos EUA. O então embaixador Lincoln Gordon o descreveu como a maior vitória para a democracia em meados do século 20. E depois vieram os golpes no Chile, no Uruguai, na Argentina, o pior de todos, fortemente apoiados pelos EUA. Hoje, os EUA não têm mais essa influência sobre a região. Um dos efeito das políticas de centro-esquerda foi o de reduzir o controle e a influência americana sobre a região em diversas maneiras. Uma delas, por exemplo, foi expulsar o FMI (Fundo Monetário Internacional).

BBC News Brasil - A influência do Brasil na região também diminuiu. Hoje estamos diante da maior crise de imigração na história recente da América do Sul, com o êxodo da Venezuela, mas não há uma liderança regional clara. Qual é o impacto político dessa crise para a região?

Chomsky - O impacto é sério. As estruturas que começaram a ser desenvolvidas para lidar com tais situações erodiram. A Unasul (a União de Nações Sul-americanas, bloco de 12 países fundado em 2008) mal funciona. A Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, fundada em 2010) não funciona de jeito nenhum. Os movimentos para adquirir maior independência e desenvolvimento (na região, buscando maior integração entre países da América Latina) foram abortados e regrediram. Mas não acho que tenham sido perdidos. O que foi realizado proporciona um arcabouço para seguir em frente, o que acho que será feito, porque a situação não é tolerável.

BBC News Brasil - A seu ver, está na hora de lideranças da esquerda na região tomarem uma posição mais forte para condenar as violações de direitos humanos do governo Maduro?

Chomsky - Sim, e isso sempre foi necessário. Eu mesmo participei de fortes protestos contra violações de direitos humanos sob o regime de Hugo Chávez. É preciso se posicionar com firmeza contra as violações. Lembrando, entretanto, que são uma parte muito reduzida das violações de direitos humanos que acontecem no mundo todo. As mais extremas no período moderno partiram dos Estados Unidos e da Inglaterra. A invasão do Iraque é o pior crime do século 21. Nada se compara àquela ação. Teve efeitos terríveis, não apenas destruindo o Iraque, mas alimentando o crescimento do Estado Islâmico e instigando conflitos étnicos que estão estraçalhando a região.

BBC News Brasil - O senhor está prestes a fazer 90 anos agora em dezembro, e acompanhou episódios marcantes da história do último século. O que lhe faz continuar, o que lhe traz esperança?

Chomsky - O que me faz continuar é a gravidade dos problemas. O que dá esperança é o fato de que há muita gente dedicada a fazer algo para resolvê-los. O nível de engajamento que vejo hoje está além do que vi em minha vida toda. É preciso lembrar que os Estados Unidos tinham leis explícitas contra miscigenação até os anos 1960 - leis que nem os nazistas puderam adotar porque iam longe demais. A Inglaterra praticamente assassinou um grande matemático (Alan Turing) por homossexualidade, herói da Segunda Guerra por ter quebrado o código da Alemanha nazista. Ele foi submetido a um tratamento médico que o levou à morte. Inglaterra, um país avançado. Até 2003, ainda tínhamos leis anti-sodomia nos Estados Unidos. Houve mudanças tremendas com os anos, e elas não vieram de presente. Vieram de ativismo constante, que está aqui, crescendo, com essas manifestações. Acho que esses são sinais de esperança. Olhando para as diferenças entre ontem e hoje, é um mundo muito diferente”.10
7 Sim, é tudo culpa do PT!By João César de Melo – 22/02/2018. http://www.joaocesardemelo.com/. Artista plástico formado em arquitetura, acredita no libertarianismo como horizonte e no liberalismo como processo, ateu que defende com segurança a cultura judaico-cristã, lê e escreve sobre filosofia política e econômica.
8 Blog do Wanfil por Wanderley Filho. Cid Gomes e o socialismo caviar do PSB cearense. Por Wanfil em Ceará, 14 de agosto de 2013. “Acredito na democracia, na livre iniciativa, no mérito pessoal, na liberdade de imprensa e nas economias de mercado; sendo, por oposição, contrário à excessiva intervenção do Estado na economia e na vida privada. Creio que fé e razão são forças complementares. Sou guiado por uma enorme vontade de duvidar, não como negação sistemática, mas como ânsia de conhecer”. http://tribunadoceara.uol.com.br/blogs/wanderley-filho/ceara/cid-gomes-e-o-socialismo-de-caviar/ .
9 "SURTO" DE RAIVA DE CID GOMES CONTRA O PT REVELA A INUTILIDADE DA FRENTE DEMOCRÁTICA PRÓ HADDAD INTEGRADA DESDE O PSTU, PCB, ATÉ O PSB E PDT. SEGUNDA-FEIRA, 15 DE OUTUBRO DE 2018. Postado por LBI às 23:59 . “A LBI é uma corrente que nasce sob o signo da defesa do marxismo de nosso tempo, o trotskismo. No momento em que todo um setor do movimento operário, que se reclamava da IV Internacional, adapta-se à social-democracia e ao nacionalismo, nós reafirmamos os princípios do comunismo de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, a luta pelo internacionalismo proletário, a defesa da revolução socialista contra a barbárie do capital, sob a base da ditadura do proletariado. Nossa organização tem origem em um núcleo saído das fileiras da OQI (Jornal Causa Operária). Nossa ruptura está fincada sob a defesa incondicional do Estado operário soviético. A OQI, sob o peso da herança do lambertismo, analisou que a dissolução da ex-URSS, assim como a anexação capitalista da Alemanha Oriental, foram fatos progressivos para o proletariado mundial. A destruição dos estados operários e o fim do estalinismo não foi produto da ação revolucionária das massas, ao contrário, é fruto da contra-revolução burguesa mundial, colocando como tarefa a todos aqueles que reivindicam o legado de Lenin e Trotsky, o combate pelas conquistas históricas da revolução. JUNHO/1995 DIREÇÃO NACIONAL DA LBI”. http://lbi-qi.blogspot.com/2018/10/surto-deraiva-de-cid-gomes-contra-o-pt.html .
10 ALMEIDA. SEX, 21/09/2018 – 13:52; da BBC-Brasil; 'Eles (PT) tiveram tremendas oportunidades. Algumas foram usadas em benefício da população, outras foram perdidas. É preciso perguntar por que isso ocorreu, e fazer isso publicamente', diz Chomsky, conhecido pelo ativismo de esquerda. “PT deveria realizar 'comissão da verdade' para examinar seus erros, diz Noam Chomsky”; por Júlia Dias Carneiro. Considerado um dos mais importantes linguistas do mundo, o filósofo e ativista de esquerda americano Noam Chomsky afirma que o PT deveria estabelecer "uma espécie de comissão da verdade" para analisar os erros cometidos pelo partido. "Eles tiveram tremendas oportunidades. Algumas foram usadas em benefício da população, outras foram perdidas. É preciso perguntar por que isso ocorreu, e fazer isso publicamente. E realizar reformas internas que impeçam que aconteça outra vez", considera Chomsky, em entrevista à BBC News Brasil. Conhecido por seu forte ativismo de esquerda, Chomsky tem saído em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assinou manifesto a favor do petista e participou, na última sexta-feira, em São Paulo, de um seminário organizado por Celso Amorim, ex-ministro de Relações Exteriores de Lula, na Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Nesta quinta-feira, ele deve visitar o ex-presidente na prisão em Curitiba. Professor de linguística na Universidade do Arizona, Chomsky completa 90 anos em dezembro. Ganhou de presente adiantado da esposa brasileira um papagaio amazonense, verde e de cabeça amarela, batizado de Zé Carioca. O casal está ensinando-o a falar, em inglês, duas expressões-chave da teoria linguística de Chomsky: "language is a snowflake" ("a linguagem é um floco de neve") e "merge is basic" ("fundir é básico", em traduções livres). Leia abaixo os principais trechos da entrevista. https://jornalggn.com.br/blog/almeida/pt-deveria-realizar-comissao-da-verdade-para-examinar-seus-erros-diz-noam-chomsky .

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