A Teoria e a Filosofia de História em Marx


Agradecimento e homenagens ao professor Fernando Castro Flórez 1,

inspirador desse projeto, especialmente o vídeo,

Libros recomendados: ojo con el arte. 314. Derrida Espectros de Marx” 2,

luminar para as pretensões.



E o passado é uma roupa que não nos serve mais” 3



Claudio Antunes Boucinha4




Limites e Possibilidades


Surpreende que, em certos textos, de Marx e de Engels, a debilidade histórica no que se refere ao tratamento das fontes. Inclusive, certas interpretações históricas, são consideradas escandalosas, pelo preconceito, discriminação, compartilhadas com Hegel. Por outro lado, há textos que são frutos de pesquisas de mais de vinte anos. Afinal, é teoria ou filosofia da História?


Ademais, dificilmente conseguiríamos negar que as concepções metateóricas acerca do ofício e suas possibilidades cognitivas direcionam o modo como cada pesquisador irá abordar seu material empírico, construir e explicar seu objeto de análise, ainda, como refutar que pensadores como Marx, alocado no quadrado das filosofias da história, não criou dispositivos analíticos para o trabalho com fontes? 5


O fato é que, num caminho já percorrido por Hegel, Marx foi quem evidenciou a importância da História, no sentido de resgatar a história humana como produto social e não produto de mente brilhante.

O ano de 1923 foi um ano de profundas contribuições ao pensamento marxista, além da publicação de Teoria Marxista do Valor por Rubin, também veio à luz História e Consciência de Classe de Lukács, embora rejeitado ou considerado um livro maldito e alvo de auto-crítica em 1967, a contribuição dessa obra lukácsiana ao pensamento marxista é basilar e fundamental. De acordo com Netto (2015a, p. 396) hipótese central dessa obra é a de “que a obra de Marx, é um todo orgânico, cujo núcleo reside na fundação de uma metodologia dialética materialista (articulada a partir da recuperação crítica da herança hegeliana) para desvelar exclusivamente a dinâmica sócio-histórica peculiar do capitalismo”. Também aponta Anderson (1976, p. 817) que foi a “primeira grande reinterpretação do marxismo que recorreu a um sistema pré-marxista para construir o seu próprio discurso teórico” pelo trato dado a Hegel que até então era visto como um remoto precursor de Marx. .8



No caso, é essencial combater o marxismo vulgar, que imagina determinismo, etapismos, didáticos, mas inócuos, sem sentido.


Em termos lógico-formais, Marx valeu-se da dialética hegeliana (tese, antítese, síntese) para explicar a sucessão dos modos de produção. De modo geral, cada fase histórica (com seu modo de produção) contém os elementos que permitem sua preponderância (tese/afirmação) em um determinado momento e os que irão ocasionar sua própria destruição (antítese/ negação). É do conflito entre tese e antítese que emerge algo diferente, a síntese (um novo modo de produção), a qual, no que lhe concerne, contém uma nova tese e uma nova antítese, que propiciarão, com o tempo, a formação de uma nova síntese: a história continua. [As análises das obras de Marx geraram interpretações muito díspares entre si. No que se refere à sua filosofia da história, há autores que a reduzem a um determinismo econômico, outros que a visualizam como distinta dependendo da obra de Marx e outros, ainda, os quais consideram que não há propriamente uma filosofia da história marxiana. 9



O conceito de ideologia está no centro da discussão. A ideia que se parte é que a ideologia não é uma questão de escolha, entre essa ou aquela, mas observar que, enquanto a relação entre realidade e o sujeito necessariamente está mediada pela ideologia, ou seja, pela compreensão que o sujeito tem do mundo que o cerca, que sofre influências de vários tipos, desde o modo de produção, a infraestrutura, até a cultura, a religião, o arcabouço jurídico de uma sociedade, a superestrutura, não necessariamente de maneira determinante, mas primeiro condicional, compreendendo-se até a autonomia de muitos desses elementos, inclusive o Estado, a nação, a educação. A ideologia é intrínseca ao mundo, é de sua natureza. Logo, não se arvora um indivíduo livre, independente, de sua formação histórica. No entanto, nem de longe imagina-se um escravo que navega ao sabor das ondas, como se fosse uma marionete de suas circunstâncias, embora também essa possibilidade seja concreta. Enquanto o sujeito percebe como se dá, como acontece, essas mediações com o mundo, fundamentadas na razão e na emoção, mais esse mesmo sujeito é senhor de si, encaminhando escolhas que vão influenciar sua própria vida e a dos outros.


Não se trata de afirmar a ideologia como pura e simples representação do mito ou alegoria da caverna de Platão.

Portanto, torna-se vital que ocorra a “saída das cavernas pós-modernas” e que as pessoas – que se encontram no “mundo ideal” ou da ideologia – passem a enxergar os problemas relacionados a toda a sociedade; deixando de lado o mundo imaginário/superficial que o capitalismo, o consumismo, os ditames da moda podem trazer dentro de um mero ‘shopping’ center, ou ainda, dos imensos condomínios fechados ou das suas próprias residências, ou dos noticiários e da televisão. 10



O mundo como representação, é apenas parte do problema. É preciso compreender a historicidade do tempo e do espaço. Senão, tudo vira um mero diletantismo, um tanto faz, tanto fez. Platão imaginava a filosofia para libertar os homens da escravidão, mas para enxergar o mundo das ideias, ideal de perfeição e sair do mundo as aparências. No que se refere a ideologia, o que interessa é transformar esse mundo onde existe a escravidão, não somente como falsidade, aparência, mas como produto humano que pode e deve ser mudado.



    1. O Eterno Retorno

Umas das principais ideologias que precisam ser enfrentadas, é a do eterno retorno. Em síntese, é a tradição, o velho, que embaraça o novo, em nome de uma suposta legitimidade dada pelo tempo. O trato dessa tradição pode condicionar uma série de efeitos sobre o sujeito. Por um lado, o sujeito torna-se escravo do mundo e suas circunstâncias, imaginado que o mundo sempre foi assim, fato irreal e alienante. Vivendo num mundo conformado, feito forma, imaginar-se livres dessas cadeias, dessas correntes, torna-se impossível. É preciso compreender a historicidade da tradição. O peso dessas tradições, implementadas através da educação, no uso amplo do termo, tanto pelo Estado como pelas gerações nas famílias, pode ter inúmeros efeitos, dependendo dos recursos utilizados para conformar o sujeito, que vai desde o terror, até o uso da violência, da força, da disciplina, e de tantos recursos que visam encaixotar o ser. Norbert Elias chamava processo civilizatório.


Muitos imaginam essa tradição como algo imutável, semelhante à Filosofia Perene, ou imaginam o desenvolvimento de certas sociedades como o ápice do mundo, determinando fim do processo, como muito pensam sobre o mundo ocidental, em detrimento de outras comunidades. Para efetivar essa categoria de pensamento, buscam alianças com a biologia, com a religião, com a metafísica, com crendices, superstições, charlatanismos de todos os tipos, efetivando mitos que, antes de qualquer coisa, devem ser estudados para serem superados dialeticamente. A ciência histórica pode ajudar na historicização desses mitos, mas não só. A política, a democracia, enquanto ação coletiva, pode mudar muitas consciências.

É importante observar que não se trata somente de argumentos teóricos, pois se ficaria na pura especulação. O que importa é, historicamente, observar como a tradição se realiza, no corpo e na mente do sujeito.

A ideia do eterno retorno11, ou seja, num processo circular, cíclico, em que o passado governa o presente e o futuro, talvez seja o conceito maior que perpassa a ideia de espectro. Enquanto se tem a percepção de que esse eterno retorno pode ser historicizado, em cada sociedade, pode-se observar o quanto o peso do que é denominado tradição pode intervir na construção de uma nova ideia ou pensamento.

No decorrer de meu trabalho no livro anterior, o problema, da relação entre indivíduo e sociedade, aflorava constantemente. É que o processo civilizador estendia-se por inúmeras gerações; podia ser rastreado ao longo do movimento observável, numa determinada direção, do limiar de vergonha e constrangimento. Isso significava que as pessoas de uma geração posterior ingressavam no processo civilizador numa fase posterior. Ao crescerem como indivíduos, tinham que se adaptar a um padrão de vergonha e constrangimento, em todo o processo social de formação da consciência, posterior ao das pessoas das gerações precedentes. O repertório completo de padrões sociais de auto-regulação que o indivíduo tem que desenvolver dentro de si, ao crescer e se transformar num indivíduo único, é específico de cada geração por conseguinte, num sentido mais amplo, específico de cada sociedade. Meu trabalho sobre o processo civilizador, portanto, mostrou-me com muita clareza que algo que não despertava vergonha num século anterior podia ser vergonhoso num século posterior e vice-versa. Tinha plena consciência de que também eram possíveis os movimentos no sentido oposto. Mas, qualquer que fosse a direção, a evidência da mudança deixava claro a que ponto cada pessoa era influenciada, em seu desenvolvimento, pela posição em que ingressava no fluxo do processo social. .12



Nota-se que não se pode padronizar esse processo civilizatório, mas observar, historicamente, como acontece.



  1. O Mundo de “Chullachaqui”

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que o imaginário das comunidades supostamente primitivas certamente que não é o mesmo de quem está de fora, ou compõe roteiros sobre a vida desses povos. Isso não inviabiliza um debate sobre o assunto, visto o que está em jogo não é necessariamente os costumes, os hábitos, o comportamento dessas comunidades, mas as versões, as narrativas, os discursos sobre.

Em meio a todas essas dúvidas, como debater a questão dos espectros, em Marx? Imagine-se o ser, sem o passado, livre das recordações, vivendo plenamente o presente, construindo o novo sem as amarras do passado. É possível? Uma das descrições do “Chullachaqui” , revela esse duplo humano, que vagueia, deambula, eterno retorno, completamente vazio, oco, enganador, sem alma, sem entranhas, sem recordações, exatamente igual em aparência, como um reflexo, como um espelho.

Chullachaqui: Figura mitológica da Amazônia. Cópia oca e vazia de um ser humano, que vagueia pela selva esperando encontrar alguém para enganar. Todos os seres humanos no mundo têm um chullachaqui exatamente da mesma aparência, mas completamente oco por dentro. (…) KARAMAKATE: É o chullachaqui dele. É exatamente como ele, mas por dentro está vazio, oco, como um osso. Viva preso no tempo sem tempo. Não tem alma, nem entranhas, nem memórias. (…) KARAMAKATE: Um chullachaqui não tem memória. Ele apenas vagueia pelo mundo, vazio, como um fantasma, entre tempos sem tempo. 13



É possível pensar o mundo sem esse mito amazônico? Até onde o mito acompanha o ser, para que o ser possa ser realmente livre?

Este segundo explorador encontra Karamakate desenhando glifos em uma rocha. Karamakate é agora um chullachaqui, alguém que perdeu seu ser, uma cópia vazia de si mesmo, um duplo vazio, alguém que não lembra, uma vítima do esquecimento. Uma sombra de si mesmo. Mas ele desenha na pedra a memória mítica das aldeias Vaupés, a biblioteca de petróglifos e as pinturas rupestres que abundam na região. Como se essa ação sugerisse que recuperar a memória em um futuro próximo é um caminho para se reconhecer no passado mítico que as pinturas rupestres desenham. O futuro está no passado. Para retomar a viagem às cabeceiras do rio do mito. O viajante que não conhece o território passará a ser o seu guia.14



Esse é o nó da questão. Enquanto o passado governa, e o passado é o futuro, como num labirinto, a sociedade necessariamente é imutável. Nesse sentido, os mortos governam os vivos. E o que é pior, quando se perdem as amarras com o passado, ao não viver o presente, o ser precisa ser conduzido, conformado, para que volte ao mundo do passado-presente, e não ao presente-futuro. Existe um tempo sem tempo, em que só viceja a eternidade? O que são essas criaturas maravilhosas que habitam o eterno?



Senhor dos Animais

Chullachaki também é reconhecido como “Senhor dos Animais”15, o que o inclui, supostamente, num arquétipo universal.

“Ele é geralmente descrito como baixo e feio, com uma perna mais curta que a outra e um pé maior que o outro, apontado para trás ou em forma de casco”. https://en.wikipedia.org/wiki/Chullachaki . “Povos Tupí-Guaraní (especialmente Brasil, Bolívia): Curupi é considerado o "Senhor dos animais" - provavelmente desde o início do período colonial. “[...] completamente peludo, em uma mão ele carrega um arco e flecha, na outra um pedaço de pau, ele atira e às vezes sequestra um ou outro de volta para casa”. https://de.wikipedia.org/wiki/Herr_der_Tiere . “Na concepção popular atual da população brasileira e paraguaia, o curupi é considerado um “genio de la fecundidad” (Gonzalez 1984: 23) e um homúnculo lascivo, pois possui um falo gigante que carrega na cintura. Segundo Cadogan, essa ideia já deveria ter existido entre os antigos guaranis (Cadogan 1959: 104). Com seu falo gigante, ele deve pegar garotas que estão caminhando sozinhas pelo campo. Ele as matará ou roubará suas mentes. Consequentemente, ele é comparado na recepção ao deus grego Pã ou aos sátiros (Gonzalez 1984: 23). 324 Zerries descreve a hipertrofia dos órgãos genitais, o sequestro e estupro de mulheres como uma característica dos espíritos do mato que se deitam. Visto que nenhum filho vem dessas conexões, eles não são considerados “demônios da fertilidade” (Zerries 1954a: 273-274). Entre os povos Tupí-Guaraní, entretanto, acredita-se que o Curupi tenha sido o “Senhor dos animais” - provavelmente desde o início do período colonial (Cadogan 1970: 50; Zerries 1954a: 337-338) .325 Os Mbyá o conhecem o "Verdadeiro mestre do jogo" sob os nomes de Guachu Ja Ete ou Omimby i va’e, aquele que assobia. Semelhante ao Curupira, diz-se que seduz as meninas (Cadogan 1959: 103, 1992a: 173). Como já mencionado, os curupi conhecidos entre os Mbyá nada têm em comum com o curupi “clássico” (Cadogan 1959: 104). Entre os Mbyá, o Curupi é considerado um ser underground, provavelmente uma reminiscência de Jamo Pyve, o primeiro avô ou pai mítico dos Mbyá (Cadogan 1970: 50). Sabine Lenke: Heil und Heilung. Conceitos de doença e medicina dos índios Guarani sul-americanos, refletidos nas fontes jesuítas. Dissertação inaugural, Universidade Livre de Berlim, 2012. pp. 154-155, 157-158. https://refubium.fu-berlin.de/bitstream/handle/fub188/11463/Lenke_Heilkunde_Guarani.pdf?sequence=1&isAllowed=y . https://refubium.fu-berlin.de/handle/fub188/11463?show=full . “A aparência de Kurupi é frequentemente comparada à de Pombero, outra figura proeminente na mitologia guarani. Como ele, Kurupi seria baixo, feio e cabeludo. Ele teria tomado por domínio as florestas selvagens da região e, como tal, é considerado o senhor das florestas e o protetor dos animais selvagens. A característica mais marcante de Kurupi seria seu pênis enorme, que ele amarrava repetidamente em volta da cintura, como um cinto. Nessa qualidade, foi por algum tempo venerado pelos guaranis como o espírito da fertilidade”. https://fr.wikipedia.org/wiki/Kurupi .





    1. A Fantasmagoria da Floresta e da sociedade Ocidental:

    2. ou a Vingança de Gaia

Em outro roteiro, o problema da eternidade é recolocado nas figuras de “Yua” e “Ushë”, considerados como eternos.


Logo fica claro que os homicídios não são o único mistério dentro dessa selva quando descobrem o cadáver de uma mulher que não mostra sinais de envelhecimento, apesar de ter sido reconhecida como desaparecida há várias décadas. Simultaneamente, a série segue a história de Yua e Ushë, dois indígenas conhecidos como "Os Eternos", e sua batalha contra um europeu, Joseph, que acredita que os indígenas escondem um segredo incrível.16



Esta eternidade, que era qualidade da tradição, da ordem cósmica, personifica-se em homem e mulher. Aqui entra a concepção esotérica do Avatar, conforme a tradição oriental. No entanto, a figura dos “Eternos”, aproxima-se da ideia do “Chullachaqui”, enquanto eles representam, incorporam, a ideia do eterno retorno, do arquétipo, que se reproduz continuamente, num moto contínuo, sem alterações, em que o passado, é presente e futuro. O fato de haver uma tensão, entre os eternos, revela, subjacentemente, de que esse mundo perfeito, harmonioso, tradicional, não vive sem o caos, na versão do cineasta.

Enfim, sugere que, através de beberagens, oriundas do sangue das árvores e da natureza, por correspondência, o sangue humano pode ser também eterno, adquirindo a unicidade com a natureza, e, por consequência, a suposta eternidade da ordem cósmica. Os próprios nativos, não compreenderiam muito bem os “eternos”, sendo assim, um segredo, muito bem guardado, para poucos. "Tudo como dantes no quartel de Abrantes"17?



  1. Colômbia Nazi

Como o roteiro de Ciro Guerra envolve dois países, cabe também uma pequena análise do nazismo na Colômbia. Aparentemente, os alemães nazistas da Colômbia, são essencialmente urbanos, e atuantes, não sugerindo interesses pelo território amazônico, ou incursões na selva. O interesse principal dos alemães nazistas era o canal do Panamá. Aliás, na Colômbia, o nazismo vai à missa, algo realmente surpreendente, e, igualmente, fantasioso.



IR À MISSA E VIAJAR EM MERCEDES. De sua passagem pela Colômbia, Basti também destaca que o Furher morava em Bogotá, no bairro Teusaquillo, de acordo com depoimentos de vários vizinhos, que alegaram vê-lo assistir à missa e viajar em uma Mercedes Benz com motorista, da qual desceu na porta de sua casa. Ele também menciona que também foi visto nas fontes termais de Paipa. É claro que muitos historiadores colocam esse relato em quarentena. O colombiano Javier Guerrero, professor da Universidade Pedagógica e Tecnológica da Colômbia, em Tunja, especialista em história do século XX e autor de obras sobre o nazismo, é muito cético em relação às teorias alternativas e às novas revelações da CIA. “A direita mundial tentou alimentar o mito de que Hitler saiu vivo do bunker. Essas novas informações podem ter um pano de fundo político, em um momento de renascimento da extrema-direita. Estou preocupado com a intencionalidade deste escândalo de sua presença na Colômbia”, explica em nota ao EL ESPAÑOL. “Conheço o mito desse suposto exílio que aparece em obras como 'O Chefe da Gestapo', de Gregory Douglas. Há pessoas que ganharam muito dinheiro com essa história, com uma série de documentos apócrifos que mantiveram essa história viva. " Em sua opinião, faltam evidências que sugiram uma alternativa à versão do suicídio. “ Realmente são os arquivos soviéticos que podem esclarecer tudo. Até a foto da CIA já era conhecida, do jornalista argentino Abel Basti”. POR QUE VOCÊ NÃO FICOU COM FRANCO? Guerrero tem sérias dúvidas quanto ao vôo para Barcelona em 1945, partindo no ano seguinte para a Patagônia de submarino. “Por que então ele não ficou na Espanha de Franco, onde teria encontrado proteção, em vez de ir para a América do Sul, que estava cheia de caçadores de criminosos nazistas. E se ele estava fugindo, ora, em 1954, naquela foto da CIA, ele parece o mesmo de 1945. O lógico seria não usar o mesmo look ou bigode. Além disso, se ele está oculto na Colômbia, por que apenas o sobrenome, e não o nome, foi alterado? E, porque viajaria na Mercedes à vista de todos? Pergunta o historiador, que, no entanto, admite a possível existência de personagens como Citroen. “Na verdade, a empresa ferroviária da região era belga, então muitos europeus vieram e podiam se passar por belgas”, explica. AS DUAS FILHAS E SUAS CINZAS. A verdade é que livros ou teorias sobre a presença de Hitler na América do Sul aparecem periodicamente. Em 2011, Gerrard Williams e Simon Dunstan publicaram Gray Wolf: The Escape of Adolf Hitler, no qual argumentaram, com base em entrevistas com supostas testemunhas oculares, que o ditador viveu 17 anos na Argentina, onde teve duas filhas com Eva Braun. “Existem muitas teorias e poucos indícios confiáveis”, insiste Guerrero, apontando que isso se deve em parte ao fato de que a morte de Hitler não pôde ser verificada de forma independente. Não é de surpreender que a versão oficial sustente que, após o suicídio, seus seguidores cremaram seu corpo e o de Braun, embora não tenham conseguido concluir a cremação. Os soviéticos levaram os restos mortais, embora não tenham revelado onde os depositaram, usando convenientemente a teoria da fuga como arma de propaganda durante a Guerra Fria. Não foi até 1970 que os russos supostamente terminaram de queimá-los e despejá-los no rio Biederitz. Já com a dissolução da URSS, tentou-se reforçar a versão oficial e enfrentar as alternativas, embora fosse tarde demais. Hitler, ou pelo menos seu mito, viveu na América do Sul por 45 anos. Em sua opinião, faltam evidências e o valor do documento da CIA está sendo exagerado, "o que não diz muito e não foi microfilmado até 1963, muito depois de 54"”. 18


A questão é que Hitler não teria mantido apenas seu primeiro nome: na foto ele parece exatamente como todos se lembram dele, expressão, bigode, postura. Em 1954, enquanto o mundo acreditava que ele estava morto, mas os russos e americanos continuavam procurando a prova definitiva de seu fim, Hitler reconstruiu uma vida na Colômbia mantendo sua aparência usual, apesar de todos os identikits elaborados pelos vários especialistas em inteligência para delineie como ele poderia ter se transformado. Não é muito credível. Os soviéticos, em particular, há anos afirmam possuir alguns dos restos mortais de Hitler, embora os corpos do ditador e de Eva Braun tenham sido oficialmente cremados após o suicídio. Então, o cientista americano Nick Bellantoni, da Universidade de Connecticut, teve permissão para examinar esses restos em 2009, concluindo que o fragmento de um crânio em posse de Moscou pertencia a uma mulher com idades entre 20 e 40 anos, enquanto Hitler tinha 56 anos em 1945”.19




QUINTA COLUNA. A Quinta Coluna Nazista realmente existiu na Colômbia? Rumores, informantes e o embaixador Braden, que ocupou o cargo até março de 1942, afirmaram que sim; que na Colômbia um golpe de inspiração nazista estava sendo forjado com o objetivo imediato de derrubar o governo liberal e estabelecer um conservador; e depois recuperar o Canal do Panamá para a Colômbia ou para a Alemanha de acordo com diferentes versões. Segundo Braden, havia uma aliança tácita entre o Partido Nacional Socialista e o Partido Conservador, ou pelo menos a facção liderada por Laureano Gómez.(...) No que lhe concerne, Laureano Gómez, do El Siglo, ridicularizou a história da quinta-coluna e argumentou que o perigo real residia nos Estados Unidos "uma ameaça real à soberania nacional". A guerra de informações foi declarada. Braden, convencido da vulnerabilidade do Canal do Panamá e do avanço da ideologia nazista, exortou as empresas americanas a retirarem seus anúncios de publicações antiamericanas ou pró-nazistas e a anunciarem em jornais amigáveis. Até interveio para que a publicidade fosse destinada à Estampa e à Esfera, "fervorosos semanários pró-americanos… ". (…) ROOSEVELT E AS TRILHAS CLANDESTINAS. Em setembro de 1941, ocorreu um incidente que deveria ter dificultado para Eduardo Santos negar a existência de atividades subversivas. Após o naufrágio de vários navios mercantes e de guerra americanos por submarinos alemães no dia 11 daquele mês, o presidente Frankiin Delano Roosevelt, em discurso pelo rádio, além de protestar contra as agressões contra seu país, mencionou a recente descoberta de campos de pouso secreto na Colômbia perto do Canal do Panamá. No dia seguinte, o Senado convocou por telefone o chanceler López de Mesa. O debate, promovido pela bancada conservadora, foi muito agitado. O ministro das Relações Exteriores fez uma primeira intervenção na qual afirmou que o governo estava vigilante e que se "soubesse da existência daqueles campos de pouso e os escondesse, cometeria um crime". O senador Laureano Gómez destacou que se tratava de uma espécie coletada nos mentideros20 ou aglomerados de rua e pediu ao ministro que declarasse abertamente se as pistas existiam ou não. López de Mesa assinalou a seguir: “Disse e repito que o governo, depois de uma longa investigação, não tem conhecimento da existência desses campos”. Com base nisso, o Senado aprovou uma resolução proclamando sua certeza de que não havia rastros clandestinos na Colômbia.(...) LOPEZ DE MESA: ANTI-SEMITA? O professor erudito e chanceler da República, Luis López de Mesa, era um anti-semita? Os autores do livro "Colômbia nazista" acreditam que sim. Conforme a obra, López de Mesa consignou em suas “Memórias do Itamaraty” algumas explicações para a decisão do governo de limitar a entrada de estrangeiros, que apontam nessa direção. López de Mesa referia-se nessas memórias a "muitos elementos indesejáveis, em grande parte, judeus", que haviam adquirido nacionalidades europeias e agora vinham em busca de fortuna na América Latina. Nessas mesmas memórias, o chanceler, do governo de Santos, argumentou que os judeus tinham uma "orientação parasitária para a vida".

O livro vai além e, com base no depoimento de Hans Ungar, judeu de nacionalidade austríaca que chegou à Colômbia em 1938, afirma que as medidas tomadas pelo governo colombiano contra os imigrantes judeus impediram alguns deles, como os pais de Ungar, de serem salvos, de serem levados para campos de concentração, onde morreram mais tarde.

"Meus pais", disse Ungar aos autores em uma entrevista em dezembro de 1984, "morreram em campos de concentração alemães porque eu não consegui um visto colombiano. Eles me ofereceram vistos para venda, mas custam o equivalente a meio milhão de pesos hoje e Eu não consegui pegá-los... ".

Segundo os autores, os decretos de López de Mesa, ao invés de impedir a entrada de "elementos indesejáveis", o que fizeram foi desencadear um comércio especulativo com vistos colombianos, que determinou que o que Ungar chama de "judeus qualificados não podiam entrar na Colômbia: homens de ciência, profissionais ".

A obra revela um documento enviado pelo Ministério das Relações Exteriores da Colômbia aos seus cônsules em Berlim, Hamburgo e Varsóvia em janeiro de 1939, no qual ordenava que “os cônsules sob sua jurisdição se opusessem a todos os obstáculos humanamente possíveis ao visto de novos passaportes para elementos judeus. ". Uma nova mensagem foi mais longe e falou de "prevenir, tanto quanto humanamente possível, de entrar na Colômbia judeus, poloneses, tchecos, búlgaros, russos, italianos, etc.". Para os autores, a atitude anti-semita de López de Mesa não correspondia a uma posição conjuntural frente ao início da guerra, “mas antes faz parte das teorias raciais que expôs e reiterou em vários de seus livros”. Em sua obra "Dissertação Sociológica", López de Mesa dissera dos alemães que viviam no Chile naquela época, que eram homens "disciplinados, trabalhadores, patrióticos e, algo muito importante para nossa travessia, fortes… ". Segundo López de Mesa, isso contrastava com a atitude da colônia judaica radicada na Argentina, que estava voltando "gradualmente aos seus antigos costumes de assimilação de riquezas pela troca e usura… ". Não faltarão aqueles que se manifestem em defesa da figura de López de Mesa e justifiquem sua atitude de chanceler. Neste, como em muitos outros pontos, o livro abre um debate histórico bastante interessante”.21



Até onde se leu, embora o nazismo estivesse nas portas da Colômbia, na década de 1940, aparentemente, não se enquadra na proposta do roteiro do filme de Ciro Guerra.


    1. A Fronteira Amazônica Brasileira

Portanto, a discussão é sobre o Brasil, na fronteira brasileira, então, quem é investigado pela polícia colombiana, é o Brasil. Nesse sentido, do ponto de vista legal, do direito internacional, a polícia que deveria investigar seria a brasileira, não a colombiana.

Agora, se o objetivo era estabelecer uma discussão sobre fronteira, na suposta impunidade presente, por diversos motivos, criando uma ideia de terra sem lei, em que o público mostra suas garras privadas, e menos o interesse comum, poderia se falar de uma região bem maior do que uma fronteira ou limite amazônico. A Amazônia, na totalidade, é a fronteira?

Ou é a fronteira entre dois mundos, duas civilizações? Aí, vamos a outro debate, desenvolvido de maneira inusitada, por autor sul-africano, John M. Coetzee22. “Waiting for the Barbarians é um filme de drama de ação de 2019 dirigido por Ciro Guerra em sua estreia como diretor em inglês. O filme é baseado no romance homônimo de JM Coetzee, de 1980” 23 .

Tudo isso remete a Constantine P. Cavafy: “Uma das obras mais importantes de Cavafy é seu poema de 1904 "Esperando pelos Bárbaros". O poema começa descrevendo uma cidade-estado em declínio, cuja população e legisladores aguardam a chegada dos bárbaros. Ao cair da noite, os bárbaros não chegaram. O poema termina: "O que será de nós sem bárbaros? Essas pessoas eram uma espécie de solução” 24. “O poema foi escrito em novembro de 1898 e publicado pela primeira vez em 1904. Retrata um dia numa cidade-estado sem nome onde tudo se detém porque a população aguarda a chegada dos "bárbaros" que pretendem acolher25.


Esperando pelos bárbaros


O que estamos esperando, reunidos no fórum?


Os bárbaros devem chegar aqui hoje.



Por que não está acontecendo nada no Senado?

Porque os senadores estão sentados lá sem legislar?


Porque os bárbaros estão chegando hoje.

Qual é o sentido de senadores fazerem leis agora?

Assim que os bárbaros estiverem aqui, eles farão a legislação.



Porque nosso imperador se levantou tão cedo,

e porque ele está sentado no trono no portão principal da cidade,

no estado, usando a coroa?


Porque os bárbaros estão vindo hoje

e o imperador está esperando para receber seu líder.

Ele ainda tem um pergaminho para lhe dar,

carregado de títulos, com nomes imponentes.



Porque nossos dois cônsules e pretores vieram hoje

usando suas togas bordadas e escarlates?

Por que eles colocaram pulseiras com tantas ametistas,

anéis cintilantes com esmeraldas magníficas?

Por que eles estão carregando bengalas elegantes

lindamente trabalhado em prata e ouro?


Porque os bárbaros estão vindo hoje

e coisas assim deslumbram os bárbaros.



Porque nossos distintos oradores não aparecem como de costume

para fazer seus discursos, dizer o que tem a dizer?


Porque os bárbaros estão vindo hoje

e eles ficam entediados com retórica e falar em público.



Porque essa perplexidade repentina, essa confusão?

(Como o rosto das pessoas se tornou sério.)

Porque as ruas e praças estão se esvaziando tão rapidamente,

todos indo para casa perdidos em pensamentos?


Porque a noite caiu e os bárbaros não vieram.

E alguns de nossos homens que acabaram de chegar da fronteira dizem

não há mais bárbaros.



Agora, o que vai acontecer conosco sem os bárbaros?

Essas pessoas eram uma espécie de solução.26


É a discussão entre nós e os outros, entre a suposta civilização e a suposta barbárie 27. Aqui, a discussão é sobre alteridade28.

Pode-se falar de um estado de exceção, na Amazônia, em que a lei serve ao mais forte? Na fronteira da Amazônia, ficaria evidente esse estado de exceção?



A Tortura contra os índios

No caso do roteiro de Ciro Guerra, ao retirar o coração da indígena eterna, não configura tortura? Por outro lado, que crime ou que motivos seriam dados pelos povos indígenas para haver tanta atrocidade e crimes contra a humanidade? Como compreender a tese do olho por olho, dente por dente, num conflito que envolve serralheiros, agronegócio, polícia do Estado, de um lado, e aborígenes, de outro?

No roteiro de Ciro Guerra, o coração da aborígene eterna carrega a identidade do corpo vivo, numa monstruosidade imensa. O coração é o testemunho da atrocidade, da tortura, do trauma.

Essa configuração consiste em importante espaço para discutir sobre a abjeção nas coleções museológicas. De acordo com Julia Kristeva (198829), a abjeção consiste no outro lado dos códigos morais, religiosos e ideológicos sob os quais repousam a calma da sociedade e o sono dos indivíduos. Substância fantasmática que produz pânico, a abjeção perturba as ficções da identidade por ocupar uma posição ambígua:

'Haveria duas possíveis direções: a primeira é a de se identificar com o abjeto e se aproximar dele de alguma maneira, para dar testemunho da ferida, do trauma. A outra é representar a condição da abjeção para provocar sua operação, para capturar a abjeção no ato, faze-la reflexiva, ainda que repulsiva por direito próprio. O corpo desperdício, o corpo resíduo que a arte contemporânea nos apresenta - mimeses, simulacro ou índice -, emerge da abjeção de suas próprias secreções e excreções. O que sai do corpo, dos seus poros e dos seus orifícios marca a infinitude desse corpo e provoca a abjeção. Como uma estranha floração, que não cessa de brotar e cair de um corpo que subsiste nesse estado permanente de perda, fezes, urina, mas também cabelos, unhas, restos de pele, saliva, sêmen, separam-se do corpo para se transformarem indícios, em testemunhas eternas de sua ausência. Mas o que mais assume a abjeção do dejeto é o cadáver, elemento híbrido entre o animado e o inorgânico, um corpo sem alma, um não corpo. O cadáver, aquilo que caiu, que se desprendeu da vida, transforma violentamente a identidade de quem o confronta'. (Melendi, 2004, p. 1730)31




O roteiro de Ciro Guerra, ao separar o coração do corpo, sugere uma categoria de pedagogia, a do abjeto, em que o coração pulsa, na ausência do corpo, numa cena grotesca. A cena, proposta por Ciro Guerra, lembra um museu de horrores, como uma coleção do personagem nazista. Os aborígenes são vistos como um objeto de estudo, lembrando muito a visão que os europeus tinham sobre os habitantes do suposto “novo” mundo.


Por mais de oitenta anos, a partir de 1856, o museu de ceras anatômicas do Dr. Spitzner foi atração em feiras, especialmente nas cidades da Bélgica. A princípio fora instalado em Paris, numa sede estável, com todos os sacramentos da instituição científica (oitenta de suas peças provinham da famosa coleção de modelos patológicos do Dr. Dupuytren); várias vicissitudes zeram dele um museu errante, que encontrou o lugar mais apropriado entre barracões de feira, carrosséis, tiros ao alvo e picadeiros. Mas ele continuou proclamando sempre suas intenções educativas e moralizadoras: o folheto do programa se iniciava com uma espécie de decálogo de propaganda da saúde, primeira alegria e primeiro dever dos bons cidadãos; as visões horripilantes que o museu apresentava (tumores, úlceras e bulbos, ou fígados cirróticos e estômagos fibrosos) deviam inculcar nos jovens o terror das doenças venéreas e do alcoolismo. Mas as seções dedicadas a essas doenças “culpáveis” eram apenas uma parte, ainda que importante, da exposição, cujo conjunto parecia convidar a fixar os olhos naquilo que habitualmente tendemos a evitar: as alterações possíveis de nossa carne, a fisionomia oculta de nossas vísceras, o dilaceramento que sentimos em nós mesmos se assistimos a uma operação cirúrgica. A essa pedagogia do abjeto unia-se estranhamente uma documentação etnológica: uma leira de estátuas de cera representando os selvagens boximanes ou australianos, ou índios da América, em tamanho natural, uma visão que naqueles tempos pré-cinematográficos devia causar muito mais “efeito” do que hoje podemos imaginar. Observando bem, nessa seção etnológica também predominava o tema comum a todo o museu: a nudez “diferente”, íntima como toda nudez, mas distanciada pela doença, pela deformidade ou pelo estranhamento de civilização, ou de raça32, com o acréscimo do mal-estar que a cera provoca quando imita a palidez da pele humana. No entanto, não está muito claro quem era esse Dr. Spitzner. Suspeita-se que não fosse nem mesmo médico. Nas fotografias, tanto ele quanto a mulher mais parecem empresários de feira que apóstolos da ciência; mas nunca se sabe. Certo, o sadismo, componente chave do mundo visual que ele nos propõe, era de estampo diverso daquele mais lírico do florentino Clemente Susini, ou daquele mais feiticeiro33 do napolitano Raimondo di Sangro, ou do puramente espetacular da inglesa de adoção Marie Tussaud. Mas estes três nomes pertenciam ao século XVIII, com a complexidade de atitudes intelectuais e psicológicas que aquela época implica; já a data de fundação do Museu Spitzner nos conduz ao pleno período do positivismo, do cientificismo e da pedagogia divulgativa; seja como for, data não menos gloriosa quando se pensa ser a mesma da publicação das Flores do mal, de Madame Bovary e dos relativos processos contra o que então era execrado ou exaltado como “exploração do verdadeiro”. (…) O exemplo de fantasia sádico-surrealista mais inacreditável se encontra entre as representações das fases do parto e das operações ginecológicas. Um manequim completo de paciente com corte cesariano aparece de olhos abertos, o rosto contraído de dor, o penteado impecável, os tornozelos amarrados, metida num camisolão com recamos que se abre somente na parte rasgada pelo bisturi, onde desponta o feto. Quatro mãos de homem estão pousadas sobre o corpo (duas que operam e duas que lhe apertam a cintura): mãos longas e céreas, de unhas bem cuidadas, mãos fantasmagóricas porque não sustentadas por braços, mas apenas guarnecidas de cândidos punhos e de barras das mangas de um paletó preto, como se toda a cerimônia se passasse entre pessoas em trajes noturnos. 34



    1. Conflito entre dois projetos?

Existe um conflito entre civilizações, ou entre culturas, na Amazônia? Ou o conflito entre serralheiros e seus capangas, milicianos, de um lado, e as populações aborígenes, de outro, é de natureza diferente? Ou seja, é preciso ampliar as lentes, em detalhes, é analisar os discursos sobre a Amazônia ou da Amazônia.

Não seria mais interessante outra linha de raciocínio, que envolveria, na verdade, o conflito entre dois projetos?

Durante as audiências na CRE35, alguns debatedores citaram as extensas áreas demarcadas como reservas indígenas e unidades de conservação como uma das maiores vulnerabilidades da defesa nacional. Como muitas estão em região de fronteira e se mantêm quase intocadas, com baixíssima densidade populacional, haveria casos de reservas servirem de base para o crime organizado, além de serem de difícil penetração. Conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), as reservas ocupam 12,5% do território nacional e, segundo o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante militar da Amazônia, poucos pontos da fronteira não estão ligados a essas categorias de unidades, o que, para ele, gera “certo categoria de congelamento das áreas”. Terras indígenas em região de fronteira também preocupam o general Luiz Eduardo Rocha Paiva. Para ele, as reservas passaram a constituir um problema para a soberania nacional depois que o Brasil ratificou, em 2007, a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, na Organização das Nações Unidas (ONU). O documento estabeleceu, entre outros princípios, que os índios têm direito ao autogoverno, à livre determinação política, a instituições políticas e sistemas jurídicos próprios, a pertencer a uma nação indígena, a vetar atividades militares em suas terras, e ainda a aceitar ou não medidas legislativas da União. Ações militares, legislativas ou administrativas do Estado em território indígena deverão ser previamente consentidas pelos índios. “Se isso de fato acontecer, nós vamos atomizar a Federação, porque há mais terras indígenas do que estados da Federação. E lembro que, se há terra, se há povo considerado nação e se há instituições políticas e jurídicas próprias, isso é um Estado-Nação. Aí que está a ameaça”, avaliou. O preocupante dessa situação, segundo João Quartim de Moraes, professor da Unicamp, é que o descumprimento da declaração possa servir de pretexto para, no futuro, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou qualquer potência decidir que devem aqui combater o “bom combate”, como fizeram recentemente em países como a Líbia. “Potências que não hesitam utilizar essa categoria de expressão teriam alguma dificuldade amanhã, se a cobiça pela Amazônia fosse forte, em inventar um Estado independente de tal ou tal etnia"? Questiona o professor.36



É interessante observar a linguagem. Difícil penetração, como, porquê? Difícil, para quem, quando, onde? Os serralheiros, não tem dificuldade. O agronegócio, queima tudo que pode, em pouco tempo. De que dificuldade se está falando, afinal? Do despreparo do exército e da polícia brasileira em enfrentar os criminosos na mata? Não é melhor assumir a falta de estratégia de tática da polícia, das forças armadas, do Estado, do que simplesmente culpar as reservas indígenas e parques nacionais? Ou nada disso é verdade, é a discussão é as riquezas que estão no subsolo, de interesse das empresas estrangeiras?

Qual a concepção de Estado adotada no discurso contra as reservas dos índios? Povo, território, governo? Parece uma elaboração encontrada em livros didáticos. Como se fosse uma antiga aula de Organização Social e Política brasileira ou Educação Moral e Cívica. Como uma cartilha, insuficiente, mas que é útil37. O que define, afinal, um Estado, na modernidade?

Hoje, ao falarmos de Nação, normalmente estamos associando esse termo a um contexto político, oriundo da formação dos Estados nacionais na Europa Ocidental no início da Idade Moderna. Assim sendo, o conceito mais corrente de Nação é aquele em íntima afinidade com a ideia de Estado. Este, no que lhe concerne, é o organismo político-administrativo que ocupa um território determinado, sendo dirigido por governo próprio. A Nação, em seu significado mais simples, é uma comunidade humana, estabelecida neste determinado território, com unidade étnica, histórica, linguística, religiosa e/ou econômica. O Estado seria, nesse sentido, o setor administrativo de uma Nação. Apesar desse conceito de Estado nacional ser muito empregado em ciências humanas, essa não é a única definição histórica para o termo Nação. Uma segunda definição, muito utilizada por historiadores e antropólogos, é aquela relacionada à designação de povos ou etnias africanas trazidas para o Brasil durante o tráfico de escravos entre os séculos xvi e xix. Já os contemporâneos da escravidão e do tráfico de escravos costumavam empregar a palavra nação para designar os grupos étnicos dos escravos no Brasil. No entanto, tal termo, ocidentalizante porque oriundo das monarquias europeias às quais pertenciam os senhores de escravos, era empregado de forma a caracterizar grupos que muitas vezes não existiam como povo ou etnia, a não ser na visão do colonizador. Um exemplo disso são duas das mais conhecidas nações de escravos no Brasil, a Cabinda e a Mina. Os escravos pertencentes a essas nações, apesar de terem origens étnicas bem diversas, não pertencendo aos mesmos povos, eram identificados de forma homogênea como cabindas ou minas simplesmente porque foram traficados do porto de Cabinda, na atual Angola, e do porto de São Jorge da Mina, em Gana. Para a historiadora Mary Karasch, a utilização do termo nação no que se refere aos escravos no Rio de Janeiro do século xix queria dizer não apenas a tribo ou o reino ao qual pertenciam esses indivíduos antes do tráfico, mas também referir-se a um novo grupo sociocultural criado na própria cidade do Rio de Janeiro. Assim, nesse sentido, a palavra nação ganhava um novo significado, o de definição de novas culturas afro-americanas. No entanto, apesar da definição de nação como grupo social composto por escravos, a ideia de nação predominante no Ocidente até hoje é aquela eminentemente política. Construído para a realidade europeia, o conceito político de nação também foi empregado para aqueles territórios que se constituíram da colonização europeia, como a América. Nesse caso, as ideias de nação e Estado estão tão interligadas que deram origem a outro conceito, o de Estado-nação. O Estado-nação é uma realidade política, o cenário em que a existência social se desenrola. Ele abarca a ideia de que determinada população de um território seja reconhecida como pertencente a um poder soberano, unificada por uma língua e uma cultura dominantes impostas a todos os habitantes do território e consideradas as únicas nacionais. Isso a despeito de existirem ou não outras línguas e outras culturas nas fronteiras da Nação. Tal realidade política surgiu no Ocidente com a formação das Nações europeias no início da Idade Moderna. Estas se caracterizavam pela crescente centralização de poder e fortalecimento do Estado e do soberano, em contrapartida, à fragmentação de poder existente no sistema feudal. Uma centralização traduzida, do ponto de vista sociocultural, pelo nascimento de uma consciência nacional, ou seja, pelo nascimento da consciência desenvolvida pela população daqueles territórios de que ela possuía uma unidade cultural. Para que essa consciência se desenvolvesse, os Estados investiam na centralização linguística, elegendo uma língua nacional que todos deveriam necessariamente falar. Ao mesmo tempo, a Nação precisava se definir no campo internacional e fazer ser reconhecida sua individualidade. Isso só era possível com a afirmação de soberania, ou seja, a total independência da Nação diante de quaisquer poderes externos a ela. Enquanto a ideia de Estado como unidade soberana surgiu na Idade Média Ocidental, a ideia de nação começou a se impor a partir do século xviii no Ocidente e marcou toda a política moderna e contemporânea. O Estado-nação como conceito apareceu durante a Revolução Inglesa, em 1690, e se expandiu para fora do Ocidente durante a Idade Contemporânea, para todos os países que hoje são internacionalmente reconhecidos. A Nação, assim como o Estado, são temas de estudo de muitos sociólogos e cientistas políticos. Desde pensadores absolutistas, como Thomas Hobbes, passando pelos iluministas e liberais, como Adam Smith e John Locke, até os fundadores das ciências sociais, como Max Weber, e intelectuais clássicos do século xx, como Norberto Bobbio. Max Weber, em trabalhos hoje considerados clássicos, escritos no início do século xx, afirmou que não podemos definir nação apenas como uma comunidade linguística, ou como um sentimento de pertencer a uma unidade territorial, pois nem um, nem outro desses aspectos são indispensáveis. Para ele, a ideia de nação é quase sempre uma construção elaborada por um grupo dominante que se atribui o papel de unir território e Estado a partir de sua cultura específica. Weber leva-nos a pensar, dessa forma, na artificialidade do conceito de nação, que nada tem de natural, mas é tão somente uma construção histórica e, em geral, uma imposição de determinadas elites regionais a diversos territórios ou povos submetidos. Assim, ao analisarmos a ideia de nação, uma das características que mais nos chama a atenção é o caráter histórico dessa ideia. Ao nos perguntarmos o que é uma nação, logo nos defrontamos com que tal ideia nem sempre existiu, nem existiu em todos os lugares, mas teve um começo e talvez tenha um final. É importante percebemos também o caráter impositivo dessa construção discursiva e política, ou seja, toda nação e todo Estado-nação são fundamentados em uma cultura específica de um grupo dominante que sob a justificativa de que seus valores são os verdadeiramente “nacionais”, de que são os que melhor representam o Estado e o território ao qual pertencem, exclui todas as outras culturas também existentes em seu território. Tal vem acontecendo na história desde a própria origem do Estado nacional. Os exemplos são muitos: a Espanha, durante a Idade Moderna e quase todo o século xx, ao excluir as identidades de bascos, galegos e catalães de sua definição de identidade nacional, afirmando a hegemonia da cultura e do idioma castelhanos como os legítimos valores nacionais do país; Israel, hoje, ao negar aos palestinos uma série de direitos de cidadania; os Estados Unidos, durante o século xix ao excluir indígenas e negros como membros da nação; o que se repete no Brasil nos séculos xix e xx. Os exemplos são muitos ao longo da história. A construção da nacionalidade, em sua artificialidade, frequentemente recorre a elementos da tradição, em que o passado é mitificado, criando heróis e momentos épicos que são apresentados como definitivos na formação do povo e da nação. Obras de Literatura e Música, e a construção de uma “História nacional”, são algumas das formas de se construir uma nacionalidade. A identidade cultural é apresentada como natural e harmônica, quando nem sempre os valores desse povo tiveram tal coesão ou harmonia. No Brasil, por exemplo, obras de arte como os quadros de Pedro Américo e Victor Meireles e símbolos nacionais como o Hino à Bandeira e o Hino Nacional, foram elaborados para serem representativos de um passado mítico e glorioso que teria criado a chamada unidade nacional. O discurso que afirma a existência dessa unidade pretende defender a homogeneidade cultural, que seria a existência de um mesmo “caráter nacional” por todo o território brasileiro, escamoteando, assim, as diferenças regionais. Da mesma forma, atualmente aspectos culturais específicos de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo são generalizados como cultura nacional e impostos como identidade a todo o território brasileiro. Para professores e professoras, o conhecimento acerca dos significados inerentes aos termos nação, estado e soberania, entre outros conceitos políticos, funciona como ferramenta de cidadania. Apenas conhecendo a origem e o sentido de tais termos, os alunos podem criticar seu significado, percebendo que as culturas das minorias em uma nação não são necessariamente estrangeiras ou exóticas, mas têm seu valor diminuído pela imposição do discurso de determinados grupos humanos. Tal estudo é essencial para a formação da consciência do cidadão, algo ainda muito debilitado no Brasil e cuja responsabilidade cai, na maioria das vezes, sobre os professores de História”.38



O que se observa é um questionamento radical da Constituição de 1988. O marco que divide os dois projetos em curso na Amazônia, é a posição sobre a nova república que surgiu após 1988. O núcleo considerado “duro”, das forças armadas, ou seja, que desconsidera o papel constitucional dessas instituições e prefere a versão política das forças coercitivas da nação, agindo como um autêntico partido político, embora distante das urnas, reivindica para si um poder que não é seu, mas da república. Deixando de lado a autocrítica, as forças armadas preferem o discurso político que lhe confere o quarto poder, à maneira da Constituição de 1891, contudo sem o imperador. Ou seja, o quartel se afastou do Imperador, mas não do Império. Tudo isso lembra o pensamento militar depois da matança da guerra do Paraguai, quando do retorno. Aliás, o Paraguai, um dos países da América com grande tradição indígena, o povo guarani39.



    1. Cândido Mariano da Silva Rondon


https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2019/05/24-2.jpg

Parece que o marco importante que se estabelecera com o General Rondon, foi destruído. Veja-se que a política levada a cabo pelo General Rondon, era do bem comum.

Quanto a primeira questão, conclui que o SPI40 atendeu plenamente aos objetivos da instituição e se manteve fiel ao longo de décadas à máxima de Cândido Rondon: “morrer se preciso for, matar nunca.” Afirma que “graças à sua atuação, imensas regiões do país, entre as quais se encontram algumas das que hoje mais pesam na produção agrícola-pastoril e extrativa nacional, foram ocupadas pacificamente pela sociedade brasileira.”[RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização – a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 6.ª ed. (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 169]. Conceitua a pacificação dos índios como, “uma intervenção deliberada numa situação de conflito aberto entre índios e civilizados, movidos uns e outros por um ódio incontido e pela maior desconfiança mútua” [Idem, ibidem, p. 171] e afirma que para o índio hostil ou arredio, o civilizado era um inimigo feroz a quem cumpria combater ou evitar. Além dessa dificuldade que advinha da imagem negativa pré-concebida do homem civilizado, cuja figura os funcionários do SPI representavam para os índios, estes servidores enfrentaram a hostilidade das populações brasileiras vizinhas, cheias de ódio e ressentimento por não compreenderem porque o Governo se empenhava em defender os índios que, a seu ver, eram incapazes da civilização. Enfrentaram ainda a ganância de potentados locais que, cobiçando as terras dos índios, preferiam vê-los mortos[Idem, ibidem]. (…) Rondon aceitou o convite de Gomes Carneiro e foi nomeado Chefe do 16.º Distrito Telegráfico de Mato Grosso, em comissão. No período de 1892 a 1898, reconstruiu a linha telegráfica de Cuiabá ao Araguaia. Foi nesse período que Rondon ideologicamente consolidou a postura adotada por Gomes Carneiro, de que não se devia atirar em índios, pois eles eram os habitantes primeiros daquelas terras e, ao atacarem, estavam defendendo algo que legitimamente lhes pertencia. A consolidação de seu lema encontrou fomento no positivismo, o qual “aperfeiçoa a ciência, tendo como objetivo o aperfeiçoamento do homem; se lança para o futuro, apoiado no passado que honra em todas as suas fases e cujas conquistas conserva, melhorando-as porque faz coincidir a felicidade com o dever” e constitui-se em simultâneo, na religião do amor, da ordem, do progresso.”[VIVEIROS, Esther de. Op. Cit., p. 589 41]. Segundo Cândido Rondon:

'Minha formação cerebral fizera-me ao contato com o Positivismo, ter a sensação de que, espontaneamente, norteara minha conduta pelos seus princípios. Daí o entusiasmo com que formulei e adotei o lema, verdadeiramente religioso que foi a diretriz dos trabalhos da Comissão: “Morrer, se necessário for, matar nunca”. [Idem, ibidem. Idem, ibidem].

O lema pessoal por ele ideologicamente formulado no início de sua carreira pública seria de fato colocado à prova quando das atividades da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas, ocasião em que seus membros foram atacados por índios, inclusive ele próprio. (…) As atividades da expedição tiveram continuidade, em 20 de outubro de 1907, após 48 dias e 618 quilômetros percorridos a partir de Diamantino, a expedição logrou encontrar o rio Juruena, estabelecendo suas coordenadas geográficas e localização exata. Descoberto o rio Juruena, os expedicionários da 3.ª seção deveriam voltar ao acampamento para o restabelecimento físico e reorganização dos trabalhos a partir das novas informações técnicas colhidas. Foi quando o grupo chefiado por Rondon foi atacado pelos índios Nhambiquara. O episódio do ataque dos índios aos membros da Comissão é narrado em várias fontes e também em outros trabalhos científicos já realizados sobre as Comissões Telegráficas. [VIVEIROS, Ester. Op. Cit., p. 234/235; MARTINS JÚNIOR, Carlos. Op. Cit., p. 179; MARTINS, Demóstenes. Op. Cit., p. 47/49; RONDON, Cândido Mariano da Silva. Relatório apresentado à Diretoria Geral dos Telégrafos... p. 58/59 e Conferencias realizadas em 1910... p. 23]. Entretanto, a proposta do presente trabalho é situar Cândido Mariano da Silva Rondon como um agente público e político no âmbito de suas atribuições nas Comissões e as consequências advindas desse binômio. Dessa forma, tal passagem será observada, enquanto contribuição para tal pensamento.

'Prosseguimos pelo pique feito na antevéspera. Na frente ia o Domingos, armado de Winchester; em seguida eu com uma Remington de caça; depois o tenente Lyra e o Leduc. Ambos armados de pistola Colt. Mais atrasado vinha o resto do pessoal. Não fizéramos um quilômetro; o nosso pensamento vagueava entre as dificuldades vencidas e a satisfação do triunfo; entre as agruras sofridas e a alegria da volta com o dever cumprido. Um sopro perpassa-nos pelo rosto; pareceu-me um pássaro que me cruzasse, rápido, o caminho; eu acompanhei, à direita, para esbarrar com a vista na choupa, ainda vibrante, d´uma flecha, cuja ponta mergulhara no solo arenoso, errado o alvo. A compreensão súbita do que se passava me desalojou da cela, para atravessar o animal e preparar a defesa, a que fui levado instintivamente; [RONDON, Cândido Mariano da Silva. Relatório apresentado à Diretoria Geral dos Telégrafos... p. 58] [...] coloquei a minha Remington, que trazia a tiracolo, na bandoleira, em posição de tiro. Mas, embora muito rápido meu movimento, não impediu que segunda flecha me viesse passar rente à nuca, roçando o capacete. E vi, bem próximo, dois nhambiquaras possantes, [...] o guerreiro que vi à minha direita desferiu-me terceira flechada. Vinha essa direta a meu peito, mas sua ponta se insinuou num furo da bandoleira de couro da espingarda e ficou engastada. Verificou-se, depois, tratar-se de uma flecha envenenada [...]. [VIVEIROS, Esther de. Op. Cit., p. 234]. Mas me custou, passada a surpresa que foi enorme, conter meus companheiros. Quiseram precipitar-se, perseguindo os índios. [RONDON, Cândido Mariano da Silva. Relatório apresentado à Diretoria Geral dos Telégrafos... p. 59]. [...] Fiel ao meu programa de só penetrar no sertão com a paz e jamais com a guerra, não consenti na menor represália. Não viera eu conquistar índios pela violência e sim trazer ao rio Juruena o reconhecimento indispensável à construção da linha telegráfica, meios de os chamar à civilização. Nada nos restava senão regressar a Diamantino. O reconhecimento estava feito e acabado [...] não justificaria uma insistência que poderia degenerar em guerras com os habitantes da região, guerra que deveria ser evitada a todo o transe, não só por dever de justiça, porque os índios defendiam o que lhes pertencia, como também no interesse das futuras operações da Comissão [VIVEIROS, Esther de. Op. Cit., p. 234/235]'.

Observa-se aqui a aplicação prática da máxima estabelecida por Cândido Rondon quando do início de sua vida pública: “morrer se preciso for; matar, nunca.” Mesmo atacado pelos índios, ele não permitiu nenhuma reação dos membros da Comissão. Cumpre esclarecer que qualquer reação, naquelas circunstâncias, estaria amparada pela legítima defesa. [Instituto de Direito Penal que exclui a ilicitude de um ato, a princípio criminoso, ou seja, tipificado em lei como crime, por atuar o seu agente imediatamente em resposta a uma ofensa sofrida. A ação que seria criminosa passa a ser legítima, amparada pelo Direito, porque em resposta imediata a um gravame sofrido]. Entretanto, há um detalhe acerca dessa passagem que o agente público Cândido Rondon não fez constar em seus relatórios oficiais e que denota sobremaneira a figura do agente político:

'Resolvi, imediatamente, pondo de lado qualquer orgulho militar, bater em retirada, dando ordens prontas nesse sentido. [...] Dirigimo-nos ao acampamento, onde encontrei o pessoal muito exaltado. Discutiam a vergonha que recairia sobre nós, se não reagíssemos, mostrando nossa superioridade. Confesso que no primeiro momento ia me deixando convencer por esse ponto de vista militar. Mas voltei imediatamente ao ponto de vista humano. Tive muita dificuldade em fazer sentir quanto a nossa missão deveria ser fraternal e pacífica – nunca de guerra. Fí-los compreender estarmos penetrando em terra dos índios, sem seu consentimento e que estes, além de tudo, nos confundiam com os que vinham, havia tantos anos, depredando e correspondendo com morte e extermínio à generosidade com que os recebera o aborígene. Vali-me de um exemplo e perguntei: - se alguém penetrasse em casa de um de vocês para assassinar e roubar, que faria? – Matá-los-íamos, sem dúvida alguma! - E como querem vocês que os índios procedam de outro modo?' [VIVEIROS, Esther de. Op. Cit., p. 235/236. Grifos não existentes no original].

No momento em que Cândido Rondon “põe de lado o ponto de vista militar” e faz prevalecer o “ponto de vista humano” ele age como agente político, enfrentando as consequências de tal postura. No regresso ao acampamento, se deparou com homens indignados por não poderem recorrer a suas prerrogativas de soldado, para o que foram treinados: a dicotomia ataque e defesa assimilada, que condiciona o reflexo da reação à ação como questão elementar de combate. Viu-se no capítulo anterior, que o agente político desempenha suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, elabora normas legais, conduz os negócios públicos, decide e atua com independência nas questões que lhes são afetas. Os agentes públicos, no que lhe concerne, apenas executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de opções políticas, diretivas da conduta da Administração. No destacado episódio, o agente público Cândido Rondon é militar; o agente político é um estadista que assume uma postura política perante seus subordinados. Postura essa que era inclusive contrária aos preceitos institucionais que eles traziam e tinham por verdade, como o dever de reagir. Repita-se que, para a doutrina do Direito Administrativo, política é “a forma de atuação do homem público quando visa a conduzir a Administração a realizar o bem comum.” [MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit., p. 45]. Naquelas circunstâncias, o bem comum representava evitar maiores conflitos que não só inviabilizariam o projeto do Governo de implementar o telégrafo e com ele incentivar o povoamento daquelas regiões, como também acentuaria as desavenças já existentes entre índios e “brancos”. 42



Enquanto General Rondon admite que os índios têm território, tem autonomia, são brasileiros, a atual orientação das forças armadas é totalmente ao contrário.

O primeiro diretor do SPILTN seria a conhecida figura histórica de Cândido Rondon. É preciso deter-se um pouco na figura desse homem que marcaria para sempre a política indigenista no Brasil. Este militar, membro do Apostolado Positivista do Brasil, entusiasta da Missão Francesa, que serviu sob as ordens de Hermes da Fonseca, tendo sido elemento de ligação entre o Exército e a Marinha durante o episódio da Proclamação da República, conquistara a reputação de um verdadeiro herói da defesa dos índios devido a sua atuação e de sua equipe na Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas - CLTEM-GA. Ao ser convidado por Rodolpho Miranda para organizar e ser o primeiro diretor do órgão indigenista oficial, Rondou responde com uma carta em que expõe a sua concepção do serviço, basicamente concordante com o programa do Apostolado Positivista, ao qual ele próprio se vinculava diretamente: contrário à catequese, pois o Estado deveria ser essencialmente laico e não patrocinar nenhuma religião; garantia da posse da terra indígena; proteção contra violações; respeito semelhante ao dispensado às "nações mais fortes"; respeito às instituições; impedir que guerreassem entre si (Gagliardi 1989: 190-192). Havia apenas uma discrepância: para Rondon, quando fosse do interesse nacional, mas através de entendimento, seria possível mudar o grupo indígena de seu habitat. Essa é uma diferença marcante e que denota a dupla lealdade de Rondon: aos preceitos positivistas, de um lado, e ao Exército, de outro. Essa dupla lealdade de Rondon é que permite compreender a diferença entre a sua concepção do órgão indigenista e a dos demais positivistas, como Teixeira Mendes. Para estes, era fundamental ajudar os indígenas a sair do estado fetichista em que se encontravam e trazê-los ao estado positivo, ou seja, integrá-los à cultura ocidental, poupando-os da passagem pelo estado teológico. Isso jamais poderia ser conseguido com violência, porém. Vê-se aí o retorno do projeto integracionista, mas com uma diferença fundamental, sendo a posição explícita de não forçá-los à integração. Esta deveria ser a consequência de um processo de convencimento ou atração, e não um resultado de operações políticas. Caberia à indústria, à poesia e à ciência positiva atraí-los. Portanto, segundo os positivistas, cumpria defender os índios e propiciar-lhes a assistência necessária, sem, no entanto, impor-lhes quaisquer crenças ou práticas. Mas Rondon não era somente positivista: era também um militar. Causa estranheza, contudo, a sua heterodoxia: os militares positivistas se caracterizavam por um desprezo aos assuntos e tarefes militares, e isso principalmente entre os de formação técnica. O engenheiro militar Rondon, porém, foi um entusiasta da Missão Francesa, cujo objetivo era exatamente aprimorar o treinamento especificamente militar das forças brasileiras. Rondon ainda desempenhou com afinco as tarefas especificamente militares a que foi destinado, particularmente na Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMGA). Antônio Carlos de Souza Lima destaca o caráter estratégico das linhas telegráficas, isto é, tendo em vista o objetivo mais geral de defesa do território (Lima 1992: 162). Desde 1889, antes ainda da República, Rondon fora nomeado para a Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá ao Araguaia (id., ibid.). A partir da criação da CLTEMGA, em 1907, Rondon formara um grupo que constituiu parte da equipe do SPILTN. A formação militar de Rondon, portanto, tornava-o bastante sensível ao tema do interesse nacional, o que o afastava do protecionismo positivista ortodoxo. Com a criação do SPILTN e a entrega de sua direção a Rondon, tem-se, pela primeira vez, a institucionalização da vinculação entre a problemática indígena e a militar ou estratégica. Rondon foi destituído da presidência do SPI após a revolução de 1930, e sem sua liderança, o SPI entrou rapidamente em decadência. Não que não tenha havido tentativas de revitalização do órgão. A mais vigorosa foi a de José da Gama Malcher, presidente do SPI entre 1950 e 1954, em cuja gestão foi criado o Parque Nacional do Xingu, que tornou famosos os irmãos Villas Boas. O Parque foi criado em 1952 e aprovado pelo Congresso em 1961. Para Souza Lima (1992: 169), o Parque Nacional do Xingu marca uma virada no padrão de demarcação das terras indígenas então vigente, e se constituirá como o modelo par excellence da ação protecionista oficial. Outrora reduzidas a pequenos lotes, as áreas indígenas passavam a ter então um novo modelo: grandes áreas com o duplo objetivo de preservação da fauna e da flora e viabilização da "aculturação" paulatina dos grupamentos indígenas da região, em mais uma manifestação vigorosa da concepção integracionista. O Exército e a Aeronáutica teriam presença garantida na área, promovida pelo próprio Orlando Villas-Boas.43

O que se observa com o General Rondon, em suas práticas heterodoxas, é a construção de um novo discurso, de uma nova narrativa, mesmo que imensamente intuitiva44, num mar de teorias retrógradas, conservadoras, destrutivas.



    1. A Constituição Violada ou a Lei, que não é Sagrada

Saindo dos marcos antropológicos, que ate então norteavam a ocupação da Amazônia, o discurso das forças armadas tornou-se mais pragmático.

NA TERRA INDÍGENA Alto Rio Negro, na fronteira da Amazônia com a Colômbia, a reforma da pista de 2 quilômetros do aeroporto de Iauaretê se arrasta desde 2005. Para substituir asfalto por concreto, material mais durável, os militares da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica, a Comara, que administra o local, extraem granito de uma mina a pouco mais de 1 quilômetro da pista. Não é incomum as Forças Armadas explorarem minas para obras, principalmente em regiões afastadas. Porém, não há nenhum registro dessa extração na Agência Nacional de Mineração, a ANM, órgão que regula a atividade, e a Constituição proíbe a mineração em terras indígenas. Ou seja, a mina que alimenta as obras do aeroporto na cidade de São Gabriel da Cachoeira é clandestina e ilegal. A região da terra indígena Alto Rio Negro é conhecida como “Cabeça do Cachorro” devido ao formato da linha da fronteira. O território tem cerca de 80 mil km² — cinco vezes a cidade de São Paulo — e abriga mais de 26 mil indígenas de 22 etnias. Chegamos até a mina clandestina da Aeronáutica a partir de dados levantados pelo projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, que monitora, requerimentos de mineração em terras indígenas da Amazônia. Entramos em contato com a assessoria de imprensa da Aeronáutica, que confirmou a existência da mina – sem explicar, no entanto, como explora um local que tem a mineração proibida. Em nota, enviada em 12 de novembro, o órgão informou que o granito extraído da mina é utilizado exclusivamente na produção de brita da reforma da pista, que já gastou R$ 63 milhões em 15 anos. Três semanas depois, em 3 de dezembro, a Aeronáutica reformulou a sua versão e nos respondeu, via Lei de Acesso à Informação, que “embora conste no site da ANM o município de Japurá/AM, a atividade é em Iauaretê”. Uma referência ao único pedido de mineração protocolado pelo órgão na região, a 108 quilômetros do aeroporto em reforma. Só esqueceram de dizer que o pedido nunca foi aceite e tem coordenadas geográficas específicas – também na terra indígena Alto Rio Negro. Uma decisão liminar da Justiça Federal do Amazonas de agosto de 2019, inclusive, proíbe a mineração e mesmo a pesquisa para mineração em todas as terras indígenas da Amazônia. Ainda segundo a assessoria de imprensa, o material extraído da mina é utilizado no “aeródromo militar de Iauaretê”, que é “estratégico e necessário ao suporte à saúde das comunidades indígenas”. Ajudar os povos indígenas da região, no entanto, não parece ser o principal objetivo dos militares. Por falta de plano e entraves burocráticos, o aeródromo ficou quase um ano e meio sem voos. Em fevereiro de 2019, o Ministério Público Federal do Amazonas apresentou uma ação civil pública contra a Aeronáutica e outros órgãos federais para garantir voos para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os DSEIs, na região do Rio Negro. Uma denúncia feita por servidores dos DSEIs apontava que voos estavam proibidos em nove aeródromos da região, incluindo o de Iauaretê, de 6 de dezembro de 2018 até 31 de dezembro de 2020. Os aeródromos estavam fechados na Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, por falta de Plano Básico de Zona de Proteção — documento que estabelece, por exemplo, qual área próxima do aeroporto é exclusiva para voos e não permite construções. Ou seja, Aeronáutica, Ibama, Funai e Anac fecharam pistas usadas para atendimento de saúde indígena, em regiões onde o acesso por estrada é inexistente e por rio pode demorar dias, por uma simples pendência burocrática. A denúncia ressaltava a necessidade de atendimento aéreo a povos indígenas, principalmente em casos de emergências médicas como “picadas de cobra, paradas cardíacas, partos prematuros ou com complicações, risco de vida infantil”. Após alegações de órgãos federais sobre quem seria o responsável por solicitar a documentação, a magistrada Jaiza Maria Pinto Fraxe, da Justiça Federal no Amazonas, acatou o pedido liminar do MPF em 6 de março, menos de um mês após a apresentação da ação, e ainda criticou duramente a União: “É inadmissível que, em pleno século XXI, duas estruturas de poder público não se comuniquem entre si para solucionar uma simplória burocracia capaz de efetivar a saúde dos povos que formam a identidade da população brasileira”, escreveu a magistrada. Uma cratera para a Aeronáutica chamar de sua. Imagens do Google Earth comprovam que até 2004 a região da mina explorada pelos militares estava intocada. O próximo registro da área no aplicativo é de 2016, mostrando o local já completamente alterado, com uma cratera de pouco mais de 100 metros de diâmetro e 4 metros de profundidade. Foi desse local que saiu a brita para os 800 metros de pista que já estão concretados, restando ainda 1,2 km. Ibama e Funai são mencionados em notas divulgadas pela Aeronáutica como facilitadores de acordos com os índios. Mas lideranças locais nos contam que a história não é bem assim. Eles reclamam de atropelos e que não são ouvidos pelos militares e nem mesmo pela direção da Funai. Assim como não há registro da mina, tampouco há nenhum plano de manejo do dano ambiental causado. Pesquisador dos povos indígenas do Rio Negro, Geraldo Andrello, professor de antropologia da Universidade Federal de São Carlos, visita o distrito de Iauaretê quase todos os anos e questiona a inação do governo.

Lembro que já fui algumas vezes na região e há uma mina sendo explorada. Se a utilizaram por tantos anos, o mínimo que se espera é que a Aeronáutica tenha um plano de recuperação ambiental da área”, diz o pesquisador, que também é membro do Conselho de Gestão Estratégica do Programa Rio Negro e sócio-fundador do Instituto Socioabiental.

Há 15 anos, a intenção inicial da Aeronáutica era explorar uma formação rochosa na Serra do Bem-Te-Vi. As 22 etnias indígenas que vivem na região se surpreenderam ao saber da intenção dos militares: no local está localizada a Cachoeira do Iauaretê, declarada Patrimônio Cultural do Brasil pelo Iphan por ser considerada sagrada pelos indígenas. “Não soube se houve qualquer categoria de consulta, mas essas obras do governo nunca funcionam no tempo devido para o debate. Precisamos entender que na concepção dos índios todos esses lugares são habitados por entidades. É como se alguém chegasse na sua casa e mexesse em tudo”, diz Andrello. Depois de protestos e da atuação de ONGs e do Iphan, a Aeronáutica mudou o alvo de lugar. Mesmo assim, a área escolhida, a 1 km da pista, continuou na terra índigena.

No dia 4 de novembro, enviamos questionamentos à ANM sobre a mina sem registro explorada pelos militares no distrito de Iauaretê e sobre o requerimento protocolado pela Aeronáutica em Japurá, em 2014, para extração de granito a 108 quilômetros do aeroporto. Não obtivemos retorno da agência até a publicação desta reportagem.

À espera do príncipe.

De mais de 3 mil requerimentos de mineração sobrepostos a terras indígenas da Amazônia identificados pelo Amazônia Minada, 83 têm a terra indígena Alto Rio Negro como alvo principal – quase a metade em busca de ouro. O único pedido formal da Aeronáutica para extrair granito na região, no distrito de Japurá, foi feito em 19 de março de 2014. A última movimentação processual ocorreu cinco dias depois, com indicação de que o pedido está “situado em área indígena”.

No sistema da ANM não há nenhuma sinalização de aprovação ou rejeição do pedido que tem como alvo uma área do tamanho de quase cinco campos de futebol: 4,9 hectares. Sob condição de anonimato, um oficial militar que já trabalhou na região garantiu que, pela distância, a retirada de pedra do local indicado no processo na ANM seria inviável economicamente. Pelo jeito, a solução encontrada foi explorar uma área indígena sem consultar o órgão regulador do setor de mineração e atropelar a Constituição.

Em resposta a um pedido de Lei de Acesso à Informação, a agência informou que processos negados são retirados do sistema. Então, apesar de estar parado, o requerimento ainda está vivo e pode um dia se tornar uma grande mina em meio a terra indígena. É o que o MPF já chamou de requerimentos Bela Adormecida”, que aguardam apenas uma lei que libere a mineração nessas áreas.

Em fevereiro deste ano, o governo Bolsonaro se propôs a ser esse príncipe encantado. O projeto de lei 191/2020, de autoria do Executivo, prevê a possibilidade de exploração de mineração em terras indígenas. Esse interesse de órgãos públicos em explorar o subsolo de regiões protegidas pela Constituição não é novidade. Há dezenas de pedidos ativos ligados ao setor público, alguns protocolados na década de 1970. Porém, o apoio escancarado do presidente transforma cada requerimento em uma ameaça ainda maior para os povos indígenas.

Em setembro, o Ministério de Minas e Energia ainda apresentou o Programa Mineração e Desenvolvimento, que tem como uma de suas metas “promover a regulamentação da mineração em terra indígena” até 2023. A deputada Joênia Wapichana, da Rede de Roraima, apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos desse trecho do programa do MME, que segue parado no Congresso. De olho no subsolo das aldeias. Há uma fila de empresas – e outros órgãos públicos – interessados na liberação da mineração em terras indígenas. Os pedidos se mantém ativos por anos, às vezes décadas, esperando a canetada que liberará afinal a exploração. E o troca-troca de executivos entre setor público e privado escancara os interesses em lucrar com os minérios na região.

A Petrobras, por exemplo, é uma das instituições com dinheiro público interessadas em minerar solo indígena. A empresa de economia mista protocolou em 2005 na ANM três requerimentos de silvinita, minério de onde é extraído o potássio para fertilizantes, na terra indígena Paraná do Arauató, no Amazonas, estado que abriga a maior reserva do minério de potássio no mundo.

A empresa pública Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, a CPRM, órgão responsável pelo planejamento geológico do Ministério de Minas e Energia, é outro órgão federal com requerimentos em terras indígenas. Entre 1975 e 1985, a empresa fez 12 pedidos em áreas de povos indígenas do Amazonas, Pará e Roraima para pesquisar diversas categorias de minério, de ouro a nióbio. Mesmo após tanto tempo, todos esses pedidos continuam tramitando na ANM.

O Ministério de Minas e Energia também tinha como secretário Nacional de Energia, até outubro de 2019, Ricardo de Abreu Sampaio Cyrino. Ao deixar o ministério, ele foi trabalhar na iniciativa privada e, atualmente, é presidente da Atiaia Energia S.A.. Focada na produção de energia solar e eólica e na instauração de pequenas centrais hidrelétricas, a empresa tem dois requerimentos de pesquisa de argila na terra indígena Tirecatinga, de Mato Grosso. Ou seja, após deixar a pasta que luta pela regularização da mineração no subsolo de aldeias, ele foi para uma empresa interessada em minerar o subsolo de… aldeias.

Gestões estaduais não ficam de fora desse interesse pelas riquezas em subsolo de áreas indígenas. A Companhia de Desenvolvimento de Roraima, empresa pública responsável pela concessão de licenças de mineração no estado, protocolou 29 requerimentos na ANM entre 1980 e 1984. Um processo é na terra Raposa Serra do Sol, que em 2009 ganhou as manchetes de jornais nacionais após os ministros do STF decidirem pela sua demarcação contínua e retirada de ocupantes não indígenas. Os outros 28 pedidos minerários estão em área Yanomami, terra que concentra 502 casos, entre todos os 3.211 processos minerários em terras indígenas da Amazônia. Militares e minérios.

Já a relação da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica com a mineração é antiga. Desde a década de 1980, os militares exploram granito na pedreira de Moura, no município de Barcelos, no Amazonas. Segundo a Aeronáutica, o material é usado “para a construção das obras de infraestrutura aeroportuária em boa parte da região amazônica”. Diferentemente da mina em São Gabriel, ela não fica em terra indígena, mas também acumula irregularidades.

Além da Comara, pelo menos outras três mineradoras exploravam a pedreira de Moura: Britamazon Indústria Comércio e Mineração Ltda., Ita Mineração Ltda. e Geonorte Geologia do Norte Ltda. Em 2016, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra o órgão da Aeronáutica e às três empresas. Segundo o MPF, todos descumpriram licenças ambientais e causaram danos ao meio ambiente “em decorrência da extração mineral irregular de brita”.

Em decisão liminar de setembro de 2016, o juiz federal Emmanuel Mascena de Medeiros determinou a paralisação das atividades no local. O magistrado citou relatório de fiscalização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonasque identificou, entre outras irregularidades, a dispensa de rejeitos do processo de britagem em curso d’água.

No ano passado, o vice-presidente da Comara, coronel aviador Steven Meier, visitou a Britamazon, em Barcelos. Apesar de a empresa de mineração desrespeitar regras de órgãos ambientais, o coronel assina um texto publicado no site da Comara definindo a visita como importante para “avaliar os processos, sua produção em larga escala e absorção das técnicas na área de mineração”. Ele também afirma que a empresa “sobressaiu-se no mercado” e que visitá-la foi de “grande valia”.

Esta reportagem faz parte do Amazônia Minada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund e do Pulitzer Center.45



    1. A Mudança de Paradigma:

    2. O Público e o Privado, unidos, com os mesmos Interesses

Mesmo para um “gringo”, agente provocador46, completamente contra a esquerda, a mudança de paradigma, foi notada.

Apesar de terem mais de cem anos, as lições colhidas por Rondon nos seus 40 mil km pelo Brasil não foram aprendidas pelo atual governo, diz o biógrafo. Ele vê na gestão de Jair Bolsonaro uma ameaça ao legado de Rondon, sendo fundador do Serviço de Proteção aos Índios (antecessor da Funai), e até sua morte, em 1958, trabalhou para proteger suas tradições. "Como candidato, Bolsonaro falou em medidas que iriam contra a linha histórica estabelecida pelo Rondon. Como presidente, nesses cem dias dá para ver claramente ameaças às políticas históricas criadas por Rondon e perpetuadas pelos vários governos depois da primeira república", diz. Até agora, entre as ações anunciadas pelo governo Bolsonaro para o meio ambiente está a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura - revertida após decisão da comissão de reforma ministerial - e a extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas. Além disso, o presidente defende a liberação de atividades de mineração e agropecuária em reservas e a concessão de parques nacionais à iniciativa privada. Na opinião de ambientalistas, as medidas devem representar mais riscos do que vantagens monetárias. No entanto, lembra Rohter, esta não é a primeira vez que as ideias de Rondon são ignoradas. Retrocesso semelhante teria acontecido na ditadura militar, quando o nome do marechal foi usado de forma distorcida para batizar um programa que pretendia colonizar a Amazônia e explorar seus recursos. Na época, difundia-se a imagem do explorador destemido e nacionalista, não, a do humanista. "Sua herança foi desmantelada durante a ditadura, nos anos 1970. Mas o valor de suas políticas ressurgiu com a volta da democracia", diz o escritor. Também durante o regime, o Serviço de Proteção aos Índios foi extinto e substituído pela Funai que, embora continuasse a homenagear Rondon, tinha ordens de "integrar os índios rapidamente", independentemente de seus desejos. O que o marechal poderia dizer para evitar esses erros? A reportagem pergunta. Afinal, além de ser descendente dos Bororo por parte de mãe e falar línguas indígenas, ele conheceu profundamente o Norte do país, onde percorreu milhares de quilômetros em suas viagens. Para Rohter, seu biografado daria uma dica simples ao governo Bolsonaro. "Ele diria as mesmas coisas que disse na Primeira República, na ditadura varguista e até seu falecimento: respeite o índio, os direitos dos povos indígenas, o meio ambiente e o povo do interior", afirma. "(...), o Brasil tem um compromisso moral com os povos indígenas. E precisa cumprir sua palavra. Ela não pode mudar de um governo para outro, é um compromisso de nação." Em vida, Rondon foi interlocutor de vários presidentes. Foi amigo de alguns, como Afonso Pena (1906-1909), um grande apoiador do projeto da linha telegráfica, mas sofreu pressões sob outras gestões. Durante o governo de Hermes da Fonseca (1910-1914), por exemplo, enfrentou acusações de que suas expedições à Amazônia, para instalação da linha e pesquisa do território, estavam "gastando dinheiro público à-toa". Em boa parte de sua carreira, teve que brigar por verbas. "Ele precisou lutar contra forças econômicas e políticas poderosas. Na época, queriam até exterminar o índio", diz. "Essas forças queriam explorar o interior do país do jeito que bem entendessem, sem levar em conta os povos da região. Claro que isso leva a um conflito que persiste até hoje. As declarações de Jair Bolsonaro não são inéditas. Em suas falas, ouço ecos do passado."Mesmo com esses reveses, Rondon conseguiu deixar em seus escritos os fundamentos de sua visão idealista de futuro. A frase que mais aparece em seus diários, tirada dos evangelhos positivistas, é: 'o paraíso terrestre'. Ele achava 'ah, estou trabalhando em prol do processo que vai levar ao paraíso terrestre'", diz o biógrafo. "Mas, em simultâneo, estava operando num ambiente político de acordos, barganhas, parecido ao de hoje. Por isso era considerado um homem rígido, abnegado, dedicado ao serviço nacional." Um dos preceitos seguidos por ele era o respeito às vontades dos grupos indígenas, a seu direito de escolher o grau de acercamento com a sociedade brasileira. Alguns sentiam-se atraídos pela cultura material da sociedade, pela medicina e pelas ferramentas industriais, por exemplo, enquanto outros desejavam manter-se afastados por conta de experiências traumáticas no passado com bandeirantes ou garimpeiros. "Rondon respeitava a autonomia política e cultural de cada povo. Se queriam um relacionamento íntimo com o Estado brasileiro, eram bem-vindos. Mas se preferiam ficar longe, isso também era seu direito e teríamos a obrigação de ganhar sua confiança e amizade", explica o escritor. Um segundo fundamento seria o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação. Rondon queria manter parte da floresta intacta e criar regiões para o usufruto do homem, mas de maneira sustentável. Às áreas abertas para a linha telegráfica, por exemplo, levou brotos de cacau e café, para não deixar a terra ociosa. Já no episódio contado no começo desta reportagem, o militar integrou os índios a seu projeto de desenvolvimento, ao receber a ajuda dos Bororo para a construção de um trecho da linha. Sobre este momento, Rohter escreveu:

"(...) Rondon lançara por terra o que sempre fora aceite no Brasil e no resto do mundo como a ordem natural e imutável das coisas. Povos indígenas eram e sempre seriam tidos como inimigos da disseminação da 'ordem e do progresso' defendida pela sociedade 'civilizada', não colaboradores em sua expansão. Valendo-se de meios puramente pacíficos, porém, Rondon não só assegurara o consentimento de um povo considerado hostil, como também alcançara a proeza de persuadi-los a participar, de livre e espontânea vontade, no 'projeto nacional brasileiro', convencendo-os de que traria benefícios também para eles." O marechal via uma utilidade imediata na existência dos índios: eles eram sentinelas da mata, a protegiam contra incursões ilegais e denunciavam irregularidades aos órgãos competentes. Uma máxima era válida para Rondon: uma floresta habitada é uma floresta preservada. Apesar de suas qualidades pacificadoras, o marechal às vezes adotava práticas violentas, relata o jornalista. Para manter a ordem ou punir desobediências, castigava corporalmente seus soldados - nunca, porém, usou violência contra as tribos. Sua doutrina em relação aos índios foi resumida por sua frase mais famosa: "morrer se preciso for, matar nunca".47



Como se vê, não se trata de somente serralherias, de madeireiros, mas um projeto de agrupamentos públicos e privados sobre a Amazônia.



  1. Otto Schulz-Kampfhenkel: O Nazismo de Fachada na Amazônia

É relatado que “Entre 1935 e 1937, o zoólogo Otto Schulz-Kampfhenkel percorreu o vale do Jari com fundos do regime nazista. A viagem virou filme e livro e deixou de herança enorme cruz com suástica na floresta” 48. No entanto, diferente da narrativa do cineasta Ciro Guerra, essa expedição alemã tinha outros objetivos:

'Schulz-Kampfhenkel não tinha um interesse cientifico real, sua motivação não era tão voltada à descoberta, mas aparentemente, essas expedições, eram passos para promover sua carreira e fazer contatos na política, em instituições científicas, em museus', conta Stoecker” 49.



Nesta época, houve também diversas viagens de autoridades nazistas ao País e expedições científicas ao interior brasileiro e Amazônia. (…) Esses números não incluíram a parcela flutuante de partidários, ou seja, os alemães da agremiação que não faziam parte dos quadros do partido do grupo do Brasil, mas que faziam viagens e expedições às terras brasileiras com fins etnográficos e de observação. Por exemplo, apesar de o grupo de partidários ser formado apenas por quatro pessoas no 'Amazonas', houve uma expedição nazista liderada pelo geólogo e piloto alemão Otto Schulz-Kampfhenkel, que durou de 1935 a 1937, para fazer um reconhecimento da fauna e da flora da Amazônia.(...) Expedição nazista na floresta amazônica. Apesar de a representatividade do partido nazista ser pequena no estado do 'Amazonas' (apenas quatro integrantes), o interesse do III Reich pela região amazônica era significativo. Em 1935, por exemplo, houve uma expedição para a floresta organizada por Otto SchulzKampfhenkel que durou dois anos — de 1935 a 1937. Como resultado da expedição, foi publicado o livro Enigma do inferno da mata [SCHULZ-KAMPFHENKEL, Otto. Rätsel der Urwaldhölle. Berlim: Deutscher Verlag, 1938], no qual foram descritos, de maneira romantizada, as “aventuras’’ deste grupo na grande floresta tropical. O subtítulo explica que o livro traz um relatório feito por Schulz deste “pedaço inexplorado” da Amazônia e um diário do seu companheiro Gerd Kahle, caçador e aviador. A partir desta expedição, também foi realizado um documentário com nome homônimo pela UFA (Universum Film Aktien Gesellschaft), famoso estúdio cinematográfico criado em 1917 e que na década de 30 foi um importante instrumento de propaganda do regime nazista. [RÄTSEL der Urwaldhölle. Direção de Otto Schulz-Kampfhenkel. Roteiro: Gerd Kahle e Otto Schulz-Kampfhenkel. UFA, 1938. Ver: ISOLAN, Flaviano. Das Páginas à Tela. Cinema Alemão e imprensa na década de 1930. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006 que abordou o papel da UFA no Rio Grande do Sul].O objetivo da expedição, em primeiro lugar, foi percorrer o rio Jari até a fronteira com a Guiana Francesa. Segundo o livro, era a primeira vez que alguém atravessava este trecho da Amazônia. Na introdução da obra, na primeira edição feita pela Editora Alemã de Berlim, em 1938, torna-se clara a ligação com o partido nazista no exterior, que teria financiado o evento junto aos governos alemão e brasileiro, este último sob o protetorado do Instituto de Biologia Wilhelm-Kaiser e do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Nas edições posteriores (1954 e 1959), tais informações são omitidas. (…) Levi-Strauss, etnólogo e antropólogo, que junto a outros professores franceses e de outras nacionalidades416, vieram ao Brasil na década de 1930 com o intuito de trabalhar na implantação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP417, em seu livro 'Tristes Trópicos', olhou com desconfiança para estas abordagens “curiosas” da Amazônia, taxando muitas delas de “lendas de almanaque”. Segundo Levi-Strauss: 'A Amazônia, o Tibete e a África, invadem as lojas na forma de livros de viagem, narrações e álbuns de fotografia em que a preocupação com o impacto é demasiado dominante para que o leitor possa apreciar o valor do testemunho que trazem. Longe de despertar seu espírito crítico, ele pede cada vez mais esse alimento, do qual engole quantidades fantásticas. [STRAUSS, Levi. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 15-16]. (…) A fotografia – por assim dizer – também teve peso significativo nesta contraposição de fontes. Em uma delas, temos o símbolo da suástica em um documento escrito “Belém do Pará” o que causa um certo estranhamento. Em outra, Hans Henning von Cossel, chefe do partido, abraça suas duas filhas pequenas, endossando – iconograficamente - o discurso delas de humanização do algoz. Outras mostram grupos de nazistas no meio a plantações de milho ou comemorando a ascensão do nazismo em fazendas, parecendo que as pessoas foram colocadas lá por engano em um cenário que beira ao fake. A inegável presença de uma expedição nazista para a Amazônia na década de 1930: a foto da cruz de madeira com a suástica cercada de índios no meio da Amazônia. Não que a fonte fotográfica tenha sido utilizada como documento-prova, mas sim como documento-memória. Ela apresenta uma inegável aproximação com a memória deste grupo, quase sinestésica, visto que podemos olhar nos seus olhos, observar suas roupas, entrar em seu universo de trabalho. 50





Uma versão fantasiosa, imagina uma suposta guerra entre França e Alemanha, em terras sul-americanas.

Embora existisse um secular enfrentamento entre nacionalistas alemães e franceses, antes da Primeira Guerra; na Segunda Guerra, o enfrentamento maior foi com a União Soviética e com a Inglaterra. Por outro lado, A Alemanha atacaria a Guiana a partir do Brasil? Teria que conquistar o Brasil, primeiro. Embora as simpatias de Getúlio Vargas pelo nazi-fascismo, o apoio, no país, era discutível.51

“Segundo o livro Das Guayana-Projekt (O Projeto Guiana, na tradução livre) expedições de cientistas alemães à Amazônia entre 1935 e 1937 levaram à idéia de criar uma “área nazista” na região. O autor Jens Glüsing, correspondente da revista alemã Der Spiegel no Brasil, cita planos nazistas para invadir o Suriname e a Guiana Francesa com tropas que desembarcariam na Amazônia brasileira. A área seria “perfeita para ser colonizada pela raça nórdica ariana”, disse o autor da ideia, o alemão Otto Schulz-Kampfhenkel, em uma carta ao então todo-poderoso general nazista Heinrich Himmler. Influência. Os nazistas chegaram a se interessar pelo plano mirabolante, já que segundo Schulz-Kampfhenkel “uma base no norte da América do Sul diminuiria a influência dos Estados Unidos na região”. “Se trata de um dos capítulos mais estranhos da era nazista”, diz Glüsing, que para seu livro fez pesquisas na Alemanha e no Brasil. A obra foi publicada na Alemanha neste ano e está tendo bastante repercussão depois que a revista Der Spiegel pôs trechos do livro em seu portal de história na internet, einestages.de, nesta semana. Segundo o autor, o plano não foi adiante porque os nazistas tinham outros projetos mais importantes a realizar e a Guiana Francesa estava sob o comando do regime de Vichy, na França, que era uma marionete dos nazistas. Submarinos alemães usaram a Guiana Francesa como base para atacar navios que trafegavam na região, diz Glüsing. O diretor do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o alemão Christoph Jaster, organizou uma expedição três anos atrás para localizar pistas das expedições nazistas. Em seu livro, Jens Glüsing diz que “tudo que ele encontrou foi o túmulo de um colega de Schulz-Kampfhenkel.” A cruz de madeira no meio da floresta ilustra a capa do livro.52



Um ar de mistério envolve a cruz adornada com uma suástica que fica em um cemitério próximo ao remoto posto de fronteira de Laranjal do Jari, na selva brasileira. Uma inscrição na cruz diz em alemão: "Joseph Greiner morreu aqui de febre em 2 de janeiro de 1936, durante um serviço de investigação alemão." Por que existe um túmulo nazista nos confins da floresta amazônica no Brasil? Muitos pesquisadores documentaram como os criminosos de guerra nazistas fugiram para a América do Sul após o fim da Segunda Guerra Mundial. Porém, muito pouco se sabe sobre o plano que eles conceberam antes e durante a guerra: os nazistas esperavam se estabelecer na selva brasileira, conquistando uma faixa da bacia do rio Amazonas. As origens desse plano secreto, chamado Projeto Guiana, podem ser rastreadas até uma expedição na Amazônia liderada por Otto Schulz Kampfhenkel, zoólogo berlinense, documentarista e membro da SS de Hitler. Durante 17 meses, entre 1935 e 1937, alguns exploradores nazistas guiados por Schulz Kampfhenkel percorreram a selva, ao longo da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Eles coletaram crânios de animais, joias indígenas e estudaram a topografia ao longo do rio Jari, um afluente do Amazonas com quase 800 quilômetros de extensão. “A expedição começou com as pretensões científicas usuais”, explicou Jens Glusing, um antigo correspondente da revista alemã Der Spiegel, que escreveu um livro sobre o Projeto Guiana. "No entanto, quando a guerra começou na Alemanha, Schulz Kampfhenkel aproveitou esta iniciativa para buscar a expansão colonial nazista." Em 1940, Schulz Kampfhenkel apresentou seu plano a Heinrich Himmler, diretor das SS e da Gestapo. Foi concebida como uma forma de neutralizar a influência dos Estados Unidos na região, por meio do controle da Guiana Francesa, bem como das colônias holandesa e britânica (que atualmente são as nações independentes do Suriname e da Guiana). No entanto, o sonho de forjar uma Guiana Alemã foi frustrado. Talvez porque a Guiana Francesa já tenha caído nas mãos do regime colaboracionista de Vichy . Ou talvez porque a expedição no Jari foi fatídica. A excursão contou com um hidrofólio Heinkel He 72 Seekadett, apresentado como um exemplo de inovação industrial nazista. No entanto, algumas semanas após o início da expedição, a aeronave capotou após bater em algumas toras que flutuavam no rio. Durante toda a viagem, os exploradores da suposta "raça superior" dependeram das tribos indígenas para sobreviver na selva. A malária e outras doenças enfraqueceram os alemães. Schulz Kampfhenkel sofreu de difteria severa e uma febre matou Greiner, o gerente da expedição. O túmulo deste último permanece até hoje como testemunho da incursão nazista na Amazônia.53




Outra sugestão era a busca, igualmente fantasiosa, pelos alemães, da “borracha das seringueiras”54, visto que, em 1929, praticamente toda a produção de borracha, no mundo, estava concentrada no sudeste da Ásia55, e não mais no Brasil, como era ate 1 914 56.

Portanto, conforme os fatos, concorda-se que essa presença nazista na Amazônia, está mais para “fake”. Logo, partindo-se da ciência histórica, a versão de Ciro Guerra, não agrada.



    1. A Ordem Negra?

No entanto, para os propósitos do estudo, esta suposta junção da Ordem Negra, de Hitler, com o xamanismo amazônico, em Fronteira Verde, cabe algumas considerações.

Imaginar seguidores de Hitler, em plena amazônia, interessados em xamanismo, parece, esdrúxulo. No mínimo, outros interesses, como geopolítica, invasão de territórios franceses na América do Sul; ou econômicos, como a produção de borracha das seringueiras; parece ser mais digeríveis, embora todos esses motivos, fantasiosos.

A diferença é a introdução de um novo elemento, a Ordem Negra, de Hitler e seus seguidores, não abordada por Ciro Guerra. Enquanto a proposta do roteiro incide sobre a utilização do xamanismo como arma de guerra por parte dos nazistas, o cineasta chama para si a companhia da Ordem Negra, pois era quem, no nazismo, tinha tais interesses específicos no ocultismo e no esoterismo em geral. Não se sabe se essa associação entre xamanismo e Ordem Negra foi proposital ou não, visto que os interesses dos nazistas, aparecem, no enredo, como diluídos entre outros interesses, como dos madeireiros, e problemas intra-tribos. Tudo parece muito casual, no roteiro, como uma descoberta inédita, singular, particular, de um nazista, que quer justificar, perante seus asseclas de partido, a continuidade das “pesquisas”, usando o argumento da “arma de guerra”, para conquistar o mundo. Qual o problema?

O problema está na ideologia nazista, que, genericamente, não aceitava contaminação de sangue com pessoas não-germânicas. Para a ideologia nazista, índios, descendentes de africanos, ciganos, homossexuais, judeus, asiáticos, não podiam pertencer ao povo alemão a não ser como escravos. Logo, imaginar um nazista trocando “figurinhas de álbuns de crianças” com a cultura xamânica, e, ainda mais, sangue, beira ao absurdo57.

Ravenscroft também incluiu a sensacional história de que Hitler acelerou seu desenvolvimento no ocultismo pelo uso de peiote, um alucinógeno que Pretzsche lhe teria fornecido após ter trabalhado no México, até 1892, como asistente de um apotecário, na colônia alemã na Cidade do México”. .[ Ravenscroft, The Spear of Destiny, p. 57-88]. O único problema, com tudo isso, é que Ravenscroft estava mentindo, a respeito de sua fonte. Stein nunca conheceu Hitler pessoalmente, em Viena ou em qualquer outro lugar, enquanto a figura de Ernst Pretzsche foi simplesmente inventada. [O biógrafo de Stein nada sabe sobre uma relação pessoal entre ele e Hitler em Viena. Johannes Tautz, Walter Johannes Stein: A Biography (Londres: Temple Lodge Press, 1990). Conferir também Goodrick-Clarke, The Occult Roots of Nazism, p. 223-224” . 58



    1. Identidade Cultural e seus deslocamentos

Agora, se esse nazista, era um “cientista sedento de poder”, a presença deste oficial muda de figura. Nesse momento do estudo, é importante trabalhar com o conceito de identidade cultural.

Entretanto, segundo Hall (1992 59), vivemos atualmente numa "crise de identidade" que é decorrente do amplo processo de mudanças ocorridas nas sociedades modernas. Tais mudanças se caracterizam pelo deslocamento das estruturas e processos centrais dessas sociedades, abalando os antigos quadros de referência que proporcionavam aos indivíduos uma estabilidade no mundo social. A modernidade propicia a fragmentação da identidade. Conforme ele, as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade não mais fornecem "sólidas localizações" para os indivíduos. O que existe agora é descentramento, deslocamentos e ausência de referentes fixos ou sólidos para as identidades, inclusive as que se baseiam numa ideia de nação. Como língua e cultura, são indissociáveis, também a identidade linguística é relevante para a identidade cultural, porque o uso da própria língua é uma maneira de praticar sua cultura e mantê-la viva.60



Existe um novo processo social, que modificou o próprio modelo de identidade adotado até então, talvez, fundamentado na educação e no Estado Nacional, na sociedade ocidental; por outro lado, o enfrentamento por parte de comunidades que não tem Estado, contra a expansão do capital, que avança de forma amoral, não respeitando “fronteiras”. É importante ressaltar que Stuart Hall imagina algo novo em defender o marxismo vulgar, o que é um grande equívoco.


De acordo com Stuart Hall cinco teóricos importantes conseguiram perceber essa descentralização do sujeito através de suas teorias, as quais influenciaram o pensamento científico do século XX. A primeira percepção de descentração do indivíduo veio a partir da reinterpretação de Marx, quando seus novos intérpretes na década de 1960 entenderam que os indivíduos não poderiam de nenhuma forma ser os “autores” ou agentes da história, visto que, eles podiam agir apenas com base em condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando os recursos (materiais e culturais) que lhes foram fornecidos por gerações anteriores. (Hall, 2014, p. 22). A segunda descentralização foi a descoberta do inconsciente freudiano. Para Freud as identidades, a sexualidade e os desejos são formados por processos psíquicos que se encontram no inconsciente, o qual funciona com uma lógica totalmente distinta da razão, por isso o sujeito não tem domínio sobre elas (HALL, 2014, p. 23). Isto significa que o indivíduo não é livre em suas escolhas, mas existe um inconsciente que, de certa forma, o influencia sem ele ter o total controle dessas escolhas. Já o terceiro deslocamento veio a partir das descobertas da linguagem realizadas por Ferdinand de Saussure. De acordo com pensamento saussuriano o indivíduo não é autor das afirmações que faz ou dos significados que expressa na linguagem. Ele pode até utilizar a língua para se expressar, se posicionar, porém, a língua é um sistema social e não individual que preexiste antes do sujeito nascer. Como afirma Hall, as palavras são “multimoduladas”, isso significa que elas irão carregar sempre outros significados que elas colocam em movimento, porque consecutivamente haverá um “antes” e um “depois”, das palavras que não temos nenhum domínio ou qualquer controle (HALL, 2014, p. 25). O quarto descentramento é encontrado no pensamento do filósofo Michel Foucault com aquilo que ele identificou de “poder disciplinar”. O poder disciplinar representa a regulação, a vigilância e o governo da espécie humana, ou também o controle do indivíduo e do corpo. O objetivo desse poder é manter o domínio sobre a vida do indivíduo, mantê-lo como corpo dócil, seu trabalho, suas atividades, seus prazeres, sua saúde física e moral, suas práticas sexuais, em fim tudo que se diz respeito ao indivíduo precisa estar sob controle e disciplina. Conforme o pensamento foucaultiano essa situação iniciou no século XIX e chegou ao seu desenvolvimento máximo no século XX. Esse poder surgiu com as instituições que “policiam” e também disciplinam as pessoas tais como as: as oficinas, os quartéis, as escolas, as prisões, os hospitais, as clínicas, entre outras (HALL, 2014, p. 26). O quinto deslocamento acometido ao sujeito na pós-modernidade, de acordo com Stuart Hall, “é o impacto do movimento feminista”. Tal movimento se insere com os movimentos sociais pós 1968. Considerado o ano que marca a modernidade tardia, a partir desta data o mundo passou a presenciar as revoltas estudantis, os movimentos contraculturais, os movimentos antibelicistas, as lutas por direitos civis, os movimentos revolucionários dos países subdesenvolvidos, os movimentos pela paz. Nesse contexto de agitação o feminismo trouxe novos hábitos para a sociedade e principalmente para o homem, e esses novos comportamentos estão associados à “crise de identidade”, que acomete a humanidade nesses tempos (HALL, 2014, p. 26-27). 61



    1. Pulmão do Mundo?

    2. A Fronteira como Arquétipo e novos Deslocamentos Culturais

Na proposta de Ciro Guerra, além de lidar com o tempo, entre o passado e o presente, bem como com a cidade e o campo, ou melhor, a zona urbana e a mata, a floresta, na fronteira, o roteiro sugere que existe alguma categoria de identidade nas culturas oriundas das florestas, que está acima de descrições pontuais aqui ou ali. Acontecem deslocamentos culturais, já notados pelos críticos, que, num primeiro momento, aparecem desapercebidos, mas que, posteriormente, sugerem incoerências insanáveis, visto que fica prejudicada uma leitura adequada ao tema. Ao deslocar para o interior da Amazônia, num ambiente de fronteira, a cultura nazista, algumas cenas da proposta de Ciro Guerra, apresentam grandes inconsistências.


#PrayforAmazonia. Em 19 de agosto th, 2019, apenas três dias após o Netflix lançou a minissérie de ficção com oito partes, Frontera Verde, a campanha #PrayforAmazonia explodiram em várias mídias sociais. [https://www.commondreams.org/news/2019/08/20/prayforamazonia-goes-viral-twitter-users-call-attention-international-emergency ] Fotos de chamas envolvendo árvores inundaram a internet, e algumas imagens de satélite, surpreendentes capturaram imensas nuvens de fumaça, visíveis do espaço sideral. Os críticos responderam que “os pulmões, da Terra, estão queimando”, um slogan buzz, minimizou a importância de outras florestas, também observando que algumas das imagens circulantes tinham anos. [https://www.npr.org/2019/09/02/756679285/what-earths-forest-fires-mean-for-its-oxygen-levels; https://factcheck.afp.com/prayforamazonas-thousands-people-are-sharing-old-pictures-posts-about-amazon-rainforest-fires]. No entanto, as críticas, como a campanha #PrayforAmazonia, foram efêmeras: a tendência rapidamente desapareceu dos olhos do público. [ https://twitter.com/BellaLack/status/1169353145962717184 ]. Embora seja improvável que os produtores do Frontera Verde soubessem da iminente campanha #PrayforAmazonia, [Mauricio Leiva-Cock, Jenny Ceballos e Diego Ramírez-Schempp, colaborando com o diretor colombiano62 Ciro Guerra (diretor de filmes aclamados com protagonistas falantes de Wayuu e Ocaina; Pájaros de Verano {2018} e El abrazo de la serpiente {2015}] o movimento indiscutivelmente deu crédito aos temas centrais do show. Por sua vez, o programa de TV sustenta e amplia a conversa pública iniciada com a campanha, levantando preocupações relacionadas à justiça social e ambiental. Frontera verde também reformula a campanha, lembrando aos telespectadores que decidir cuidar de repente é um privilégio: para os protagonistas do programa, o bem-estar da Amazônia é uma questão de vida ou morte. Uma Fronteira Verde. Em Borderlands / La Frontera, Gloria Anzaldúa escreve que a fronteira é “um lugar vago e indeterminado criado pelo resíduo emocional de uma fronteira não natural. Está em constante estado de transição. O proibido e o interdito, são seus habitantes naturais”[Gloria Anzaldúa (2012). Borderlands / La Frontera: The New Mestiza. (4 th ed., 25 th ed aniversário.). São Francisco: Tia Lute Books]. A “Fronteira Verde”, como a fronteira EUA-México, é multidimensional e transgressiva: é um lugar onde os anciãos tribais se cruzam com madeireiros e vendedores que vendem utensílios de cozinha feitos na China; onde europeus sedentos de aventura ou poder, compartilham viagens de ônibus com brasileiros e colombianos que vão entre as cidades fictícias da fronteira de Puerto Manigua e Yurumi (de acordo com um crítico, baseado em Letícia, Colômbia e Tabatinga, Brasil). [https://sabanerox.com/2019/08/19/frontera-verde-analisis-y-explicacion/ ]Duas fronteiras artificiais se cruzam aqui: a nacional e a ambiental, onde termina o pavimento e começa a Amazônia. A floresta tropical é mais que um pano de fundo, no entanto; é um personagem conhecido como “La Manigua”, ou floresta densa, impenetrável ou intocada em Taíno. [Rafael García Bido, Voces del Bohío, Archivo General de la Nación, Colección Cuadernos Populares, “maleza, bosque tupido,” p. 100.] Para as freiras colombianas em Puerto Manigua, é o Éden: seus habitantes indígenas, os filhos de Deus sem pecado. Vidas que se cruzam. Assim como Anzaldúa traça a história da fronteira EUA-México, Frontera Verde conta uma história ambientada na fronteira durante as décadas de 1940, 1980 e 2010. Esta é uma série de mistério de assassinato, e o show começa na cena de um feminicídio múltiplo, que a agente Helena Poveda (Juana del Río) é enviada de Bogotá para investigar. As fronteiras que se cruzam são espelhadas no enredo do programa nas relações que se cruzam entre os personagens. A história pessoal do agente Poveda está ligada à de Yua (Miguel Dionisio Ramos), líder do povo Arupani, e de Ushë (Ángela Cano), sua parceira Mananuc e protegida. Yua treina Ushë como um novo “eterno”: um ser conectado ao coração metafísico da Amazônia. Os dois se comunicam telepaticamente e são perpetuamente jovens; uma qualidade que lembra aquela usada pelas primeiras crônicas europeias para descrever os taínos vivendo em um suposto paraíso das Antilhas. Ao contrário dos Taínos romantizavam do 16 th século, porém, os “Caminantes” (“Caminhantes”) prevêem uma tragédia para seu povo e a Amazônia, e respondem com força. Esta é uma batalha difícil: abundam as forças opressoras do colonialismo. Joseph Schultz (Bruno Clairefond), um cientista nazista sedento de poder, almeja Yua e Ushë, e Ushë se torna o centro de um culto de freiras que a veem como uma validação de suas crenças religiosas. Ecoando as lutas de Yua e Ushë, o policial local Reynaldo (Nelson Camayo), designado parceiro do agente Poveda, luta contra sua identidade como homem Nai na sociedade não indígena colombiana e como exilado de sua aldeia. Mito e deturpação. Frontera verde tece uma teia de relações ligando personagens indígenas e não indígenas e os faz diligentemente com o desenvolvimento cuidadoso do personagem. Ainda assim, a provável maioria dos telespectadores é não indígena e não está familiarizada com as comunidades da fronteira colombiano-brasileira. Isso torna a recepção do programa potencialmente problemática por alguns motivos. Em primeiro lugar, inventar comunidades indígenas é arriscado: os Nai, Arupani e Mananuc, são fictícios, aparentemente baseados em aldeias da fronteira sul da Colômbia com o Brasil. No entanto, de acordo com um censo recente do governo colombiano, as comunidades, de língua Witoto, estão principalmente concentradas perto da fronteira sul da Colômbia com o Peru. [https://www.mininterior.gov.co/sites/default/files/upload/SIIC/PueblosIndigenas/pueblo_uitoto.pdf ] Isso pode ser interpretado como uma deturpação do layout demográfico dos grupos indígenas no sul da Colômbia e talvez seja uma oportunidade perdida de informar aos espectadores internacionais sobre as comunidades de língua Witoto. Em segundo lugar, o show ficcionaliza mitologias Arupani, criando um pastiche de tropos em vez de transmitir as histórias orais reais e ricas das comunidades de língua Witoto. Como tal, a série não corrobora nem dá o peso apropriado às epistemologias indígenas, mas, em vez disso, projeta os imaginários ocidentais nos sistemas de crenças indígenas. Ainda assim, o show inova ao privilegiar Witoto tão alto quanto o espanhol e o português, e ao chamar a atenção para a Floresta Amazônica como uma pedra de toque política dinâmica que abriga uma imensa diversidade cultural e ecológica. Conclusão. A esta altura, é impossível não voltar ao atual estado de coisas da Amazônia: enquanto os incêndios queimam, às taxas incomumente altas, no lado brasileiro da Amazônia, os críticos apontam para a desatenção do governo Bolsonaro em cortar e queimar a agricultura como uma das causas. [ https://www.nytimes.com/2019/08/23/world/americas/amazon-fire-brazil-bolsonaro.html ] Alguns ativistas indígenas comunicaram que Bolsonaro está tentando cometer um genocídio de seus povos, fazendo com que a agenda do cientista nazista em Frontera Verde pareça particularmente oportuna. [https://www.lasexta.com/noticias/internacional/miles-personas-indigenas-protestan-brasil-politicas-bolsonaro-quieren-matar-nuestra-gente_201904275cc423700cf22d02fea57fbc.html]. No entanto, como Frontera Verde demonstra, ameaças às sociedades e ecossistemas amazônicos precedem o governo Bolsonaro e os incêndios de 2019, que estão queimando em números recordes em toda a floresta. Dados os termos incertos sobre os quais a minissérie conclui, há especulação sobre uma segunda temporada: talvez a segunda temporada mostre uma saída para a mercantilização, romantização e destruição de “La Manigua” e seus habitantes.63



    1. Árvores são Seres Humanos?

Uma questão que está subjacente é a analogia entre as árvores e os seres humanos. Parte-se de uma ideia de que tanto as árvores, como os seres humanos, possuem um sistema circulatório64.


Geralmente, o papel do sangue é oferecer suporte às células e tecidos transportando nutrientes para trocas regulares entre sangue-célula e/ou sangue-tecido. Tal relação mantém vivos células e tecidos e, consequentemente, sustenta a vida. Nas plantas, assim como nos animais, observamos a presença de dois vasos condutores, como as veias que levam sangue do corpo ao coração e as artérias que levam sangue do coração para o corpo, o Xilema leva a seiva bruta para todo o organismo do vegetal e o Floema leva a seiva elaborada, também, para toda a planta. Para que as plantas se desenvolvessem no meio terrestre, seria necessária a ocorrência da vascularização nestes indivíduos, assim, os mesmos sofreram mudanças que acarretaram desenvoltura de um sistema circulatório, portanto, passaram a habitar diferentes regiões terrestres geográficas da Terra, claro que este processo levou muito mais tempo do que se imagina por esta leitura. Contudo, os vasos condutores destes organismos sofreram uma dicotomia: xilema– responsável por carregar a seiva bruta (água e sais minerais) da raiz, às folhas. Floema– responsável por levar a seiva elaborada (solução aquosa de aminoácidos e açúcares) das folhas ao caule e às raízes. A pequena presença de água no meio terrestre e a necessidade de transportar água e nutrientes para todo o organismo possibilitou tais mudanças nos vegetais, pois, não mais haveria a presença abundante de água, como havia no meio aquático. Entretanto, existem plantas terrestres avasculares, ou seja, não possuem vasos condutores, são as briófitas. Para manter a vida, estes organismos devem habitar regiões terrestres com extrema umidade, não havendo ou havendo, portanto, pouca transpiração. Os organismos do Reino Plantae que possuem vasos condutores são: pteridófitas; gimnospermas; angiospermas (antófitas). Modernamente, estes grupos foram reunidos e passaram a ser chamados por traqueófitas. Portanto, a principal semelhança entre os condutores animais e vegetais está na necessidade de transportar água e nutrientes às células e tecidos de todo o organismo para, assim, sustentar a vida dos mesmos.65



O roteiro de Ciro Guerra reforça uma “nova” visão sobre as árvores:

Apelidado de “pai da arboricultura moderna”, o Dr. Alex Shigo passou a maior parte de sua vida adulta estudando, ensinando, dissecando e escrever sobre as árvores. “A árvore é muito mais do que um pedaço de madeira morta”, exclama Shigo. “As árvores estão vivas, que vivem o ano todo, não apenas por um curto período no verão. Eles trabalham durante o inverno também. Muitas pessoas gastam o tempo em que se passa de errado com uma árvore. Eu queria estudar o que dá certo”. (…) “Eu comecei a ver as árvores de uma maneira diferente, porque uma árvore é uma coisa viva”, explicava Shigo. “Quando você acertar uma coisa viva, ela reage. Quando você bateu em uma árvore, ela faz algo. Quando uma árvore está ameaçada, não fique aí parado. (…)”. “Árvores geraram seu próprio alimento a partir de dióxido de carbono, luz e água, enquanto os seres humanos ingerem alimentos de outros lugares. Embora suplementos tais como fertilizantes, fornecem elementos importantes, eles não fornecem uma fonte de energia”, diz ele. (…) Quando os seres humanos colocam pilhas novas em lugares velhos, inúmeras vezes durante a vida, as árvores continuam a colocar as novas células em novos lugares, Shigo explicava. Do mesmo modo, uma árvore não cura, porque não substitui células danificadas por novas. (…) Em seus livros e palestras, o Dr. Shigo discorda com outras teorias populares sobre árvores. Shigo discordava da ideia de que as árvores são na maioria de madeira morta66.67


    1. O Sangue do “Coração” Eterno

O sangue supostamente drenado do coração de uma “eterna”, tendo supostamente adquirido uma nova natureza, transmutada, teria poder para manter o nazista vivo ou reabastecido de tal maneira que poderia acessar, conectar-se com Manígua, embora de maneira “imperfeita”. Não fica claro os motivos que levaram o nazista a extrair o coração da “eterna” e não outra parte do corpo, e nem mesmo porque imaginou que uma transfusão de “sangue” seria o caminho para continuar seus caminhar “imperfeito” para Manígua.

Nota-se que há dois rituais: um, dos nativos, que através de beberagens, transformam-se em eternos. O outro, do cientista nazista, que usa tecnologias, transfusões de sangue, para também buscar a transformação num eterno.

Para os nazistas, o sangue, a hereditariedade, designava a classe do indivíduo, o seu pertencimento, a sua pátria, a sua nação. O sangue, por si só, transmitia qualidades ao indivíduo, a nobreza, o título, a “raça”, a cor, a fidalguia. Não ter um sangue azul, era para os plebeus, para os escravos, para os inferiores. Até onde a série não é propaganda dessa teoria?

No entanto, ao dar ao “sangue” uma nova qualidade, e não mais as “beberagens”, como se fosse um atalho, uma via “rápida”, uma saída pela falta de conhecimento sobre a bebida dos “eternos”, existiu uma estranha união entre ciência e religião, entre tecnologia e misticismo, sugerido por algumas imagens de “laboratório”, improvisado, pelo nazista.



    1. A “Jungle”

Lembra “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde” 68, “Frankenstein” 69, “Drácula” 70, “The Island of Dr. Moreau” 71, que revelam, por um lado, o mito do progresso, da modernidade, da razão, perante um suposto perigo “verde”, os mistérios de uma natureza “intocada”, a própria natureza, o continente africano, as selvas das Américas, a “jungle”. De volta, o darwinismo social, e o caminho da biologia como critério para a ciência histórica.

Como metáfora, selva frequentemente se refere a situações que são indisciplinadas ou sem lei, ou onde a única lei é percebida como "sobrevivência do mais apto". Isso reflete a visão do "povo da cidade" de que as florestas são esses lugares. Upton Sinclair deu o título de The Jungle (1906) a seu famoso livro sobre a vida dos trabalhadores nos estoques de Chicago, retratando os trabalhadores como sendo explorados impiedosamente, sem nenhum recurso legal ou legal. O termo "A Lei da Selva" também é usado em um contexto semelhante, extraído do Livro da Selva de Rudyard Kipling (1894) - embora na sociedade dos animais da selva retratados naquele livro e obviamente pretendido como uma metáfora para a sociedade humana, que A frase referia-se a um intrincado código de leis que Kipling descreve em detalhes, e não a um caos sem lei. A própria palavra "selva" carrega conotações de natureza indomável e incontrolável, e isolamento da civilização, com as emoções que evoca: ameaça, confusão, impotência, desorientação e imobilização. A mudança de "selva" para "floresta tropical" como o termo preferido para descrever as florestas tropicais é uma resposta à crescente percepção dessas florestas como lugares frágeis e espirituais, um ponto de vista que não se mantém com as conotações mais sombrias de "selva". Estudiosos culturais, especialmente os críticos pós-coloniais, muitas vezes analisam a selva no conceito de dominação hierárquica e a demanda que as culturas ocidentais muitas vezes colocam em outras culturas para se conformarem com seus padrões de civilização. Por exemplo: Edward Said observa que o Tarzan representado por Johnny Weissmuller era um residente da selva representando o selvagem, indomado e selvagem, mas ainda um mestre branco dela; e em seu ensaio "An Image of Africa" sobre Heart of Darkness, o romancista e teórico nigeriano Chinua Achebe observa como a selva e a África tornou-se a fonte de tentação para personagens europeus brancos como Marlowe e Kurtz. O ex-primeiro-ministro israelense Ehud Barak comparou Israel a "uma vila na selva" - uma comparação frequentemente citada em debates políticos israelenses. Os críticos de Barak no lado esquerdo da política israelense criticaram fortemente a comparação. Por exemplo, Uri Avnery acusou que comparar Israel "civilizado" com "uma villa" e os vizinhos árabes de Israel com as "feras" da "selva" tende a jogar a culpa pela ausência de paz no lado "selvagem" árabe e palestino, e absolver Israel de responsabilidade. 72



Os romances de Walter Scott , das primeiras décadas do século XIX, foram os primeiros a difundir o uso do termo "selva" na linguagem atual, como sinônimo de "floresta virgem". O sucesso dos livros Rudyard Kipling , The Jungle Book e The Second Jungle Book , e também de Edgar Rice Burroughs, Tarzan of the Apes (que fala da selva africana), tornaram-no termo extremamente popular, tanto no sentido adequado, como em um sentido amplo. As aventuras cômicas do Homem Mascarado, que se passam em uma selva localizada em um país de fantasia, contribuíram para a difusão do termo ao nível popular, assim como os romances de Emilio Salgari , especialmente Os mistérios da selva negra, ambientados na floresta. Os manguezais de Sundarbans. Os livros de Salgari deram ao termo "selva", na língua italiana atual, uma nuance particular, a saber, a de uma floresta muito intrincada, rica em áreas pantanosas e povoada por animais perigosos para o homem, como tigres e cobras. Dos livros de Kipling, Burroughs e Salgari foram retiradas dezenas e dezenas de filmes, quadrinhos, desenhos animados e séries de televisão de grande sucesso popular e tudo ambientado na selva, com protagonistas famosos: Mowgli, o Mascarado73, Tarzan, Sandokan, Tremal-Naik. Quanto mais o termo se espalha, mais assume significados genéricos, a ponto de indicar qualquer floresta equatorial ou tropical. Na imaginação coletiva, a selva tornou-se assim definitivamente o ambiente de uma natureza luxuriante e incontaminada, fascinante, mas cheia de armadilhas para o homem, que se testa lutando contra obstáculos e dificuldades de todo tipo, vivenciando mil aventuras. Em 1898 foi publicado o livro Geografia em bases fisiológicas, em que o botânico e ecologista alemão Andreas Schimper foi o primeiro a classificar todos os biomas terrestres do planeta; para indicar as florestas que até então eram genericamente chamadas de "selva" ou "floresta virgem", ele cunhou a expressão "floresta úmida", que no espaço de algumas décadas se tornou científica e parcialmente popular. O termo "selva", que se tornara muito genérico, começou então a retornar ao seu significado original de floresta típica das regiões das monções, embora em um nível popular esse significado ainda coexista com o mais genérico de floresta tropical. Além disso, no contexto do Escotismo, a selva é o ambiente fantástico em que vive a "Matilha" de Lupetti , seguindo o livro "As histórias de Mowgli", criado pelo próprio Kipling a pedido de Robert Baden-Powell . Em um sentido traduzido, o termo "selva" é usado na literatura ocidental para indicar um espaço natural fora do controle da civilização, mas também é usado como uma metáfora para lugares ou situações onde a única lei percebida é a "sobrevivência do mais apto ": a chamada" lei da selva "que domina as relações humanas nas megacidades de hoje. Nesse sentido, o termo é utilizado, a título de exemplo, no filme de John Huston A selva do asfalto, no de Joseph Losey A selva de concreto e na peça de Bertolt Brecht Na selva das cidades .74



Ao escolher o sangue como suposto agente de transmutação da natureza, o roteiro de Ciro Guerra, entra num campo de incoerências e meias-palavras, com relação à compreensão do que foi o nazismo e o que ainda é defendido por seus atuais seguidores. Pelo lado dos ameríndios, no que se refere ao sangue, lembra o canibalismo, a antropofagia, e o discurso da incorporação simbólica do canibalizado. “Eles acreditavam que o indivíduo ganha força pela assimilação de outros, poderosos e perigosos, sejam guerreiros inimigos, sejam parentes mortos”, afirma o historiador John Monteiro, da Unicamp” 75. Agora, é correto, um nazista aceitar tal estratagema, tal procedimento, ainda mais de um sangue vindo de uma ameríndia?

Todo assunto insere-se também no debate da ecologia profunda76, numa visão holística do mundo.



    1. O Demiurgo como Deus

O universo espiritual apresentado pelo roteiro de Ciro Guerra, aproxima-se em muito do conceito de “Demiurgo” 77, em que as origens no mitraísmo estão assentes, em que o bem e o mal, parecem ter o mesmo peso e dimensão, em que a presença de arquétipos, eternos, parecem dar forma ao mundo, como um mecanismo, que qualquer um pode ter acesso, imaginando sonhos de domínio do mundo, ou transformar, magicamente, os interesses de classe dos madeireiros, os interesses que dividem as tribos, a ausência do Estado de direito, a exploração da floresta como um bem infinito.


Frontera Verde, é a terceira série, colombiana, na plataforma Netflix, depois de Siempre Bruja e Distrito Salvaje, e na minha opinião, a primeira que vale a pena assistir. Agora, se você é um daqueles que ficou confuso ou confuso após assistir os primeiros episódios, não se preocupe, pois, a seguir e sem mais delongas, daremos o guia necessário para entender plenamente tudo o que aconteceu na série, neste parcela de... Análise e explicação em El Sabanero X.

1.O que é o Manigua? Embora inicialmente se pudesse considerar que manigua é uma palavra do léxico indígena amazônico, a verdade é que se trata de um indigenismo, mas de origem taíno. Os Tainos eram um grupo de nativos americanos que governava as Índias Ocidentais no Caribe. A palavra manigua referi-se as terras virgens, pantanosas e de difícil acesso, que na época da conquista e da colônia eram a grande maioria do território. Ao entrar em contacto com a língua espanhola, a palavra foi rapidamente incorporada no léxico, como sinônimo mais espiritual, da palavra mais tradicional, selva. No contexto de Frontera Verde, o significado do mato incorpora o aspecto espiritual da selva inexplorada, não mais tão virgem da Amazônia, atribuindo-lhe um valor sagrado, maternal, divino, que abriga todos os povos aí referidos. De forma (...) ampla, a série implica que La Manigua é a natureza na totalidade, que vai das galáxias aos átomos, passando por uma de suas expressões mais significativas: a selva.

2 | Qual é a cronologia em Frontera Verde? No início da série vemos essencialmente duas linhas do tempo, a primeira atualmente, 2019, que é quando os corpos das freiras aparecem e Helena Poveda (Juana del Río) chega a Puerto Manigua. A segunda linha do tempo ocorre muito antes, 70 anos atrás, por 1949, e é aquela que nos conta a história de Yua e Ushë. Prova disso são os jornais que Helena vê no arquivo que falam da chegada de alemães filiados ao nazismo na fronteira entre a Colômbia e o Brasil, no final dos anos 1940, após a guerra. A história de Yua (Miguel Dionisio Ramos) e Ushë (Ángela Cano) avança até se conectar com os acontecimentos de cerca de 30 anos antes da chegada de Helena Poveda à Amazônia, entre 1987 e 1989, a prova disso é o vídeo que Joaquín Poveda mostra a Ushë de sua tribo, os Mananuc, datado de 1987. A partir do sexto capítulo, as duas linhas convergem em uma única linha do tempo.

3 | Onde estão Puerto Manigua e Yurumi?

A trama de Frontera Verde se passa em Puerto Manigua e Yurumi, que na história são cidades vizinhas, uma do lado colombiano e outra do lado brasileiro da fronteira. A questão é que em nenhum lugar da fronteira entre a Colômbia e o Brasil, existem essas duas cidades com esses nomes, mas curiosamente Letícia e Tabatinga, compartilham as mesmas características, então é evidente que Puerto Manigua e Yurumi, são versões fictícias das duas cidades que a compõem a área urbana do trapézio amazônico. Mas, porque não chamá-los pelos nomes verdadeiros? Letícia e Tabatinga? Aqui, entrando no campo da especulação, diria que os produtores da série decidiram não usar os nomes reais das cidades, por duas razões, a primeira para dar um clima (...) etéreo e fantástico ao enredo, e a segunda, talvez por não associar as cidades de Letícia e Tabatinga a questões de assassinatos, corrupção, destruição da selva, etc., considerando a importância do setor turístico ali. Enfim, penso que não foi necessário mudar os nomes. Quem assiste à série e ainda não visitou a Amazônia, sentirá a curiosidade de conhecer essas terras, e acabará percebendo que Puerto Manigua e Yurumi são Letícia e Tabatinga.

4 Quais são as tribos que aparecem em Frontera Verde?

Entre tantos povos indígenas que são mencionados e mostrados na série, pode ser no mínimo confuso, diferenciá-los uns dos outros, mas aqui temos o guia completo:

Os Nai: Esta é a comunidade a que pertencem Reynaldo (Nelson Camayo) e o avô Wilson (Antonio Bolívar). São uma comunidade que apesar de viver na selva, mantém contato com a maioria das populações de Puerto Manigua e Yurumi. Assim como as outras cidades mencionadas na série, os noi são receptivos a receber membros de outras comunidades.

Os Mananuc : Esta é a comunidade original de Ushë e eles fazem parte de um grupo muito mais isolado do que os Nai. No início da linha do tempo Yua e Ushë, vemos que os Mananuc foram vítimas dos seringueiros para serem usados ​​como escravos em seus empreendimentos ilegais.

Os Arupani: Esta é a comunidade da qual Yua faz parte e, no contexto da série, eles são os guardiões dos segredos da selva. Embora Ushë fosse originalmente uma Mananuc, após ser resgatada pelos Arupani, ela decide se juntar a essa comunidade.

Os Ya'arikawa: embora poucas indicações sejam dadas sobre as origens deste povo, pode-se inferir que eles eram um povo guerreiro isolado, como os Mananuc, mas que não compartilhavam seu senso de paz, sendo muito mais orientados para a força e poder. Assim como os Mananuc, os Ya'arikawa eram explorados pelos seringueiros, então quando Joseph chegou com sua filosofia de proteger a mãe selva, a qualquer custo, eles imediatamente se conectaram a ele, a ponto de torná-lo o líder de sua tribo.

5. Quais são as línguas faladas na Frontera Verde?

Essencialmente dois, o idioma Tikuna, que é aquele que Yua e Ushë, usam constantemente, e o Huitoto, sendo o que vemos que Reynaldo, Wilson e alguns dos Nai usam. O Tikuna ou Ticuna, é a língua falada pela etnia Ticuna, justamente na região do trapézio amazônico, área de fronteira entre a Colômbia, Brasil e Peru, e é uma língua isolada, sem parentesco com outras línguas amazônicas. Huitoto ou Uitoto, ou Witoto, é uma família de línguas que possui uma área maior que o Tikuna, desde o sopé do Caquetá e Putumayo, e a área de Loreto no Peru, até a tríplice fronteira, onde alguns dialetos se estendem ao Brasil . O uso seletivo de línguas na série sugere que, por exemplo, os Nai fazem parte da etnia Huitoto, enquanto os Arupani, os Mananuc e até os Ya'arikawa fazem parte da etnia Tikuna.

6. Quem é Yua?

Servus Aeternum, o Escravo Eterno, Yua é um dos detentores dos segredos da selva, cuja missão específica é usar esse conhecimento para proteger a selva. Conforme as indicações da série, Yua recebeu esses segredos de um mestre antes dele, da mesma tribo Arupani.

7 Quem é Ushë?

Originalmente, Ushë era uma Mananuc que, por gratidão e afeição por Yua, juntou-se aos Arupani e acabou recebendo dele os segredos da selva e de sua missão, tornando-se também um dos eternos. No entanto, Ushë concebeu o valor da vida como algo intrínseco à proteção do Manigua, ao contrário de Yua, que acreditava que os segredos do Manigua estavam acima de qualquer vida humana.

8 Quem é o demônio branco?

Joseph Schultz (Bruno Clairefond) é um ex-membro do Partido Nacional Socialista Alemão, na época da Segunda Guerra Mundial, que antes da derrota iminente de seu Führer, decide se refugiar na selva amazônica, com o duplo propósito de se esconder e o de investigar como a selva pode ser útil a você para o seu propósito de estabelecer alguma forma de controle sobre o mundo. Joseph é cruel e implacável, mas mostra um carisma tão poderoso e poder de convicção que ele conseguiu trazer a tribo dos Ya'arikawa da Amazônia sob seu comando, e então convencer Yua a se associar. Claro, Joseph não pretende proteger o Manigua, ou trazer equilíbrio ao mundo, usando o conhecimento da selva, mas para usá-lo em seu próprio benefício.

9 Quais são os poderes dos Eternos?

O poder que os eternos têm, como Yua e Ushë, é essencialmente o de se conectar com a essência do Manigua, ou seja, com a essência da natureza. Mas, para fazer isso, seus corpos devem passar por uma transformação que lhes permite fazer essa conexão. É por isso que os Eternos não têm sangue78, não comem, não dormem e são, como eles próprios expressaram, árvores ambulantes. A conexão com o Manigua permite que eles controlem aspectos da natureza, como o comportamento das árvores, dos animais e do vento, além da capacidade de serem invisíveis. As próprias características de seu corpo os tornam imunes à morte, a menos que recebam danos físicos irreparáveis, como vimos bem o que aconteceu com Ushë, quando seu coração foi arrancado.

10. Qual foi a causa da separação entre Yua e Ushë? Depois que Yua deu a Ushë o conhecimento da selva, para ele poder assumir o controle e finalmente morrer como um humano, vemos que os Arupani estão sendo atacados pelos seringueiros em sua ânsia de capturar trabalho escravo para sua indústria ilegal. Joseph, o líder dos Ya'arikawa, oferece-lhe a possibilidade de unir e derrotar os seringueiros, mas não pelo conhecimento do Manigua, mas pela violência. Ushë avisara Yua para NÃO confiar em Joseph, porém, vendo o desespero dos Arupani, Yua decidiu aceitar e se juntar a Joseph para atacar os seringueiros. No entanto, Joseph logo revela seu verdadeiro propósito e pressiona Yua a revelar os segredos de Manigua, Yua não concorda e o alemão começa a assassinar os Arupani começando pelos guerreiros. Vendo como a morte ameaça sua tribo, Ushë concorda em dar a Joseph os segredos de Manigua, em troca de libertar Yua. No entanto, a mistura, que Ushë deu a Joseph, mata-o - falaremos sobre isso - e os Ya'arikawa então decidem em troca assassinar o resto dos Arupani, guerreiros e não guerreiros. Yua e Ushë, escapam, mas o resto dos Arupani morre. Ushë não perdoa Yua por forçá-la a escapar enquanto o resto de sua tribo morria queimada. Ushë prefere então sair da selva e depois a vemos na zona urbana, como uma mendiga, onde supomos que esteja há quarenta anos.

11. Por que Joseph ainda está vivo?

Agora, a pergunta de um milhão de dólares é... por que se Ushë deu um veneno a Joseph, ele permaneceu vivo e até chegou ao ponto de acessar o espaço das luzes? Vamos analisar, Ushë era contra o uso de violência no mesmo esquema de Joseph e Ya'arikawa, então ele decidiu usar a sabedoria de Manigua para neutralizá-la... Com um veneno. A questão é que Joseph pediu a Ushë para beber a mesma poção e, quando os dois a tomaram, eles se conectaram79. A maneira como você pode ver isso é, assim como Yua e Ushë, estavam conectados quando ele a tornou uma eterna, Ushë e Joseph, estavam conectados tomando a mesma poção, e a mesma energia que impede Ushë de morrer, impede que Joseph morra e assim por diante ao contrário, ele consegue dar uma olhada na área das luzes. Essa conexão entre Ushë e Joseph, na qual eles agora compartilham um pouco da energia do Manigua, é o que permite ao alemão permanecer vivo 70 anos depois, mas ao contrário da conexão entre Yua e Ushë, ou entre Ushë e Helena, esta conexão é imperfeita. É por isso que vemos que José, embora não envelheça, apodrece literalmente, e não tem como acessar o espaço das luzes.

12 O que é o espaço de luz e por que é importante?

É o próprio Joseph quem explica o que é o espaço das luzes e sua importância. Da forma mais simples que poderia ser explicada, se o mundo em que vivemos fosse um videogame, o espaço das luzes seria o código, que dá origem ao videogame80. Em outras palavras, o mundo real é um derivado tangível de um plano etéreo superior que tem uma influência direta em sua própria estrutura. É por isso que Joseph a chama de oficina dos deuses. Se continuarmos com a analogia do videogame, o que Yua e Ushë fazem é apenas vislumbrar como é o mundo que deu origem ao mundo onde vivem, para entender como funciona. Como se os personagens do videogame pudessem ver o código e assim encontrar as melhores estratégias para jogar. Pelo contrário, o que Joseph quer é manipular o espaço das luzes, manipular o mundo real à vontade. É como se o personagem de um videogame pudesse se tornar um dos programadores e fazer as mudanças que desejava no código, à vontade. Claro, o que Joseph deseja ao manipular esse código é se tornar o dono e mestre do mundo, não fazer nenhuma alteração corretiva81.

13. Quem é Raquel? Quem são as freiras?

A ordem religiosa, que originalmente abrigava nazistas na fronteira, acabou recrutando Raquel, uma crente fervorosa que, ao ver Ushë implorando, decide ajudá-la e torná-la uma de suas irmãs. Raquel testemunha os poderes que Ushë possui e conecta suas próprias crenças com as do eterno, fazendo mudanças profundas em sua ordem. A ordem deixa de ser católica e passa a ser uma mistura de crenças cristãs com crenças nativas, associando o conceito de Deus ao do Manigua82, mas seguindo um ritual semelhante.

Para Raquel está claro que não é que sua religião seja errada, mas que ela carece de conhecimento. Que o Deus em quem ela sempre acreditou tem uma forma tangível na forma da natureza, do Manigua. E é essa convicção e esse fervor que mantém a comunidade unida. A comunidade de irmãs faz incursões na selva com certa regularidade, para ajudar os povos indígenas a recordar seus saberes ancestrais. Mas em uma delas, elas encontram a tribo de Joseph.

14. Porque a mãe de Helena foi morta? Por que Helena é importante?

Mas antes que Raquel pudesse ter qualquer poder para mudar o esquema de crenças de sua comunidade, vemos que Ushë por um tempo abandonou as freiras para ajudar Aura e Joaquín Poveda, que pretendiam mostrar ao mundo a importância de conservar o Manigua, para que, através conhecimento e extração sustentável, pode ter um impacto positivo no mundo. O problema que resultou mais tarde é que Aura teve problemas para levar uma gravidez a termo, então Ushë oferece-lhes a possibilidade de salvar os dois, dando ao bebê por nascer os mesmos poderes de uma eternidade DENTRO de seus limites humanos. Ou seja, assim como Ushë e Yua, são em teoria seres de luz, dedicados à mãe, e Joseph um ser das trevas dedicado aos seus interesses e ambições humanas, Helena é a combinação desses dois aspectos, luz e escuridão, um ser humano capaz de acessar o conhecimento do Manigua. Enquanto Ushë treinava Helena, ainda criança, para ela poder entender e controlar suas habilidades, ela conhece Joseph, que quarenta anos depois ainda está procurando por Ushë e percebe que um ser humano PODE acessar o espaço das luzes, sem a mediação de um eterno. Então ele enviou, os Ya'arikawa, para sequestrar Helena, com sangue e fogo, mas Ushë conseguiu resgatá-la. No entanto, Aura morreu no ataque. Imediatamente, Ushë pede a Joaquín que mande Helena o mais longe possível da Amazônia e de Joseph, pois ele sabia que acabaria por tentar capturá-la para obter seu poder.

15 Porque as freiras foram mortas?

O personagem que vimos que assassinou as freiras, Victor, o loiro de olhos claros, é um dos alunos de Joseph e sua missão era encontrar Helena, Ushë e Yua. Quando perceberam que Ushë havia voltado para a selva, era só pegá-la. As freiras estavam simplesmente no meio, e para os Ya'arikawa eram apenas danos colaterais.

16 Porque o coração de Ushë foi arrancado?

Por duas razões principais, a primeira, para que Joseph pudesse sair do estado de decadência em que se encontrava após sua conexão imperfeita com Ushë e, em segundo lugar, para poder acessar o conhecimento de Ushë e saber em primeira mão o que havia acontecido com Yua e com Helena.

17. Quem é Efraín Márquez e o que ele tem a ver com toda essa bagunça?

Efraín Márquez é um dos empresários ilegais da área, encarregado de movimentar a exploração de madeira, plantações, manufatura e comercialização de substâncias ilícitas e de fornecer alguma categoria de proteção ilegal à atividade comercial em Puerto Manigua e Yurumi. Márquez está no controle da polícia, a começar pelo vice-comissário Iván Uribe, que o alerta que Helena poderia descobrir o que está acontecendo ali com ele e sua organização. Na verdade, Márquez nada teve a ver com os assassinatos das freiras, sendo ele próprio amigo de uma delas, mas foi o vice-comissário que, após uma discussão com Helena, que questionou sua autoridade, mandou Reynaldo para assassiná-la. Márquez, a essa altura, já havia autorizado Helena a vê-lo nas profundezas da selva e Iván agiu sem o consentimento dela. Portanto, após ver que Helena estava interessada em descobrir os assassinos das freiras, devido à ligação com a morte de seus pais, e não em seus negócios, ela decidiu que não era um perigo para ele, e em vez disso encomendou um dos súditos do sub-comissário para justificar seu desaparecimento. Agora, Márquez finalmente desligou Joaquín? Embora vejamos Márquez no hospital perguntando sobre Joaquín, é improvável que ele o tenha desconectado, porque ele simplesmente não precisava. (...), Helena não havia ameaçado seu negócio, e qualquer que fosse a categoria de relacionamento entre Márquez e Joaquín na prisão, era poderoso demais para ser destruído sem um propósito claro.

18. O que acontece no final do Frontera Verde?

Bem, no final vemos como tudo o que começou a tecer desde o primeiro capítulo se conecta. Depois que Yua viu como Helena levou o cadáver de Ushë, ela decidiu ser hora de retornar à sua condição eterna, para enfrentar Joseph, porém ele foi sequestrado por Márquez que acreditava ser ele um dos que haviam assassinado as irmãs. Helena identifica Yua como um dos Eternos que seus pais estavam investigando e ele identifica Joseph como o autor dos assassinatos. Yua recupera o corpo de Ushë, que estava na igreja de Rachel, responsável pelo ataque ao necrotério. E todos vão para a selva para preparar o ataque. No entanto, Helena não se sente preparada para enfrentar Joseph e decide ir para Bogotá com o pai. Yua entende que além de derrotar os Ya'arikawa no plano físico, eles devem derrotar Joseph no plano das luzes, então ela permite que Helena o encontre - mesmo que ela não saiba disso. De fato, a aliança entre os Nai e os Mananuc, consegue derrotar os Ya'arikawa, mas Helena é capturada por Joseph, que após perder o coração83 de Ushë, só resta Helena para atingir seu objetivo de manipular o espaço das luzes. José manipula Helena, que decide entrar com José no plano etéreo, visto que aí fica claro que a intenção disso é roubar seu poder e tornar-se um eterno com todas as leis. No entanto, Helena o impede e suga sua energia para ela.

19. O que significa a cena final de Frontera Verde?

Agora o capítulo final da série termina com uma cena bem estranha, para dizer o mínimo, após absorver a energia de Joseph dentro dela, Helena é vista em uma espécie de discoteca escura, e sua imagem é intercalada com a de Joseph com seus olhos sangrando. Que diabos isso significa? Entrando aqui no campo das teorias, pode-se inferir que Ushë criou Helena, seu 'tatu'84, um ser de luz e escuridão para ela poder em simultâneo, entrar na zona das luzes e absorver Joseph e ali derrotá-lo completamente. Assim, destrua-o no plano superior, e não no plano físico, uma tarefa na qual Ushë já havia falhado. A questão é que, ao fazer isso, Helena foi deixada em uma espécie de transe em que ela deve ser a guardiã da energia de José DENTRO de seu corpo, enfrentando seus desejos mais sombrios, enquanto a zona de luzes representa a pureza e a tranquilidade da natureza, do Manigua, a discoteca representa o espaço terreno, escuro e poluído onde Helena deve manter Joseph restrito para sempre. Ou bem, pelo menos até a próxima temporada.

20. O que é um 'tatu'?

É outra palavra para o mamífero que outras latitudes conhecem como 'Armadillo'.

21. Qual é a música que toca no final do Frontera Verde?

A música se chama So Alive da banda britânica de rock alternativo Love and Rockets, e fala essencialmente sobre o encontro da pessoa que canta com outra que ele não conhece, mas que o impacta profundamente, a tal ponto que o faz sentir vivo como nunca, passando de uma sensação de impotência a uma sensação de poder. Provavelmente devido ao uso de alguma droga. Isso poderia fazer um paralelo interessante com o que vimos entre Joseph e Helena. No início, Helena estava impotente diante do poder de José, mas com a ajuda de Ushë ela conseguiu ter poder sobre ele. Ou talvez seja o contrário, que naquele espaço a energia de Joseph está finalmente ganhando poder sobre Helena.

21. Haverá uma segunda temporada?

Embora Frontera Verde seja rotulada como uma minissérie, ou Série Limitada, está em um território compartilhado com outras séries da Netflix, como Maniac ou The Haunting of Hill House… que são minisséries que fizeram tanto sucesso, que, na Netflix, eles não têm certeza de deixar coisas até . Além disso, a forma como a série termina deixa muito espaço para uma segunda temporada, e não seria a primeira minissérie a se expandir para uma segunda temporada, como vimos este ano com Big Little Lies. Minha aposta é que há 75% de chance de haver uma segunda temporada, provavelmente com uma história associada, talvez em outro cenário, em outra fronteira... Só o tempo dirá. 85



Embora o roteiro de Ciro Guerra queira apresentar uma espiritualidade ou religiosidade própria da floresta, como algo autóctone, original, tipo “mundo perdido”, na verdade, o roteiro representa uma das tendências ou concepções a respeito de Deus, que se aproximam do deísmo, numa mistura de religião e ciência.


Um de cada quatro brasileiros, acredita em algo parecido com o mito de Adão e Eva. Para eles, o homem foi criado por Deus há menos de 10 mil anos. Esse dado consta da primeira pesquisa Datafolha que investigou as convicções da população sobre a origem e o desenvolvimento da espécie humana. A maioria das pessoas crê em Deus e Darwin. Para 59%, o ser humano é o resultado de milhões de anos de evolução, mas em processo guiado por um ente supremo. Apenas 8% consideram que a evolução ocorre sem interferência divina. A crença no mito de Adão e Eva despenca à medida que aumentam renda e escolaridade. Quando se acrescentam dinheiro e instrução, a proporção dos darwinistas puros mais do que dobra do menor para o maior estrato. Entre os que acatam a evolução sob gerência divina, o aumento é mais modesto: fica entre 15% (renda) e 20% (escolaridade). O Datafolha ouviu 4.158 pessoas com mais de 16 anos. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais. Os 25% de criacionistas da Terra jovem (que atribuem menos de 10 mil anos a nosso planeta de 4,6 bilhões de anos) surpreendem porque o fundamentalismo bíblico, em que as Escrituras são interpretadas literalmente, não faz parte das tradições religiosas do Brasil. A Igreja Católica, ainda a mais influente no país, jamais condenou a evolução. Pelo contrário até, o Vaticano vem já há algumas décadas flertando discretamente com o autor de "Origem das Espécies". Em 1950, o papa Pio 12, na encíclica "Humani generis", classificou o darwinismo como "hipótese séria" e afirmou que a igreja não deveria rejeitá-la, embora tenha advertido para o mau uso que os comunistas poderiam fazer dessa teoria. Em 1996 foi a vez de João Paulo 2º declarar que a evolução era "mais do que uma hipótese". Também entre evangélicos, a literalidade do Gênesis, o livro da Bíblia que relata a criação do mundo e do homem, está longe de unânime. Na verdade, só algumas poucas denominações como adventistas e Testemunhas de Jeová pregam abertamente contra a evolução. Boa parte das demais se limita a apontar "problemas" no neodarwinismo, tentando reservar algum espaço para Deus, que pode ter papel mais ou menos ativo. Ele pode ser desde o demiurgo, que se limitou a criar o mundo com todas as suas leis (incluindo a seleção natural), e retirou-se até o "Deus ex machina" que interfere o tempo todo, projetando bichos, atendendo a prece, etc. Em tese, qualquer uma dessas posições se encaixa na afirmação de que Deus e evolução, atuam juntos. Ela funciona como um guarda-sol que abriga desde católicos estritos a deístas, passando por entusiastas do "design inteligente", que nada mais é do que criacionismo com pretensões científicas. Teologia intuitiva. Como os adeptos de religiões que defendem a literalidade do Gênesis não chegam nem perto de 25% da população, é forçoso reconhecer que a boa parte das pessoas que abraçaram a hipótese de Adão e Eva o fez seguindo suas próprias intuições, sem prestar muita atenção ao que afirmam suas respectivas lideranças espirituais. Essa impressão é reforçada quando se considera que a adesão ao criacionismo bíblico se distribui de forma generosa entre todos os credos. Umbandistas (33%) e evangélicos pentecostais (30%) ficam um pouco acima da média nacional, mas católicos comparecem com 24% e evangélicos não pentecostais, com 25%. Outros países. Uma nota curiosa vai para os que se declaram ateus. Entre eles, 7% também se classificam como criacionistas da Terra jovem e 23% como partidários da evolução comandada por Deus. Os resultados obtidos no Brasil contrastam com os colhidos nos EUA, mas se aproximam com os de nações europeias. Entre os norte-americanos, a proporção de criacionistas bíblicos chega a 44%. Os evolucionistas com Deus são 36%, e os neodarwinistas puros, 14%. Esses números foram apurados em 2008 pelo Gallup, numa pesquisa que vem sendo aplicada naquele país desde 1982 e que serviu de modelo para a sondagem do Datafolha. Em relação à Europa, o Brasil se encontra mais ou menos na média. De acordo com uma pesquisa de 2005 do Eurobarômetro, que aferiu o número de pessoas que rejeita a evolução, os criacionistas por ali variam de 7% (Islândia) a 51% (na islâmica Turquia), com a maioria dos países, apresentando algum número na casa dos 20%.86



Em resumo, existe supostamente uma tentativa, por parte do roteiro de Ciro Guerra, de propor uma história única, universal, para os seres humanos, a partir da identidade cultural que é colocada na Amazônia. Uma identidade cultural que abarca, que inclui, um seguidor do esoterismo nazista, como que existisse uma suposta afinidade, simpatia, entre a cultura indígena proposta pelo roteiro, de eterno retorno, e a parafernália esotérica nazista. A ideia de que a Amazônia é “pulmão” do planeta Terra, aqui, a hipótese do planeta como Gaia, organismo vivo, como uma fisiologia do mundo, com suas “artérias e veias”, dura dois minutos, quando se observa a violência com que acontece a ocupação do território no avanço da fronteira agrícola, da expansão capitalista. A ideia de que os madeireiros são problemas, é verdade até certo ponto, visto que o madeireiro faz parte de uma cadeia econômica, de uma rede, de um complexo agro-industrial, com ramificações nesses mesmos lugares que imaginam um pulmão do mundo.


Em um território tão inóspito e infelizmente tão em voga atualmente, como a Amazônia, onde existe toda uma série de fauna e flora desconhecidas, onde ainda existem comunidades que não tiveram contato com o homem ocidental e onde se adquirem segredos, devido à sua orografia inextricável, uma dimensão diferente, colocar um thriller antiquado é um sucesso. Se somarmos a isso uma crítica social voltada para a vida dos indígenas, uma denúncia constante dos maus tratos da selva por interesses econômicos, uma exaltação do vínculo ancestral do ser humano com à terra e um halo fantástico, eles vão obter Frontera Verde. Dirigido por Laura Mora Ortega (Matando Jesus, Homens também choram), Jacques Toulemonde Vidal e Ciro Guerra (Abraço da Serpente), e criado por Jenny Ceballos, Diego Ramírez-Schrempp e Mauricio Leiva-Galo, Frontera Verde nos convida a nos conectar com as singularidades de um mundo desconhecido como a Amazônia (embora a localizássemos em um mapa) através de um noir verde luminoso e em plena luz do dia. Vamos nos localizar: Puerto Manigua, Colômbia, hoje. Várias mulheres brancas, pertencentes a uma comunidade religiosa cristã, são encontradas violentamente assassinadas. A detetive Helena Poveda (Juana del Río), cujo passado está relacionado com a área, é enviada de Bogotá para cuidar do caso. Uma vez em Puerto Manigua, eles designaram Reynaldo Bueno (Nelson Camayo) como companheiro de campo, um indígena pertencente à comunidade Nai que caiu em desgraça com seus pares há muito tempo por suas desavenças com seu pai. A Polícia Local, exceto o próprio Reynaldo, não colabora mais do que o necessário porque está imersa em outros interesses que são muito mais produtivos para o seu bolso e que não convém arejar. O triângulo amazônico que faz fronteira com a Colômbia, o Brasil e o Peru, cujo epicentro acaba sendo Puerto Manigua, guarda muitos segredos. O feminicídio, investigado pelos dois policiais, toma um rumo diferente ao descobrir o corpo de uma mulher que não apresenta sinais de envelhecimento. E é aí que entram em cena dois personagens que mudam diametralmente a visão de Helena: Yua (Miguel Dionisio Ramos) e Ushë (Ángela Cano), o primeiro um indígena Arupani e o segundo um Mananuc, ambos guardando o grande segredo da Manigua (espécie de Gaia87 ou Gaia amazônica materna e divina que protege e protege todos os seres vivos da selva - sentido literal do termo -, unindo-os na totalidade que vai do mais ínfimo ao mais universal). No entanto, tanto Yua quanto Ushë, quando se conectam com Helena e Reynaldo, confessam um medo capital. Dentro do Manigua o demônio branco está presente e ameaça alcançar o Espaço das Luzes (também Oficina dos Deuses), um mundo real, vindo de outro, também real, superior que influencia o cotidiano do Manigua e tudo que ela abriga. Mas tudo muda quando o demônio branco a que se referem, vem de outra época, especificamente de 1949, e acaba sendo Joseph Schultz (Bruno Clairefond), um ex-membro do partido nazista que entrou nas selvas amazônicas para escapar da derrota alemã. Ao encontrar Yua e Ushë, ele descobre que eles não envelhecem e que nas comunidades indígenas são chamados de Eternos. Seu objetivo, a partir daí, será alcançar a imortalidade e acessar o Espaço das Luzes. Como se não bastasse, Helena, que morou em Puerto Manigua quando era pequena, conhece Efraín Márquez (Andrés Crespo), um empresário, de cabelos duvidosos, que lhe conta informações substanciais sobre seus pais. Entre os sucessos do Frontera Verde está, em primeiro lugar, o uso de línguas autóctones como o tikuna e o huitoto (sendo um amontoado de dialetos). Por outro lado, o elenco é colombiano e indígena (como o próprio Ciro Guerra fez em O Abraço da Serpente). Ambos os detalhes dão um ponto de veracidade substancial para o futuro da história. A criação de uma mitologia endêmica88, mas com um claro caráter universal, somada à metáfora da Amazônia como à Terra (o grande pulmão), as mulheres como protagonistas e / ou vítimas (quase 1.800 mulheres assassinadas na Colômbia durante os anos de 2017 e 2018) e o conflito entre as comunidades indígenas e ocidentais (a clara oposição entre justiça e sua aplicação de uma e outra, ou tecnologia versus sabedoria arcana) são os grandes temas que esta minissérie de oito capítulos nos propõe. Motivos suficientes para entrar naquela área do planeta que corre o risco de se perder para sempre.89



    1. Mitologia, Endêmica?

Para descrever o conceito de mitologia, associa-se outro, o de endemia90. Esse mergulho, essa imersão mitológica, é determinante, é territorial, é restrita a uma determinada população? Nota-se, a marcante valorização da dedução, em detrimento do empírico. Tudo são hipóteses, mas que são tratadas como fatos consumados e aceites. A associação de Mitologia com biologia, só falta o ingrediente da genética, para sugerir os povos escolhidos, selecionados.

Além de toda a mitologia endêmica que seus habitantes originais, os índios Sutagao e os Muiscas, teceram ao seu redor, para quem o páramo era o lugar onde viviam seus deuses; E, honestamente, o que você pode ver a mais de 4.000 m acima do nível do mar faz você acreditar que é possível”.91



Nesse contexto, a categoria Maranhão é construída 'envolta em uma mitologia endêmica, de terra vocacionada pelas hipotéticas forças superiores, a um destino especial, porque grande, heroico e glorioso' (CORRÊA, 1993, p. 35)”. 92



O design de personagens é utilizado em praticamente todas as formas de mídia visual, de quadrinhos a filmes, para envolver emocionalmente o público (BACROFT, 2016). Munari (1997) explica que a comunicação visual é insubstituível, enquanto Lins (2004) afirma que o exterior do personagem, se desenvolvido corretamente, pode transmitir tanto a sua personalidade quanto seu estilo de vida. Komatsu, Yoda e Alt (2017) argumentam que monstros mitológicos foram os primeiros personagens criados pela humanidade, seu medo personificado. E esses medos trazem uma introspecção única da vida e do pensamento dos grupos que os criaram. Medo de lobos, risco de afogamento, fome, frio. Horrores reais que conceberam os monstros que aterrorizam a humanidade. Warburg (2015, p. 268) explica que essa personificação, ou “biomorfismo”, é natural ao homem, exemplificando com um caso observado por ele: “Quando, por exemplo, a enigmática locomotiva é vista como hipopótamo, ela adquire para os selvagens o caráter de algo de que são capazes de se proteger com sua técnica de luta.” O biomorfismo é uma forma que o homem tem de lidar com o que ele não pode controlar, e os personagens nascidos refletem a vida e a cultura dos povos que os criaram. O wendigo é um exemplo perfeito de uma mitologia endêmica que inclui não só o estilo de vida, mas as dificuldades, medos e tabus da sociedade na qual se originou. Um espírito maligno capaz de levar pessoas a cometer atos terríveis, o wendigo manifesta as dificuldades da vida dos primeiros povos da América do Norte (SMALLMAN, 2014; CROSSLEY, 2014), principalmente trazidas pelos invernos rigorosos e escassez de comida. 93



The Outsider, adaptação de um livro recente de Stephen King, é inscrito pela ingenuidade simultaneamente encantatória e exasperante com que, demasiadas vezes, os autores americanos tentam enxertar as suas criações em mitologias de origem europeia para fazê-las crescer com o viço mítico que alimenta o reservatório folclórico do Velho Mundo; neste caso, a criatura que perambula pelo Bible Belt, metamorfoseando-se em diversas pessoas com quem contacta de molde a predar os fracos sob essas identidades, é descrita como sendo o monstro que, através dos tempos, foi arregimentando relatos e lendas sobre o Papão — ou El Cuco, em expressão espanhola, como é tratado em The Outsider. Com efeito, quando a personagem Holly Gibney, detective contratada para descobrir pistas sobre este estranho caso, navega a páginas tantas num motor de busca de Internet por entre imagens amadoras de avistamentos de El Cuco e as pinturas negras de Goya percebe-se que existe, efetivamente, um distanciamento enorme entre a sensibilidade americana e a europeia, pois se para a primeira essa cena evocará um lastro mitológico longínquo e até desconhecido, para os olhos europeus a mesma cena tem o efeito de um duche de água fria. Quão melhor seria se os criadores de The Outsider tivessem rebuçado o monstro sob o anonimato, numa mitologia endémica, natural desta produção, sem necessidade de alistá-lo no bestiário. No folclore e no hagiológio de Portugal, a Cuca ou Coca é, muitas vezes, uma criatura saurópside — como o Dragão que é derrotado nas festividades do feriado do Corpo de Deus, em Monção. Nos livros de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, o escritor brasileiro Monteiro Lobato imaginou a sua Cuca como sendo um jacaré bruxa, prima do Saci-Pererê. Não obstante, a sonoridade patusca, o nome precipita do étimo grego ‘kako”, que significa “mau” ou “maléfico”, e do qual se desprendeu a acepção excrementícia de “caca” e de “cocó”. É, por conseguinte, um nome que tem estado sempre associado ao mal, à sujidade, ao nauseabundo. Aliás, palavras como “cisma”, “consciência” e “ciência” são todas cognatas do étimo em latim “scire”, aparentado de “kako” e do étimo indo-europeu “shkei”, que também significa “excremento”. Alheias a estas ligações etimológicas, as personagens de The Outsider caçam El Cuco numa velhíssima gruta de infame historial e conseguem eliminá-lo com relativa facilidade, pois, para sua sorte, a criatura encontrava-se num momento de fraca forma — embora uma coda algo mercenária, martelada já a ficha técnica do último episódio se desenrolava, sugira que poderá ser produzida mais uma temporada. Não li o livro de King, mas, pelo que conheço do seu estilo, The Outsider assemelha-se mais a um híbrido eficaz das primeiras temporadas de The X-Files (a sobriedade antártida do tom, da cinematografia e da banda-sonora), os romances de Clive Barker (a caracterização à inglesa da psique perturbada de personagens bizarras) e a matriz narrativa de King (crónica dos medos contemporâneos da sociedade americana, um ambiente cercado pela cultura popular e os ‘underdogs’ contra as forças do Mal). Na verdade, The Outsider atenua algumas das características de King que enunciei acima, como as referências à cultura popular da época em que a história se situa, o que favorece o todo, tornando-o mais intemporal. No entanto, no que concerne à crônica pesadelar da atualidade, alia-se no mesmo inimigo o medo da pedofilia e o do roubo da identidade: à semelhança de It, também aqui a criatura transmuta de forma e é uma predadora de crianças — porque «são mais doces», lembrando os fãs de King que o autor desenvolve a ideia de que os seus monstros provêm, em regra, do mesmo local: um abismo inter-dimensional, situado entre mundos, ninho de monstruosidades malévolas, entre o demoníaco e o alienígena. É a influência de Lovecraft, provavelmente, mas se os seus monstros espaciais se caracterizavam pela indiferença face ao humano, os de King estão totalmente interessados em nós. Na verdade, parecem viciados no humano. É por esta via que eu considero que os monstros de King se comportam como demônios medievais e os seus heróis são representantes de uma espécie de piedade popular de pendor protestante, segundo a qual os “escolhidos” vencerão. Muitas vezes, os heróis de King derrotam o Mal por meios verdadeiramente perfunctórios, o que só pode justificar-se pelo facto de que o ator vale mais que a ação; ou seja: o Mal é derrotado, porque foi enfrentado por determinada personagem e não por outra. No confronto entre o Bem e o Mal é importante escolher o campeão do Bem. No fundo, a Fé vale mais que as Obras, numa lógica determinista puramente protestante — mesmo quando o cunho determinista é atenuado, a tônica assinala-se pela fé nas Escrituras e não na conduta. Assim, os heróis de King (e não só) acabam por ser os indivíduos mais imprevisíveis, os anti-sociais, os marginais, os imperfeitos. Uma lógica que, com efeito, já vinha anunciada na primeira epístola de Paulo aos coríntios: «Deus escolheu propositadamente as coisas que o mundo considera loucas para envergonhar aqueles que pensam ser sábios e escolheu as pessoas fracas para envergonhar as que têm poder» (coríntios, 1, 27). 94



Será que, enfim, a discussão principal é sobre fé? Em acreditar na força, na energia, na doutrina, no dogma, no eterno retorno, no pensamento de manada? Se for assim, esta-se realmente disputando irracionalidades.



Coleção de Filmes: o Folk Horror


Observando-se o conceito de niilismo, seja em sua versão passiva e ativa, quando Marx identifica o Espectro como um peso, como ideologia, coloca o que deve ser feito contra certas versões do niilismo, nem mesmo apostando unicamente na ciência, mas também na luta politica, democrática, para a construção do novo, contra o niilismo que é produzido pela crise da sociedade. Não se trata de uma discussão eminentemente filosófica, mas de transformar o mundo, nos limites e possibilidades95. Pode-se identificar historicamente formas de niilismo, associadas a crise de formações sociais, observando-se quais as que apontam para o novo e quais sugerem o eterno retorno? “Mesmo assim, os estudos contemporâneos desafiaram a equiparação do niilismo russo com mero ceticismo, em vez de identificá-lo como um movimento fundamentalmente prometeico”. O importante aqui não é o conflito existencial entre mim e os outros, mas como é narrada, como é o discurso, sobre o social, em que a crise, além de individual, é coletiva96.



“Adam Scovell, que escreveu extensivamente sobre o gênero, cita um dos primeiros exemplos como o filme de terror finlandês The White Reindeer de 1952, que mostra uma noiva solitária transformada em uma rena vampírica, uma ideia derivada da mitologia finlandesa e do xamanismo Sami. No entanto, o rótulo "folk horror" é mais recente em sua origem e parece ter sido cunhado em 2004 pelo diretor Piers Haggard em uma entrevista retrospectiva em seu filme de 1971, O Sangue nas Garras de Satanás, para a revista Fangoria. Na entrevista com MJ Simpson, Haggard observa como seu filme contrastava com os filmes de terror gótico, populares na década anterior:

'Cresci em uma fazenda e é natural para mim, usar o campo como símbolo ou como imagem. Como se tratava de uma história sobre pessoas sujeitas a superstições sobre como morar na floresta, a poesia sombria disso me atraiu. Eu estava tentando fazer um filme de folk terror, suponho. Não um exagero. Eu realmente não gostei do estilo exagerado do Hammer[A Hammer Film Productions Ltd. é uma produtora de filmes britânica com sede em Londres. Fundada em 1934, a empresa é mais conhecida por uma série de filmes góticos de terror e fantasia feitos de meados dos anos 1950 até os anos 1970 https://en.wikipedia.org/wiki/Hammer_Film_Productions] , não era para mim de verdade'. (…) Adam Scovell, escrevendo para o British Film Institute, observa que esses filmes (aos quais ele se refere como a "trindade profana") subvertem as expectativas, tendo pouco em comum, exceto seu tom niilista e ambiente campestre, observando sua "ênfase na paisagem que posteriormente isola suas comunidades e indivíduos ". Ele sugere que a ascensão do gênero nessa época foi inspirada na contracultura dos anos 1960 e nos movimentos da Nova Era. (…) Matthew Sweet, em seu Archive on 4 documentary Black Aquarius, observa que o movimento de contracultura do final dos anos 1960 levou ao que ele chama de "segunda grande onda de ocultismo pop" que impregnou a cultura popular, com muitos filmes e trabalhos de televisão contendo elementos folclóricos ou rituais ocultistas. (…) Assim como o cinema, o paganismo rural formou a base de várias peças da televisão britânica dos anos 1970 (…) Adaptações de histórias de fantasmas de antiquário de M. R. James, que derivam seu horror em objetos amaldiçoados, superstições medievais, práticas ocultas e julgamentos de bruxas também forneceram um fluxo regular de 'folkloric horror'”. https://en.wikipedia.org/wiki/Folk_horror.



Os filmes de Ciro Guerra inserem-se nesse quadro maior: o Folk Horror97, que sugere um ambiente extremamente tradicional, fundamentalista, avesso às mudanças, sugerindo uma sociedade de castas, Apartheid98, Ghetto99, comunidades isoladas, com costumes rígidos.


Si echamos un vistazo a Netflix, descubriremos que el catálogo de series policíacas es muy vasto; y sí, entramos a la sección “European crime TV shows”, las posibilidades se multiplican. ¿Por dónde empezar? Afortunadamente una amiga, Daniela (poeta, cineasta y hechicera), asumió el papel de Caronte y me recomendó tres excelentes series: la belga The Break (La tréve), la francesa The Forest (La forét) y la finlandesa Bordertown (Sorjonen). Después de ver estas tres maravillas, el algoritmo sobrenatural de Netflix me recomendó Black Spot (Zone blanche). Mi primera intención era escribir un artículo sobre las cuatro, pero pronto me vi atrapado en el santuario del bosque de Villefranche y me fue imposible escapar. Además, quedaba como anillo al dedo con la más reciente convocatoria de cuento de Penumbria, dedicada al Folk Horror. Villefranche es un pueblito rodeado por un misterioso e imponente bosque, donde el porcentaje de crímenes es seis veces mayor al de la media nacional y que sólo cuenta con cuatro elementos policiales (además, se batalla con la recepción telefónica). ¿Qué mejor lugar para desarrollar una serie policiaca? A pesar de sus majestuosos paisajes, el pueblo en sí está lejos de las idílicas poblaciones que suelen presentarnos en cine y televisión: aquí hay lodo por todos lados, pobreza, guetos… y a los habitantes podríamos tacharlos de rednecks100. Un pueblo decadente, desesperado por el cierre del aserradero que emplea a la mayoría de sus habitantes y afligido por sus creencias paganas. Una “zona blanca”, como su título original, que te hace pensar en esas “zonas del silencio” donde no funciona nada 101 (“zona sin cobertura” sería su traducción coloquial) o en el cuento de Machen “El pueblo blanco”; una “mancha negra”, como su título en inglés, que te remite a lo siniestro, a lo anómalo, a lo diferente. Sus policías también son diferentes: Lauréne, nuestra protagonista y jefa de policía, es madre soltera de una adolescente, de apariencia frágil, pero tozuda; fue secuestrada hace 20 años, logrando escapar al mutilarse dos dedos de su mano izquierda. Osito es alto, fuerte, barbado, de apariencia ruda, pero un pan en su interior (de ahí su apodo); teme salir del “clóset”102. Hermann es un veterano, sabio, ácido; tuvo que ceder la jefatura cuando años atrás cometió algunos actos de negligencia. Camille es la pasante, joven e inocente; el crascitar de los cuervos la sacan de quicio. Léila es la doctora en jefe del hospital y les ayuda con la medicina forense 103; coqueta y fiestera. Por último, Siriani es el fiscal exiliado de la gran ciudad por errores del pasado, alérgico a casi todo, asmático, bien peinadito, culto; piensa que al resolver 104 el gran misterio de Villefranche tendrá un regreso triunfal.(Justo la serie inicia con la llegada poco afortunada de Siriani a Villefranche: su auto se para al cruzar el cartel de bienvenida al pueblo y una abeja lo pica, dejándolo inconsciente.). Esta serie franco-belga (original de France 2) cuenta, hasta el momento, con dos temporadas (2017 y 2019) de 8 episodios de 50 minutos. Aunque en cada uno se van resolviendo casos “extraños”, todo está ligado con la gran interrogante de la serie: ¿Qué diablos le pasó a Lauréne?La historia se complica con la desaparición de Marion, la hija de Bertrand Steiner, el alcalde del pueblo (situación que hace pensar a Lauréne que se trata de su mismo secuestrador), y con el regreso de Gérald Steiner, padre de Bertrand, cacique “cool” dueño de casi toda Villefranche (que me recordó a Pedro Páramo105). Revoloteando encontramos a una bandada de interesantes personajes. Sabine es una viejita hippie (¿tendrá relación su nombre con María Sabina?), pagana, defensora de los derechos del pueblo y encargada de El dorado, el único bar/hotel de la región. Léa Steiner escapó de la pobreza al casarse con Bertrand, pero sabe que la engaña. Delphine, que representa muy bien el papel de femme fatale, es una científica que fue enviada de la ciudad para supervisar que el nuevo negocio de los Steiner cumpla con las normas106. Por último, Los hijos de Arduinna: grupo de adolescentes hackers (muy al estilo de Mr. Robot) que trata de tumbar los negocios poco ecológicos de los Steiner. La situación se intensifica cuando Cora, la hermosa y rebelde hija de Lauréne, quiere formar parte de él. El nombre del grupo es muy significativo: Arduinna es la diosa de los bosques, y suele ser representada montando un jabalí (detalle interesante, pues Lauréne, cuando se burlan de su mano izquierda, suele responder que perdió los dedos por el ataque de un jabalí).Y así es como el elemento fantástico se va acercando poco a poco, escondiéndose entre los árboles, acechando, crascitando. Por ejemplo, hay dos cuervos que siempre están presentes: afuera de la comisaría, en las escenas de los crímenes, en los momentos álgidos. Observan, juzgan, guían. Recordemos que,

por su color oscuro y hábitos alimentarios peculiares, suelen representar a deidades de la guerra y la muerte, pero también son asociados con el crecimiento y la fertilidad; así que simbolizan la nueva vida. Ellos acompañan a las almas de los muertos al más allá. Son vistos como reencarnaciones de guerreros y héroes. Son los gobernantes de los aires y, por ende, de la comunicación. Su crascitar o graznido simboliza la voz de los dioses”.

Por supuesto, también encontraremos lobos, serpientes y ciervos, con toda su representación y carga simbólica. Aunque en la primera temporada todo es sutil, su final (que me hizo recordar a cierto final de temporada de Juego de tronos) y toda la segunda, con la aparición de Cernunnos, se decantan por lo sobrenatural. Sobre este ser, Margaret Murray, en El dios de los brujos (1931), apunta:

Sólo cuando Roma inició su carrera de conquista se hicieron registros escritos de los dioses de la Europa occidental, y estos registros muestran que una deidad cornuda, a la que los romanos llamaron Cernunnos, fue uno de los más grandes dioses, tal vez la suprema deidad de las Galias, y su nombre significa sencillamente “el cornudo”. En el norte de las Galias su importancia se manifiesta en el altar descubierto debajo de la catedral de Notre Dame, en París. La fecha del altar es indudablemente de la era cristiana; en tres lados pueden verse figuras de dioses menores representados como pequeños seres, y en el cuarto lado se encuentra la cabeza de Cernunnos, que es de proporciones enormes si se lo compara con las otras figuras. Tiene cabeza de hombre, y como la figura de Ariége, lleva astas de ciervo decoradas con anillos; estos pueden ser aros de mimbre o anillos de bronce, que servían de monedas. Como su prototipo paleolítico, es barbado. Este altar muestra que, de acuerdo con las ideas artísticas romanas, el hombre divino no iba enmascarado; lleva los cuernos y sus apéndices fijos en la cabeza. El altar parece haber sido dedicado en un templo tan sacro que el sitio fue reutilizado como templo de la nueva fe. Hay testimonios escritos de Cernunnos, y se le puede ver en esculturas del sur de las Galias, en la parte romana que ha sobrevivido en una pintura paleolítica. Es sumamente improbable que el culto al dios cornudo hubiese muerto en el sudoeste de Europa en tiempos neolíticos y que permaneciera desconocido durante las edades del Bronce y del Hierro, sólo para revivir antes de la llegada de los romanos. Más lógico parece suponer que el culto continuara durante aquellos siglos no registrados y siguiera siendo uno de los cultos galos principales hasta ya entrada la época cristiana”. También encontré que:

En los territorios de los celtas galeses fue conocido como Herne el Cazador. En el continente poseía otros nombres asociados como Kernunnos, Cernowain, Belatucadrus (“Origen de todo”) o incluso Vitiris (“El que fecunda”). Entre los druidas recibía el apelativo de Gran Padre o Hu’Gadarn y Hu Gadam. El romano Julio César lo llamó Dis galli Pater(“El padre de todos los Galos”), que luego se vio reducido simplemente a Dis pater. En realidad, la veneración a este Dios, representado astado, es decir, con cornamenta, en la mayoría de los casos cérvido, lo que ha dado lugar a llamarlo también el Dios Ciervo, es una representación de antiguos cultos animistas anteriores a los establecimientos celtas. […] Su culto está relacionado con la fertilidad, con la vida salvaje, Señor de todos los animales y protector de estos”.

En la serie se menciona que Plinio el viejo lo registró en sus Memorias (tal vez alguno de los primeros tomos de su Historia natural). Lo anterior me recordó a «El Wendigo» de Algernon Blackwood o al Ithaqua de August Derleth («El ser que caminaba sobre el viento»). Y en un plano más personal, a mi cuento breve “Despertar gótico107:

Si le soplas al quinqué y no se extingue la flama, sabrás que solo es un sueño”, me tranquilizó papá al verme lívido y convulso, una vez más, por mis monstruosas pesadillas, provocadas, tal vez, por el hábito de leer libros prohibidos, por la infusión de amapola que todas las noches me hacía beber la fámula o por la repentina muerte de mamá hace un par de meses. Asentí, normalizando la respiración. Papá se levantó de mi cama y dejó el quinqué encendido sobre la mesita de noche. “Pronto estaremos mejor”, susurró, mientras algo parecido a una sonrisa surcaba su rostro vejado por el insomnio. Le regresé la sonrisa y le soplé al quinqué, más la flama permaneció estática. De la melena enmarañada y marchita de papá prorrumpieron dos astas, que se fueron ramificando hasta alcanzar las vigas del techo; sus ojos cetrinos se convirtieron en dos agujeros negros que todo lo engullían. Papá… Lo que ahora era papá se acercó al quinqué y dejó escapar de su naciente probóscide un hálito ponzoñoso. La flama se extinguió, desamparándome en la oscuridad”.

Sin embargo, visualmente lo sentí muy cercano al Wendigo que aparece en la serie Hannibal. De hecho, el creador de la serie, el francés Mathieu Missoffe, escribió en 2009 el cómic Le souffle du Wendigo (El aliento del Wendigo 108, reeditado en español por Norma en 2013). Aunque el final de la segunda temporada no es tan impactante como el de la primera, sí nos transmite cierta desesperanza y, sobre todo, nos deja con muchas interrogantes que podrían ser resueltas en una tercera temporada. En este aspecto, a pesar de ser la primera serie francesa en formar parte de Amazon Prime (global) y de los buenos números de la primera temporada, a la segunda no le fue muy bien y se duda si France 2 aprobará la tercera. Sin embargo, estoy seguro de que con la llegada a Netflix se ganará a muchos aficionados ávidos de este tipo de historias y le darán luz verde. Mathieu Missoffe comentó: “Nos reconforta la idea de que tenemos razón en hacer lo que hacemos, porque las personas nos están comparando con las series con las que queremos que nos comparen. Algunos reconocen que formamos parte de una familia de séries fantásticas, híper variadas, con un nivel excepcional, y eso es exactamente lo que queremos”. (Suelen compararla con Fargo, The X-Files, Twin Peaks, Top of the Lake…). Así que dale una oportunidad… Te aseguro que la devorarás en un fin de semana.109



No entanto, esse mesmo “folk”, precisa ser esmiuçado, resgatando do limbo em que foi aparentemente jogado, para se tornar, efetivamente, um feito humano.



    1. A Gaia como Vingadora

Embora exista todo um discurso que sugere uma ação não armada, ou uma ação com armas primitivas, nessa reação da floresta ou de espíritos da floresta contra a tecnologia, contra o capitalismo, contra os donos de serrarias, na verdade, existe um esforço gigantesco de escapar da realidade da política, concedendo um poder tal, ao além, que, de uma forma mágica, transformaria tudo, voltando-se a um ano zero ou a um novo recomeço civilizatório. Ou seja, o homem, assumindo sua culpa, volta-se para Deus, Senhor de todos os destinos, no final. Contudo, esta visão extremamente individualista, imagina prisões sagradas para pessoas que já se desprenderam dos seus vínculos tradicionais, onde a religião é uma opção e não uma imposição. Embora marcadas por uma visão holística, até mesmo panteísta, a mensagem final, desses roteiros de fantasmagoria, é extremamente tradicional, conservadora e pré-capitalista. Se antes a religião é uma das formas de dominação, que, através da culpa110, estabelecia o controle social do indivíduo; agora, livres das amarras, por um processo de mercantilização da própria sociedade, em que os valores estão submetidos aos critérios do mercado, esse retorno ao gueto onde a religião foi colocada, ressoa como um grande saudosismo, imaginando retornos para a Idade Média. Um dos problemas decorrentes é que, ao livrar o homem da culpa, da autocomiseração, da repressão, reinventando a religião como instituição, o homem moderno se depara com as mazelas do niilismo, em que, ou ele se liberta dos grilhões de valores e moralidades supostamente ultrapassadas, procurando novos modelos, ou sucumbe perante um suposto retorno a valores anteriores ao cristianismo, que sobreviveram até a atualidade, em parte, abrigados no seio da própria igreja que, fugindo de posições mais dogmáticas, preferiu tolerar e manter certas crenças como maneira de converter, em paciência histórica, o mundo denominado de pagão. O problema, nisso tudo, não está em tentar compreender como a igreja se associou ao paganismo, seja por oportunismo, seja por liberalismo, mas sim no imaginário que chegou até a modernidade, desse mesmo paganismo. O problema, num primeiro momento, é um certo discurso, narrativa, na comparação da história das religiões, em que se procuram analogias entre os diversos deuses, os nomes diferentes para uma mesma coisa, que, usado sem critério, sem regras, pode conduzir a mais incompreensões. Não se trata de opor cristianismo e paganismo, como se fossem apodas, seria um grande erro. Os vínculos, os debates, as interrelações, as correlações, ao longo da história, não aconteceram sem a presença de um e de outro. Fazer uma negação do passado, como se o presente não tivesse nada com esse mesmo passado, é negar uma fonte imensa de conhecimento humano, acumulado durante toda a sua história, seja pagã ou não.

A ideia de ordem cósmica, tão importante para o antigo Egito, revelando a ideia de eterno retorno, falseava toda uma realidade social que implicava uma hierarquização extremada da sociedade.

Por outro lado, a discussão sobre paganismo pode remeter a um passado longínquo, em linguagens ainda não traduzidas. Aqui a importância de compreender os diversos discursos sobre a Antiguidade, em objetivos atuais que buscam espaços de valorização, num mercado onde se vende de tudo. Até mesmo compreender a tentativa de grupos até então minoritários em ocupar espaços institucionais até então ocupados pelo rito católico.

A figura de “Cernunnos”, provavelmente remete ao contexto asiático, especialmente à civilização do vale do Indo, num primeiro momento. Num segundo momento, já é a narrativa em solo europeu, no espaço ocupado pelos celtas. Até onde essas narrativas são similares ou sofreram alterações em seu conteúdo, principalmente?

Até onde a figura do “senhor ou senhora dos animais” é um arquétipo? 111 Nesse sentido, em muitas representações, a ordem cósmica, a harmonia, são sugeridas. Lembra muito o domínio, talvez, o autodomínio, no espaço-tempo. As mudanças das estações do tempo, especialmente a chegada da primavera, parecem estar refletidas nas galhadas dos cervos, figura associada a Shiva.

Nas tradições da bruxaria, Wicca ou de outra forma, muitas vezes existe um arquétipo de Deus comum que une essas práticas. Esta categoria de divindade é coletivamente chamado de “O Deus com Cornos”. Dos muitos deuses com cornos encontramos o Diabo, Bucca, Herne, Pooka, Puck, o Greenman e os dois mais famosos, Pan e Cernunnos, sendo os temas deste artigo. Embora muitas bruxas e pagãos sejam rápidos em chamar esses deuses de encarnações diferentes do mesmo Deus, isso é, na verdade, baseado em uma ideia muito recente e muito complicada que foi popularizada por ninguém menos que Gerald Gardner.

Antes de podermos desvendar o nó emaranhado da falsa academia que é o sincretismo Pan / Cernunnos, precisamos primeiro entender a história desses dois Deuses com cornos. A primeira coisa a notar é que apenas um desses Deuses é realmente “cornudo”, o outro é “galhado”. Embora pareça um exercício trivial de semântica, será importante mais tarde. Para começar, vamos explorar o próprio Deus com cornos de cabra, Pan!

No sul da Grécia, existe um deserto remoto situado entre montanhas implacáveis. Uma paisagem inóspita que seria inóspita para a maioria. Esta terra, e seu povo, tomaria conta da imaginação grega e geraria alguns dos mitos mais selvagens e poderosos do mundo antigo. Dizem que os Arkadianos são “proselenoi”, ou “mais velhos que a Lua”, nascidos da própria Terra, fortalecidos pelas bolotas do poderoso Carvalho! Desta mesma terra nasceu um Deus estranho e aterrorizante com cornos e cascos de uma cabra, um desejo sexual insaciável e um amor pela dança e música. Seu nome é Pan, que significa “pastor” ou mesmo “guardião” do grego antigo “Παων”, ou “Paon” que vem do ainda mais antigo indo-europeu “Péh₂usōn”, o mesmo Deus que o Védico Pushan, o “ péh₂ ”que significa“ proteger ”ou“ nutrir”o gado. Como Seu próprio Deus, A adoração de Pã é atestada no início da história grega, pelo menos até o assentamento micênico em cerca de 1.600 AEC, com sua primeira menção em forma de culto datando de inscrições votivas por volta de 600 AEC. Acredita-se que o culto mais antigo via Pã quase inteiramente na forma de cabra, com exceção de ser capaz de tocar música e andar ereto, muito parecido com Ele é retratado no fragmento de krater voluta ática do século 5 aC. Na verdade, foi por volta dessa época, precisamente em 490 AEC, que Seu culto alcançou o continente grego para comemorar sua aparição a Fidípides em seu caminho para pedir ajuda aos espartanos durante a Batalha de Maratona.

Daquele momento em diante, Pan manteve um amplo culto no mundo grego, e além, com templos encontrados em todos os lugares do Egito, Pérsia e em todo o continente europeu. Os gregos do continente deram-lhe uma nova linhagem olímpica, Hermes e Maia, ou uma ninfa, emprestando alguns de Seus atributos mais fálicos a Seu novo pai, evidentes no Herms da Grécia Arcaica logo após o culto de Pã ser introduzido. Então, o que aconteceu quando esse Deus selvagem se encontrou com a civilização? Naturalmente, Ele o desafiou. Pan não é o Deus gentil e fofo como muitos o veem. Ele, como à terra de onde vem, é bastante selvagem e assustador. Ele representa a Natureza desenfreada, o Demiurgo de todos os elementos em sua forma (...) primitiva e cósmica. “Riso Amoroso” Pan é o riso do frenesi e da loucura, que Ele inflige àqueles que encontram Sua ira.

Uma das funções mais reconhecidas de Pan rege a luxúria e a sexualidade. Os gregos reconheceram a sexualidade como um presente dos deuses. Não era apenas prazeroso, mas propagava a sociedade e a civilização. Portanto, não é de se admirar que os deuses sexuais estivessem e ainda estejam entre os mais populares. Mas há uma diferença notável entre os deuses do sexo um tanto civilizados, como Afrodite e Eros, e o Deus selvagem do sexo, Pan. Enquanto o primeiro rege o sexo romântico, apaixonado e procriativo, a natureza sexual de Pã é um desejo bestial intenso, auto-gratificante e agressivo. Pan era frequentemente descrito como sendo o “trupanon” ou broca-buraco do pastor. Isso torna-o literalmente o pênis ereto do pastor. Para entender a natureza sexual de Pã, temos que nos colocar na mentalidade do antigo pastor Arkadian. Arkadia era extremamente remota e principalmente selvagem, e um pastor solitário se veria dominado por um desejo insaciável que muito provavelmente não seria capaz de superar por meio da união amorosa no reino de Afrodite ou Eros. Ele teria que liberar sua semente masturbando-se (um ato que teria sido ensinado à humanidade por Pã), cometendo bestialidade ou encontrando qualquer parceiro disposto, homem ou mulher. Esta é uma justaposição curiosa aos poderes procriadores de Pã nos animais, o acasalamento sendo, (...), mais uma questão de fertilização do que de gratificação, como vemos em seu papel de Senhor da Luxúria na humanidade.

A simbólica mais impressionante de Pã que perdurou ao longo da história é o falo ereto. O Deus é retratado raramente vestido, e a sexualidade em todas as suas formas carnais é dEle. Ele espera nas sombras pronto para saltar sobre pastores desavisados, imediatamente superando-os com excitação. Isso não é mais claro do que no vaso vermelho do século V AEC, onde uma cabra com cabeça de Pã salta de um Herm, com um grande falo totalmente ereto, perseguindo um jovem pastor com a intenção de tomá-lo à força, como o desejo sexual costuma fazer. Mas é nessa luxúria que os pastores desenvolveram suas habilidades na dança e na música, algo pelo qual os selvagens Arkadianos eram reverenciados. Essas intensas ondas de hormônios e energia também alteram a própria mente e, por meio do ritual, podem ser facilmente levadas a um poderoso transe. É neste transe que Pã manifesta a profecia. Este é o mesmo transe que vem da batida dos tambores e da música em geral. Quando as bruxas lançam nossa magia e nos perdemos na dança, isso é Pã, e como a luxúria da gratificação sexual, ela nos domina fácil e rapidamente, levando-nos consigo a um estado alterado de consciência.

Isso nos leva ao próximo domínio de Pã. Ele rege as curas naturais que revela através dos sonhos, bem como o potente poder da flora, mais ainda das do solo da floresta, mas principalmente dos fungos e cogumelos. Essas formas de vida fálicas não são apenas altamente curativas, mas algumas induzem a estados alterados poderosos! Cogumelos psicodélicos têm sido usados ​​por milênios em magia e ritual. Acredita-se que os gregos os usavam em sua bebida sagrada “kykeon”, que os iniciados nos Mistérios de Elêusis bebiam para se comunicar com os deuses. Em lugares como a África, os cogumelos são consumidos para auxiliar na caça noturna, como forma de estimular os sentidos. E na feitiçaria de culturas ao redor do mundo, como América Central e do Sul, Europa continental e Oriente Médio, eles são aliados inestimáveis ​​na manifestação de forças invisíveis. Como Dioniso, Pan tem uma mão em substâncias que alteram a consciência. Mas não eram apenas substâncias, eram também estados psicológicos, lugares liminares entre o prazer e a dor, a sanidade e a loucura, e o sono, e a vigília. Na verdade, os rituais para Pan são frequentemente realizados em um estado de transe privado de sono, onde os participantes se divertem com a preparação a noite toda, festejando e bebendo vinho até de madrugada, quando a noite encontra o dia.

Além de tudo isso, há um extenso histórico de mito, ritual e culto em torno de Pã e ​​suas façanhas. Ele perdurou ao longo da história, tornando-se o bode do sábado, o deus das bruxas da Igreja primitiva, recuperando popularidade na Inglaterra vitoriana e eduardiana, celebrada por muitos ocultistas como Rosaleen Norton, conhecida como 'A bruxa da cruz do rei' (uma das minhas inspirações pessoais), Elphias Levi que iria usá-lo para seu Baphomet, Aleister Crowley, artistas inspiradores como Johfra Bosschart e William Bourguereau e autores como Arthur Machen, tornando-se um símbolo poderoso de livre arbítrio, a ideia aterrorizante de natureza indomada, e liberação sexual.

Cernunnos.

Agora viajaremos para o extremo oeste da Grécia até os limites da Europa Continental. Foi lá na França que uma misteriosa figura com galhada foi descoberta, cujo nome estava inscrito em um pilar romano representando não apenas os deuses de Roma, (...) os deuses dos gauleses celtas. Seu nome é Cernunnos, que se traduz grosso modo como “Deus com cornos” e é neste altar, conhecido como “Pilar dos Barqueiros” 112, encontramos a única inscrição conhecida de Seu nome. Ele aparece em relevo pesado, sentado em uma posição de pernas cruzadas, com galhadas de veado adornados com anéis que simbolizam riqueza113, referindo-se a uma época em que o dinheiro não era usado pelos celtas. Acima de Deus está o nome “Cernunnos”. Embora o “C” agora esteja perdido, ele está bem documentado como intacto nas ilustrações da imagem do século XVIII, então sabemos que disse isso especificamente. O próprio pilar remonta ao final da ocupação romana de Paris entre 1 EC e 25 EC e é um excelente exemplo de fusão cultural. O próprio nome vem da raiz galo-romana “Cornu” que significa “corno” ou “corno longo”.

Embora a inscrição do nome seja relativamente tardia, o motivo de Deus com galhada associado a Cernunnos é, na verdade, muito antigo. Há uma escultura em pedra como Cernunnos, datada entre os séculos V e IV aC, em Val Camonica114, no norte da Itália. Aqui está uma figura com galhadas, vestida com o que é descrito como uma longa túnica com galhads e torques icônicos, até mesmo um dos primeiros exemplos do que pode ser uma serpente com cornos de carneiro. Um adorador nu masculino em uma escala muito menor ora para a figura que se assoma como um colosso diante dele. O único problema é que não há inscrição identificando o Deus, e torques e galhadas são um tema bastante comum na arte celta entre deuses e deusas, assim como sacerdotes e xamãs. Podemos dizer com certeza que este é o mesmo Deus que aparece no Pilar dos Barqueiros? Essa figura é mesmo um Deus?

A próxima evidência iconográfica de Cernunnos foi encontrada na Dinamarca e é conhecida como Caldeirão Gundestrup115, datando do século I aC. Este é certamente Cernunnos, pois carrega a mesma iconografia que encontramos no Pilar dos Barqueiros, especificamente as galhadas e os torques. Aqui também vemos a aparência da serpente com cornos de carneiro em detalhes claros, novamente um tropo comum entre os deuses e deusas celtas que representa os ciclos solares. Esta é também a primeira vez que vemos Cernunnos em sua famosa posição de pernas cruzadas. Essa pose específica é quase sem dúvida tirada da iconografia do Oriente Próximo, como o selo Pashupati116 encontrada no Vale do Indo, datada de cerca de 2000 aC. É devido ao simbolismo quase idêntico no Caldeirão Gundestrup e no selo Pashupati que muitos acreditam que Pashupati, um epíteto de Shiva, para ser a fonte indo-europeia para Cernunnos. É importante notar que Pashupati no selo é tricefálico, ou de três cabeças, um tema que encontramos em esculturas posteriores de Cernunnos, como a encontrada na área de Condat, na França. O Deus aparece entre os animais selvagens e a folhagem, talvez significando seu papel como um Deus da floresta. O único problema é que muitos dos painéis internos do caldeirão retratam animais. Mas a pose serena e relaxada, e o acréscimo dos torques sugerem que esse Deus é provavelmente o chefe entre os outros, o supervisor. Enquanto os outros deuses no caldeirão parecem estar engajados em alguma atividade, Cernunnos senta e observa.

Se quisermos relacionar Cernunnos a um Deus, e não a um sacerdote de xamã, ele é extremamente importante para os celtas, considerando a frequência de sua iconografia e a adição de tantos símbolos de status. Pode-se concluir que Ele é o Rei celta dos deuses, que governou com sua esposa, a Dama Verde, frequentemente retratada sentada ao lado Dele segurando uma cornucópia, às vezes com chifre também. Ao longo dos séculos seguintes, numerosos ídolos e representações de Cernunnos apareceram retratando várias coisas como alimentar serpentes com cornos, carregar bolsas de substâncias que dão riqueza, como uma cornucópia, e o veado, e touro familiares, símbolos de status e riqueza. Para os romanos, que eram especialistas em sincretismo, ele foi identificado como Dis Pater, ou Plutão, conforme narrado por Júlio César em suas “Guerras da Gália”. Por causa disso, é improvável que os romanos tivessem notado quaisquer características específicas de Fauno que O colocariam no reino de Pã.

E isso é tudo o que sabemos sobre Cernunnos. Há literalmente zero mitos ou lendas sobre Ele, zero relatos de adoração de culto, festivais ou prática. Não temos referências a quais são suas funções reais fora do que podemos dizer da iconografia, mas sabemos que aqueles que testemunharam e registraram o culto celta, viram uma forte semelhança, não em Pã, mas em Plutão, portanto, seu papel de "Senhor dos Animais" pode ter vindo em segundo lugar para Seu papel como doador de riqueza e abundância. Na verdade, os dois deuses não poderiam ser mais diferentes. Por um lado, Pã tem cornos de cabra e Cernunnos tem galhadas de veado. Os cornos de cabra crescem ao longo da vida do animal, enquanto as galhadas são eliminadas todos os anos. Esta é uma ótima escolha para um Deus solar de abundância e renovação como Cernunnos, simbolicamente trocando Suas galhadas com as estações, acompanhado por Sua serpente solar com cornos. Apesar de seu papel especulado na fertilidade, Cernunnos também é um Deus bastante modesto, sempre descrito como vestido, mesmo quando Ele está entre foliões nus. Pan, por outro lado, está quase sempre nua e, mais frequentemente, em estado de excitação.

No reino da bruxaria, cada Deus tem sua própria história. Pan, cujo nome foi e é de fato invocado na magia do Mediterrâneo, tem uma longa história no folclore das bruxas. Em Suas primeiras aparições, nós O encontramos conjurado no PGM (Papyri Graecae Magicae , ou Papiro Mágico Grego ), como PGM IV. 2145-2240 para assistência divina, PGM IV. 2241-2358 à Lua minguante, PGM IV. 2441-2621 para atração, PGM IV. 2967-3006 para a energia das plantas e PGM IV. 3255-74 para Typhon (Pan é nomeado como Mendes). Sua associação com profecias e oráculos é bem atestada e, para os órficos, Pã representava uma união de todos os elementos, a personificação de todo o Cosmos e o poder que ele contém. Por volta do século III EC, a Igreja primitiva começou a demonizar Pã e ​​condená-lo como sua personificação do mal, especificamente devido às suas associações com a sexualidade perversa e desenfreada. A iconografia do Diabo não havia sido realmente estabelecida e muitos atributos de muitos deuses eram sinônimos dessa figura. Esses primeiros cristãos viam quase todo Deus pagão como o Diabo, mas particularmente Deuses com formas animalescas, como os egípcios Bes e o próprio Pã. Na verdade, mesmo no período medieval, vemos representações do Diabo que são uma fusão de vários elementos pagãos, desde o sorriso sinistro de Bes, às pernas e cornos de bode de Pan (embora mais comuns fossem pés com garras na época, provavelmente vindos de os deuses do Oriente Médio). Nenhum Deus estava fora dos limites da demonização, e quanto mais apegados à natureza e à sexualidade humana eles estavam. Mas, apesar de algumas teorias, sabemos com certeza que os primeiros cristãos vinculavam Pã e ​​Seus sátiros diretamente ao Diabo. A Bíblia não apenas se originou na área de adoração de Pã, vinda do império fenício ao redor do Mediterrâneo, mas menciona especificamente sátiros (original em hebraico Se'irem ou singular Sa'irem Isaías 13:21, Isaías 34:14, Levítico 17: 7), bem como a cidade de Pã localizada na base do Monte Hermon, na fronteira da Síria e do Líbano, Paneas aos antigos, agora chamada de Banias, é mencionada como “ Cesaréia de Filipe ”em Mateus 16:13. Na verdade, talvez o defensor mais inflexível da demonização de Pã, o bispo do século III Eusébio de Cesaréia menciona-O extensivamente como um demônio maligno, particularmente no que diz respeito a Seus cornos e cascos. Na verdade, Pã e ​​suas cabras eram vistas em conflito direto com Jesus e suas ovelhas. Em Mateus 25:32, uma comparação direta é feita entre os salvos representados por ovelhas e os condenados representados por cabras, um tema que encontramos provavelmente a mais antiga representação do Diabo como um anjo azul cercado por cabras em um mosaico do século VI denominado “Cristo Bom Pastor”. Mas é no início do período moderno, começando nos anos 1500, no auge da Inquisição, que realmente começamos a ver a influência de Pan na bruxaria como o Diabo. Muitos relatos do Akellare ou do Witches Sabbath retratam bruxas dançando ao redor de uma grande cabra negra, ou cabra humanóide. A natureza carnal do Sábado das Bruxas e a fornicação com o Diabo como uma cabra são talvez ligações diretas com Pã, ao invés de Dioniso como alguns propõem. O Diabo é descrito como cabeludo, com cornos e cascos enormes de uma cabra e um grande falo obsceno. Também é mencionado que as bruxas dançam ao redor dele enquanto Ele toca flauta para elas, outro sinal de que esta é de fato uma referência a Pã. Ele é um ser de luxúria que concede poder, dando às suas bruxas a habilidade de realizar maldições e milagres, muito reminiscente de Pã no mundo antigo.Indo para o auge do folclore das bruxas do início do período moderno, ou antes, ficamos querendo encontrar evidências de que Cernunnos foi alguma vez associado à bruxaria de qualquer forma. Os registros da Igreja primitiva da Europa Ocidental estão totalmente ausentes em relação a menções de quaisquer Deuses Corníferos locais, ou a adoração de Deuses com cornos, ou formados por animais. A única condenação veio na forma de foliões celebrando os resquícios de rituais pagãos vestindo peles e cocares de vários animais, incluindo o cervo, como São Cesário de Arles, do século VI, que descreve as celebrações, ou o Concílio de Auxerre do século VI, no final do século VI que condenou os pagãos recém-convertidos de se vestirem com fantasias de animais como touros e veados no início de janeiro. Isso guarda alguma semelhança com a celebração do Deus Basco Pan / Cernunnos / Janus Janicot, que está associado à bruxaria e aos Akellare. Mas além dessas referências obscuras, Cernunnos nunca é especificamente demonizado e os veados não são associados ao mal ou à luxúria.

No reino do paganismo moderno e da religião da bruxaria, principalmente em tradições como a Wicca e suas ramificações, Cernunnos é O Deus Chifrudo. Mas por que isso? Bem, para começar, o Deus Chifrudo, embora se pareça com Cernunnos, realmente não tem nada a ver com o Deus Cervo. Na verdade, ele é mais Pan do que Cernunnos. A fonte primária dessa confusão não é outra senão Margaret Murray. Em seu livro “O Deus das Bruxas”, Murray basicamente pega todos os Deuses com Cornos ao longo da história, mistura-os indiscriminadamente e se refere a Eles como um único Deus com cornos. Isso lhe permite basicamente fabricar mitos que muitos mais tarde associariam a Cernunnos. Ele parece se tornar a encruzilhada de figuras de heróis como Herne da Grã-Bretanha e Pã dos gregos. Na verdade, em sua primeira encarnação, A Wicca foi mais fortemente influenciada pelo mito greco-romano inspirado em 'Aradia: Evangelho das Bruxas ”de Charles Leland. Para a Deusa da Lua, Diana era a escolha óbvia, para o Deus, encontraríamos Pã. Mas Gerald Gardner passou por uma crise de identidade britânica. Ele queria que sua religião ressoasse com a Europa celta que o cercava. Por isso, ele pegou o Deus cornudo de Cernunnos, de Murray, distintamente celta, mas chamado de Herne, e O tornou o primeiro Senhor da Wicca. Curiosamente, ele manteve todos os atributos de Pan, como o falo ereto e os tubos da panela. Cernunnos, com sua falta de mitologia ou culto histórico, e falta de identificação com o Diabo, algo de que Gardner queria se distanciar e a religião, praticamente lhe rendeu o título de Deus das Bruxas. A Wicca então popularizou a desinformação do livro de Murray. A comunidade das bruxas modernas frequentemente afirma que todos os Deuses com cornos representam um único Deus, sem saber que isso presta um grande desserviço a essas divindades individuais, cada uma das quais serve a propósitos muito diferentes. Simplesmente porque Eles têm cornos ou galhadas, isso não os torna arquétipos fálicos genéricos, painéis falsos, por assim dizer. Cada um deles tem suas próprias identidades, suas próprias imagens e sua própria cultura, mesmo que sua tradição tenha se perdido na história. Não devemos desrespeitá-los dizendo que Pã e ​​Cernunnos são iguais porque eles claramente não são. Nem é preciso dizer que se você quer servir a um Deus Chifrudo pan-europeu, como o Deus da Wicca, isso é totalmente válido e real, porém, esteja ciente que você não está servindo a Pan ou Cernunnos, mas a outra coisa, e está tudo bem. Nem todos PRECISAM ser iguais. Compreendendo-os, suas histórias,117



Observa-se que o tema de Cernunnos tem como fonte a Índia, como uma das formas de Shiva. Embora não se saiba muita coisa sobre o selo do “Senhor dos Animais”, por falta de uma decifração da linguagem, esta-se falando em mais de 10 000 anos.



A posição comum de postura de pernas cruzadas, vista nas imagens de Etang, Saintes e Vendoeuvres, especialmente quando associada aos braços erguidos em estilo búdico, como visto no Caldeirão Gunderstrup, parece contradizer essa selvageria. Em pelo menos três outras imagens, ele está sentado em um banco, em um estilo familiar para quem viu imagens de Matronae, e temos a impressão de uma divindade mais pacífica. 118



Não se trata de atenuar ou minimizar o grau de violência da cultura considerada de origem celta. Ou o quanto essa postura de pernas cruzadas remete a um passado mais ou menos civilizado, no que se refere a cultura da paz. Ou ainda, o quanto essa postura de pernas cruzadas perdeu o seu significado, na medida em que foi deslocada no tempo e espaço.

O que importa, aqui, é ver as semelhanças, as possíveis analogias entre o que foi encontrado entre os supostos celtas e o que já existia, a bem mais tempo, na Índia.

É preciso admitir a necessidade de uma revisão histórica, no que se refere ao desenvolvimento histórico da Índia119.

No que interessa ao estudo, particularmente a ideia de Cernunnos, na criação de Mathieu Missoffe, está mais para Pã do que para o que se tem do Cernunnos histórico. A vingança de Pã, seria o melhor título para a proposta de Mathieu Missoffe, em outra seção ou catálogo do paganismo moderno, mas bem longe do contexto celta.

A ideia de uma madeireira que fecha no interior da França, numa área isolada, uma suposta “ilha” do mundo moderno, mas não tão ilha assim, visto a presença policial, teria que ser analisada no contexto europeu, no que resta das florestas europeias, num mundo bem distante da Amazônia. Ou será que o arquétipo de florestas funciona do mesmo modo, em tudo e em todo o lugar?



    1. A Adoração das Árvores

É interessante que o selo Pashupati remete também a um contexto de adoração das árvores, sugerindo uma antiguidade de crença que remonta aos primórdios da humanidade.

Os numerosos selos e estatuetas descobertos nas escavações realizadas em vários locais ligados à cultura harappiana apontam para as crenças religiosas do povo do Vale do Indo.

Adoração da Deusa Mãe: Um grande número de estatuetas de terracota escavadas são aquelas de figuras seminuas que são identificadas com alguma energia feminina ou Shakti, ou Deusa Mãe, que é a fonte de toda a criação. Ela está usando vários enfeites e um vestido em forma de leque para a cabeça. Conclui-se das figuras manchadas de fumaça que as pessoas ofereciam incenso queimado diante dela.

Adoração de Pashupati ou Lord Shiva: O selo Pashupati em que o deus masculino de três faces é mostrado sentado em uma postura iogue, rodeado por um rinoceronte e um búfalo à direita, um elefante e um tigre à esquerda, faz com que os historiadores concluam que o povo daquela época adorava o Senhor Shiva, sendo o Senhor da Besta (Pashupati) e o princípio masculino da criação. A descoberta de um grande número de pedras cônicas ou cilíndricas, mostra que as pessoas adoravam lingam, o símbolo do Senhor Shiva.

Adoração de Árvores: O culto às árvores era generalizado. A árvore Pipal era considerada a mais sagrada. Um dos selos mostra um deus parado entre os galhos de uma árvore do povo e o deus estava sendo adorado por um devoto de joelhos. A descoberta de um grande número de selos com árvores papais gravadas sugere que essa árvore era considerada sagrada, assim como alguns hindus hoje em dia o fazem.

Outros objetos de adoração: as pessoas também adoravam animais como o touro, o búfalo e o tigre. A adoração de animais míticos é evidente pela existência de uma figura humana com chifres, cascos e cauda de touro. Além dos animais, essas pessoas também adoravam o Sol, o Fogo e a Água.

Fé na magia, encantos e sacrifícios: A descoberta de amuletos sugere que as pessoas do vale do Indo acreditavam na magia e nos encantos. Algumas focas têm figuras de homens e animais em ato de sacrifício. Isso mostra que os sacrifícios desempenhavam algum papel em sua religião.

Crença na vida após a morte: o povo do vale do Indo eliminava seus mortos por sepultamento ou cremação. Eles enterravam seus mortos com cerâmica doméstica, ornamentos e outros artigos de uso diário. Mesmo quando cremavam os mortos, preservavam as cinzas dos corpos em urnas de barro. Ambas as práticas mostram que as pessoas acreditavam na vida após a morte.

A existência de banhos públicos sugere que as pessoas acreditavam no banho ritual. As crenças religiosas, como a adoração de Shiva, animais e árvores, mostram que as crenças religiosas do povo do Vale do Indo foram a base sobre a qual o hinduísmo moderno cresceu.120



http://sivapurana.blogspot.com/2013/03/shiva-is-best-worshiper-of-lord-krishna.html

    1. O Espectro de Marx

Como compreender o Espectro, na época de Marx? Seguindo o caminho de Shakespeare, há um conteúdo moral no ser espectral.

A esta visão do «criminoso», em que ele coloca Sue e Hugo no gatilho, é sucedido pelo espectral. O postulado da necessidade representativa continua a prevalecer nesta região do mal. Apenas a necessidade de "poderes morais eternos" pode dar, ao espectral, sua sanção ideal (pp. 338-340). Rosenkranz apóia sua tese no contraste entre o espectro do pai de Hamlet e o de Nino no Semiramis de Voltaire, respectivamente representações adequadas e inadequadas do espectral. Enquanto o primeiro está inserido na cadeia normal das coisas, o segundo é uma exceção às leis da natureza, se alguém denota a presença de uma figura da imaginação de Hamlet e é um reflexo de sua rebelião contra o assassinato e o adultério, o outro tem sua razão de estar em uma vingança para prevenir o incesto; a comparação [p. 30] entre os dois estabelece a diferença entre uma figura moral e um instrumento pobre da particularidade da vingança.121



Aparentemente, o espectro só é espectro quando inserido em um contexto moral. É como uma continuidade da vida, em dois planos. Numa história de vida, o espectro sugere uma história não terminada, inconclusa. Na verdade, o espectro é uma tradução da mente de quem o vê.



    1. Entre a Sombra e o Espectro

Existe uma diferença entre sombra e Espectro. No caso, os habitantes da noite, notívagos, só na noite acontecem. E, nessa altura acontecem coleções de seres inimagináveis, que não tem nenhuma relação com reles seres mortais. Eles são imutáveis, invariáveis, eternos, em seus lugares, nas suas coleções. Não obedecem às regras do mundo.

c.2 O espectral. Por sua natureza, a vida tende a evitar a morte. Já havíamos conversado sobre os mortos. Torna-se espectral quando, contra sua natureza, reaparece como uma criatura viva. A contradição pela qual os mortos ainda estariam vivos constitui o horror do medo dos fantasmas. A vida morta como tal não é espectral: podemos observar um cadáver imperturbável. Mas se uma rajada de vento movesse sua mortalha ou o piscar da luz tornasse suas feições incertas, então a ideia pura e simples da vida nos mortos — O que em outra situação pode ser muito agradável — poderia ter, primeiro, algo espectral. Com a morte o mais aqui se fecha para nós; a abertura da vida após a morte por alguém que já morreu tem o caráter de uma horrível anomalia. O morto, aparentemente na vida após a morte, parece obedecer a leis que não conhecemos. Com o horror diante dos mortos, como sendo uma presa para a decomposição e com respeito pelos mortos como sendo consagrados, o mistério absoluto do futuro está misturado. Para nossos propósitos estéticos, devemos pensar separadamente sobre sombras e espectros, analogamente a como os romanos faziam com larvas e lêmures. A ideia de espírito que originalmente pertence a outra ordem tem algo extraordinário e horripilante sobre isso, mas nada espectral. Os demônios, os anjos, os duendes são como são desde o início, eles não se tornaram o que são com a morte. Eles estão nas sombras. Entre o espectro e o vivente está colocada a ideia peculiar de vampirismo. O vampiro é retratado como um homem morto que sai periodicamente do túmulo com vitalidade aparentemente completa para se agarrar a uma vida jovem e calorosa, e chupar seu sangue. O vampiro esta, morto, mas, contra [p. 332] sua natureza morta tem o desejo de ser nutrido até por uma vida florescente. Com a esposa de Corintho de Goethe, e com a narração de Byron e a ópera de Marschner, The Vampire, essa fantasia de morte se tornou bastante conhecida entre nós. Como uma lenda, é o mesmo entre os povos grego e sérvio, e é equivalente ao dos lobisomens ("loups garoux") nas aldeias românicas. Nas pequenas narrativas das Mil e Uma Noites também aparece a imagem dos homens, chamado Gülen, que encontram prazer em se alimentar de cadáveres, saciar a vida com a corrupção da morte. Essas lâmias orientais são muito mais nojentas do que os vampiros, porque eles são ainda mais anormais. O morto que aparece como uma simples sombra pode dar a imagem de estranheza, mas não precisa ser absolutamente feio. No fundo, pode ter a mesma forma que em vida, só a perde um pouco com a sua palidez e a ausência de cor. Em Os Persas, de Ésquilo, a sombra de Dario sai do inferno para lamentar, e quando aparece diante do coro e da Atossa o poeta faz o coro dizer: 'O terror me oprime quando você vê/terror me oprime quando eu ouço você/velho e honrado rei'.122 (…) Como seu nome já revela, a sombra é incompreensível. Embora seja visível e audível, não pode ser apreendido, portanto, não é perturbado por limites materiais. Ele vai e vem do ponto de vista temporal e tem uma tênue ligação com a noite, o que o favorece. A imagem desenhada em cores escuras refletirá o sepulcro: baladas têm uma predileção particular por esqueletos e mortalhas, mas gradualmente, como, por exemplo, na Leonore de Bürger, eles fazem as sombras aparecerem na forma de realidade plena. Em todas as cores acromáticas de povos, preto, branco e cinza, são as cores do mundo das sombras, visto que todas as cores verdadeiras pertencem à vida, para o dia e para o mundo. A sombra se torna um espectro em «larva», quando conectado àquele em uma história, é chamado de mundo além, onde você deve encontrar paz, para os cuidados deste mundo. Apenas o espírito que tem [p. 336] história, você pode encontrar uma serenidade livre e pacífica. Quando o homem não realizou toda a sua história, a fantasia o faz retornar do túmulo para cumprir seu drama no mundo dos vivos. Não reserva ao tempo indeterminado de um Juízo Universal a tarefa de regular o que resta de sua história, mas já resolve aqui, como justiça poética. O homem morto fez algo ou algo foi feito com ele, algo começou que precisa ser realizado, ou uma culpa que deve ser expiada. Exteriormente, a morte o tirou do contexto histórico, mas a unidade da necessidade interna ainda não o deixou, e ele parece ainda estar lutando por seu direito, por sua expiação. A noite, quando os vivos adormecem, ele sai do seio da terra, que ele nem sempre pode manter este ser que ainda não foi julgado trancado - e se aproxima da cama de quem dorme ou eles estão dormindo. Mostre a sua esposa ou filhos as feridas sangrentas que ele, longe deles, recebido de uma mão pérfida; deixa o assassino inquieto ao atormentá-lo com sua visão; exige vingança de seus parentes pela ofensa cometida; ou convida os vivos a segui-lo para mostrar-lhes importantes tesouros; ou revela crimes que cometeu secretamente e implora - para se redimir de sua culpa - para ajudá-lo a fazer penitência. O morto já é incorpóreo e privado de força: medo da luz, não pode mais intervir pessoalmente na realidade do dia, só pode implorar, conjurar, implorar aos vivos que não esqueçam a justiça pelos mortos. O espírito dos mortos pode apresentar a culpa que cometeu aos vivos de uma forma absolutamente silenciosa, como faz a sombra de Banquo sentado à mesa de Macbeth, ou ele pode falar em voz alta como o pai de Hamlet, etc. O que é então um espectro? É o reflexo da consciência culpada, a inquietação da dissonância interior que se projeta na imagem do espírito que nos incomoda: como aquele pintor que [p. 337] habilmente pintou o mandado de prisão como o olhar do assassino que ele persegue. O assassino foge na escuridão da noite, enorme, o mandado de prisão o persegue, esta afiliação, se você olhar mais de perto, não é nada além do próprio assassino, é o reflexo infinito de sua culpa: o assassino foge de si mesmo e redige seu próprio mandado de prisão. Este momento ético dá, ao espectral, sua sanção ideal, apesar de sua aparência sombria, deve nos fazer sentir o peso dessa necessidade que repousa sobre o fundamento eterno das faculdades morais. Um interesse deve ser manifestado no espectro que está além de qualquer opinião, todo escárnio e ataque por parte da vida: a distinção com que o espectro é representado pela frivolidade. É por isso que a representação do espectral é extraordinariamente difícil. Na Dramaturgia (X-XIII) Lessing contribuiu com a teoria estética do espectral:

«Nasceu em nós a disposição de acreditar nos fantasmas, especialmente naqueles para quem escreve o poeta dramático. Só depende de sua arte que esse arranjo realmente dê, frutos; depende apenas de certas manobras que consegue dar vivacidade tornando a realidade crível. Se você é capaz disso, na vida cotidiana, podemos acreditar no que queremos, no teatro teremos que acreditar no que ele quiser».

Nesse ponto, Lessing contrasta Voltaire e Shakespeare. O primeiro não compreendeu o espectro, o segundo o compreendeu perfeitamente e o representou - de acordo com Lessing, isso ou foi feito quase unicamente e exclusivamente por Shakespeare. Em seu Semiramis, Voltaire trouxe a sombra de Nino em plena luz do dia em meio a uma assembleia dos pares do reino, acompanhada por um trovão. [p. 338]

'Onde Voltaire ouviu que os espíritos são tão ousados? O que a velha não poderia ter dito a você que os fantasmas fogem da luz do sol e não gostam de aparecer na frente de grandes multidões. Sem dúvida, este Voltaire sabia, mas ele era muito tímido e escrupuloso para usar essas circunstâncias comuns e queria nos mostrar um espectro; mas deve ser um espectro de gênero mais nobre, e desta forma ele estragou tudo. Os espectros que se permitem coisas contrárias a todos os costumes, contrárias a todos os bons costumes dos espectros, não me parece nenhum espectro e tudo que não estimule a ilusão, isso a perturba'.

Lessing aqui se limita à comparação entre Nino e o pai de Hamlet. Ele faz a observação nítida de que o fantasma deste último não age por conta própria, diretamente, mas pela maneira como Hamlet descreve o efeito que as aparições têm sobre ele. O espírito de Nino visa prevenir o incesto e se vingar de sua morte. É apenas na qualidade de «deus ex machina», ao passo que o pai do Hamlet de Shakespeare é um personagem verdadeiramente atuante de cujo destino não participamos, que desperta horror, mas também compaixão. Segundo Lessing, o principal erro de Voltaire é que ele entende a aparência do espírito como uma exceção às leis da ordem do mundo, um milagre, enquanto Shakespeare o vê como um fenômeno totalmente natural,

'Visto que é muito mais conveniente para o ser onisciente não necessitar dessas formas extraordinárias, de tal forma que pensamos na glorificação do bem, e ele na purificação do mal como elementos inseridos na cadeia comum das coisas'.

É o que queríamos indicar no início, dizendo que apenas a necessidade de poderes morais eternos pode dar ao espectral a sanção ideal. O impulso próprio do espírito deve romper as barreiras do sepulcro por dentro. Aqui, poderíamos pagar [p. 339] uma pequena observação contra Lessing. Aqui ele não fez distinção entre sombra e espectro. Não tem pensado no fato de que, no mesmo poeta que considera o mestre na representação do horror presente no espectral, o espírito de Banquo se senta à mesa e o faz em plena luz do dia. Ele reprova o inconveniente de Voltaire fazer um espectro aparecer aos olhos de uma grande massa de pessoas.

'Ao observá-lo, todos devem expressar medo e terror de maneiras diferentes, pois a cena não pode ter a simetria fria de um balé. Se você tiver que treinar um grupo de trupes estúpidas, visto que tenham sido treinados da melhor maneira, pense em como a atenção deve ser distribuída por essa expressão diversificada de um mesmo afeto, distraindo-a dos personagens principais'.

E se neste ponto Lessing tivesse pensado no fantasma de Dario dos persas de Ésquilo? Este não aparece para todo o coro, bem como para Atossa? Mas Darío não aparece como um espectro, não há nenhuma falha entre ele e Atossa: ela quer lamentar diante dele, o grande rei, sua desventura incomensurável. O espectro —E neste Lessing está certo— refere-se a apenas um ou alguns caracteres, porque tem uma certa relação com eles. Shakespeare sempre prestou atenção, com uma psicologia refinada, a essa relação de fusão. Hamlet vê o espírito de seu pai, não sua mãe. Banquo é visto por Macbeth, não por convidados. Um após o outro, ele se afasta da tenda de Brutus, só resta um menino que no final também sucumbe ao sono, e então antes dele, o assassino, o espírito de César aparece para ele, ao amanhecer da batalha decisiva.123



No caso de Marx, quando se fala em espectros, pode-se falar de um cuidado com essas diferenças, entre sombra e espectro? Até onde se estudou, a opinião é que não. Agora, que existe um clima gótico, nos escritos de Marx, sem dúvida.

Pelo contrário, Rosenkranz faz um extenso inventário de sintomas da feiura da arte, tais como: o afastamento da pintura do cânone clássico (Ingres, Granville e Biard), a representação escultórica e indelével da luxúria (Pradier, Clésinger), a perda do status de imagem das cópias feitas pelas artes gráficas (Hoffmann) e pelo incipiente a fotografia, a frivolização da ópera (Meyeerber), a representação injustificada do crime no romance naturalista (Scribe, Sue, Hugo) e do espectral no romance gótico (Mary GW Shelley), a receita bruta do trivial na poesia ( Rückert, Heine), etc. Os elementos para crítica de todo esse elenco são fornecidos pelos clássicos, principalmente aqueles mencionados a ponto de esgotar Shakespeare, Lessing e Goethe. (…) Talvez ele não fosse capaz de reconhecer a si mesmo que o abandono da gárgula do lugar marginal que ocupava fora da catedral gótica nada mais foi do que o avanço para a sagrada presença da merda na área dos museus do nosso tempo. [p. 33]. (…) Sentimos isso na frente de [p. 121] muitas igrejas góticas nas quais frequentemente apenas uma torre foi construída, enquanto a outra está ausente ou apenas atingiu um nível inferior.(...) Imagine, por exemplo, que de acordo com seu projeto original uma igreja gótica deveria ter duas torres, aquela primeira tinha sido construída e depois outra de estilo diferente teria sido acrescentada: haveria simetria, já que deveria haver duas torres, mas, em simultâneo, haveria de um modo que não corresponde ao conceito de totalidade, pois antes contradiria qualitativamente sua unidade. (…). Por exemplo, as caricaturas grotescas que encontramos nas capitais das igrejas góticas e que, (,,,), incluem notoriamente temas altamente cínicos, podem ser suportadas como um luxo de fantasia que não pode enfraquecer o poder da impressão total: no entanto, não podem originar-se de motivos estéticos, mas de outras relações pertencentes em parte à posição social e à tradição do sindicato. (…) Nos séculos XVII e XVIII, eles foram feitos juntos e nas igrejas góticas e prefeituras, muitas restaurações, integrações e transformações em um estilo arcaico cuja beleza serena não condizia com a sublimidade do estilo alemão: uma contradição que só pode ser considerada feia e não cômica, ambas ainda mais porque a maioria dessas construções suplementares eram mesmas monstruosidades em relação aos estilos que deveriam expressar. (…) Uma [p. 344] sala gótica, mobília antiquada, luar, duas pistolas na mesa, meia-noite, sussurros estranhos no corredor, assomando, é ele, o monge. Dois olhos de fogo espiam de dentro do capô. Dom Juan corre em sua direção, o monge se afasta pelo corredor escuro, o cavaleiro o segue, se agarra ao fantasma e luta com ele e: «O espírito - se fosse espírito - parecia uma alma mole, mole, mas escondida dentro de uma concha. Seu queixo com covinhas e pescoço de cisne pareciam uma criatura de carne e osso. O manto preto e o capuz cinza finalmente caíram. Se descobriu. E então é possível? O espírito tinha os lindos seios e quadris de Sua Alteza, a caprichosa duquesa de Fitzfulk.124

    1. O 18 do Brumário

A ideia é analisar a repetição histórica; é possível? E, dentro, o significado da ideologia, enquanto espectro.

Entre a Tragédia e a Farsa

Hegel observa em algum lugar que todos os grandes fatos e personagens históricos mundiais aparecem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa.

[Hegel expressou essa ideia em sua obra Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (sua primeira edição saiu em Berlim em 1837). Na terceira parte deste trabalho, ao final da Seção 2, intitulada "Rom vom zweiten punischen Krieg bis zum Kaiserthum", Hegel escreveu em particular que “Um golpe de estado é sancionado, por assim dizer, na opinião das pessoas se for repetido. Assim, Napoleão foi derrotado duas vezes e duas vezes os Bourbons foram expulsos. Através da repetição, o que no início parecia apenas acidental e possível torna-se real e estabelecido”. Hegel também expressou repetidamente a ideia de que no processo de desenvolvimento dialético, haverá uma transição do estágio de formação e eflorescência para o de desintegração e ruína (ver, em particular, G. W. F. Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, Th. 3, Abt. 3, §347). Desenvolvendo esse pensamento e a ideia de Hegel sobre a recorrência de fenômenos históricos que Marx escreveu em sua Contribuição para a crítica da filosofia do direito de Hegel. Introdução (final de 1843 - início de 1844): “A história é minuciosa e passa por muitas fases ao levar uma forma antiga para o túmulo. A última fase de uma forma histórica mundial é a comédia” (ver presente edição, Vol. 3, p. 179). Uma interpretação semelhante da ideia de Hegel, embora na forma de uma sugestão vaga, pode ser encontrada no artigo de Marx "The Deeds of the Hohenzollern Dynasty"125 escrito em 1849 (ver presente edição, Vol. 9, p. 421). p. 103].126

Revolução de 1848

Caussidiere por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montagne de 1848 a 1851127 pela Montagne de 1793 a 1795, o sobrinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre nas circunstâncias da segunda edição do 18 de Brumário128.

[Esta passagem diz o seguinte na edição de 1852: 'Hegel observa em algum lugar que todos os fatos e personagens de grande importância na história mundial ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como uma grande tragédia, a segunda como uma farsa miserável. Caussidière por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montagne de 1848-51 pela Montagne de 1793-95, e o policial de Londres com a primeira dúzia de tenentes endividados que vieram atrás do pequeno cabo com seu bando de marechais! (Uma alusão ao fato de que, durante a emigração na Inglaterra, Louis Bonaparte se ofereceu como voluntário para a polícia especial (uma reserva policial composta por civis) que ajudou a polícia regular a dispersar a manifestação cartista em 10 de abril de 1848. O 'Pequeno Cabo' - apelido do general Bonaparte (posteriormente imperador Napoleão I) popular entre o exército francês. p. 103129 ). O dezoito de Brumário do idiota pelo dezoito de Brumário do gênio! E a mesma caricatura nas circunstâncias da segunda edição do Dezoito de Brumário! A primeira vez que a França à beira da falência, desta vez o próprio Bonaparte na soleira da prisão dos devedores; em seguida, a coalizão das Grandes Potências nas fronteiras da França, desta vez, a coalizão Ruge-Darasz na Inglaterra e a Coalizão Kinkel-Brentano na América; então um São Bernardo para cruzar, desta vez, uma companhia de gendarmes deve ser enviada através do Jura; então, mais do que um Marengo a ser conquistado, desta vez, a Grande Cruz da Ordem de Santo André a ser conquistada e o respeito do Berlin National-Zeitung a ser perdido'. - Ed].130

[Em Marengo (norte da Itália), o exército de Napoleão Bonaparte, que cruzou os Alpes no Passo de São Bernardo, derrotou o exército do general austríaco Melas em 14 de junho de 1800.

“Uma companhia de gendarmes deve ser enviada através do Jura” - Marx se refere aqui ao conflito entre a França e a Suíça em dezembro de 1851 a janeiro de 1852 sobre a demanda de Luís Bonaparte para a deportação dos refugiados republicanos franceses da Suíça. O Jura - uma cordilheira na fronteira franco-suíça. Ordem de Santo André - a ordem mais elevada do Império Russo. Marx aparentemente se refere à necessidade de Luís Bonaparte ser reconhecido pelo czar russo Nicolau I. p. 103131].

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; eles não o fazem sob circunstâncias selecionadas, mas sob circunstâncias já existentes, dadas e transmitidas do passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa como um Alp no cérebro dos vivos. E assim como parecem ocupados em revolucionar a si mesmos e as coisas, criando algo que não existia antes, precisamente em tais épocas de crise revolucionária, eles ansiosamente invocam os espíritos do passado a seu serviço, emprestando-lhes nomes, lemas de batalha, e trajes para apresentar esta nova cena na história mundial em disfarces consagrados e linguagem emprestada.

Assim, Lutero colocou a máscara do Apóstolo Paulo,

a Revolução de 1789-1814 revestiu-se alternadamente na forma da República Romana e do Império Romano,

e a Revolução de 1848 não sabia nada melhor a fazer do que parodiar, ora 1789, ora a tradição revolucionária de 1793-95.

Da mesma forma, o iniciante que aprendeu uma nova língua sempre a traduz de volta para sua língua materna, mas assimila o espírito da nova língua e se expressa livremente nela apenas quando se move nela sem se lembrar da antiga e quando se esquece sua língua nativa.

Quando pensamos sobre essa evocação dos mortos da história mundial, uma diferença saliente se revela.

Revolução Francesa

Camille Desmoulins, Danton, Robespierre, St. Just, Napoleão, os heróis, bem como as festas e as massas da velha Revolução Francesa, cumpriram a tarefa de seu tempo - desencadear e estabelecer a sociedade burguesa moderna - em trajes romanos e com frases romanas.

A primeira destruiu o fundamento feudal e cortou as cabeças feudais que nele haviam crescido. A outra criou na França as únicas condições sob as quais a livre competição poderia ser desenvolvida, à terra repartida apropriadamente usada e o poder produtivo irrestrito da nação empregado; e além das fronteiras francesas, varreu as instituições feudais em todos os lugares, para fornecer, na medida do necessário, sociedade burguesa na França com um ambiente adequado e atualizado no continente europeu. Uma vez estabelecida a nova formação social, os colossos antediluvianos desapareceram e com eles também o romanismo ressuscitado - os Brutus, os Gracchi, os publicolas, os tribunos, os senadores e o próprio César.

A sociedade burguesa

A sociedade burguesa em sua sóbria realidade criou seus próprios verdadeiros intérpretes e porta-vozes nos Says, Cousins, Royer-Collards, Benjamin Constants e Guizots; seus verdadeiros líderes militares sentavam-se atrás da mesa do escritório e o cabeçudo Luís XVIII era seu chefe político. Totalmente absorto na produção de riquezas e na luta pacífica e competitiva, não se lembrava mais de que os fantasmas do período romano zelavam por seu berço.

Tragédia

Mas, embora não seja heroica a sociedade burguesa, ela precisava de heroísmo, sacrifício, terror, guerra civil e guerras nacionais para trazê-la à existência. E nas austeras tradições clássicas da República Romana, os gladiadores burgueses encontraram os ideais e as formas de arte, as auto-ilusões, que eles precisavam esconder de si mesmos o conteúdo limitado pela burguesia de suas lutas e manter sua paixão no alto plano da grande tragédia histórica.

Revolução inglesa

Da mesma forma, em outro estágio de desenvolvimento um século antes, Cromwell e o povo inglês haviam tomado emprestado do Antigo Testamento o discurso, as emoções e as ilusões para sua revolução burguesa. Quando o objetivo real foi alcançado e a transformação burguesa da sociedade inglesa realizada, Locke suplantou Habacuque.

Paródia

Assim, o despertar dos mortos nessas revoluções serviu ao propósito de glorificar as novas lutas, não de parodiar as antigas; de ampliar a tarefa dada na imaginação, não recuar de sua solução (...); de reencontrar o espírito da revolução, de não fazer seu fantasma voltar a andar.


De 1848 a 1851, apenas o fantasma da velha revolução circulou - de Marrast, o républicain en gants jaunes [Republicano de luvas amarelas132], que se disfarçou do velho Bailly, até o aventureiro que esconde seus traços triviais e repulsivos por trás da máscara mortuária de ferro de Napoleão. Toda uma nação, que pensava ter adquirido um poder de movimento acelerado através de uma revolução, repentinamente se viu recuada a uma época extinta e, para tirar qualquer dúvida sobre a recaída, as velhas datas voltam a surgir - a velha cronologia, os antigos nomes, os antigos éditos, que há muito haviam se tornado objeto de estudos sobre antiquários, e os antigos asseclas da lei que pareciam mortos há muito tempo.

Inglês Louco de Bedlam

A nação se sente como o inglês louco em Bedlam [Bedlam era um asilo para lunáticos, infame na Inglaterra]que pensa que está vivendo no tempo dos antigos faraós e diariamente lamenta o árduo trabalho que deve realizar nas minas de ouro da Etiópia, aprisionado nesta prisão subterrânea, uma lâmpada pálida presa em sua cabeça, o supervisor dos escravos atrás dele com um chicote longo, e nas saídas uma confusão confusa de escravos de guerra bárbaros que não entendem nem os trabalhadores forçados, nem entre si, já que não falam uma língua comum. "E tudo isso", suspira o inglês louco, "é esperado de mim, um bretão de nascimento livre, para fazer ouro para os faraós." “Para pagar as dívidas da família Bonaparte”, suspira a nação francesa. O inglês, enquanto não estava em seu juízo perfeito, não conseguia se livrar de sua ideia fixa de mineração de ouro. Os franceses, enquanto estiveram envolvidos na revolução, não conseguiram se livrar da memória de Napoleão,

[em 1848, quando Louis Bonapart foi eleito presidente da República Francesa] [Em 10 de dezembro de 1848, Luís Bonaparte foi eleito presidente da República Francesa por maioria de votos. p. 105 133]

foi provado.

Eles ansiavam por retornar dos perigos da revolução às panelas de carne do Egito

[A expressão "suspirar pelas panelas de carne do Egito" é tirada da lenda bíblica, segundo a qual, durante o êxodo dos israelitas do Egito, os covardes entre eles desejaram ter morrido quando se sentaram perto os potes de carne do Egito, em vez de passar por suas provações atuais no deserto]

[Como a Bíblia diz (Êxodo 16: 3), durante o êxodo dos judeus do Egito, os covardes entre eles, deprimidos pelas dificuldades da jornada e pela fome, começaram a suspirar pelos dias passados no cativeiro, quando tinham pelo menos algo para comer. A expressão "suspirar pelas panelas de carne do Egito" tornou-se um provérbio. p. 105 134], e 2 de dezembro de 1851 [a data do golpe de Estado de Luís Bonaparte], foi a resposta. Agora eles têm não apenas uma caricatura do velho Napoleão, mas do próprio Napoleão, caricaturado como ele deveria ser em meados do século XIX.

O Futuro

A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, mas apenas do futuro. Não pode começar por si mesmo antes de se livrar de todas as superstições sobre o passado. As primeiras revoluções exigiam lembranças da história mundial passada para sufocar seu próprio conteúdo. A revolução do século XIX deve permitir que os mortos enterrem seus mortos para chegar ao seu próprio conteúdo [Cf. Mateus 8:22 .— Ed.]. Lá, a frase foi além do conteúdo - aqui o conteúdo vai além da frase.135



Veja-se que é Hegel, nesse fragmento do 18 do Brumário. O tema é a repetição histórica. Marx usa como fundamento uma ideia anterior, proposta por Hegel, que, na visão política do primeiro, vem a calhar no debate histórico da França no século XIX. Mas não só na França, também em outros momentos da história. Então, parte-se de uma teoria geral para se aplicar no contexto histórico. Ou seja, considera-se que a história pode ser lida dessa maneira, como hipótese. Será em alguns casos? A história geral, história mundial, da humanidade, é possível? Um fato, ao que parece, está cada vez mais claro, que a história é “minuciosa”. O assunto é o movimento dialético, as formações históricas, o desenvolvimento histórico. Nota-se aqui o quanto as ideias de Hegel influenciam seus contemporâneos.


Por outro lado, outra é uma situação, fatual ou hipotética, de crise da sociedade, no momento em que formas históricas estão ultrapassadas e precisam de novas estruturas. As máscaras antigas, já não servem mais, pois já não são reconhecidas enquanto tal, pois foram desmascaradas, desnudadas, de alguma forma, perante uma determinada sociedade. Embora, por temor do novo, segundo Marx, estas máscaras antigas ressurjam, ressuscitem, como um desejo coletivo, numa tentativa de renovação, mas que, na opinião de Hegel e de Marx, são formas históricas arruinadas, decadentes, deslegitimadas pela sociedade.


Veja-se que existe uma teoria das instituições, de seus limites, de seu término e esquecimento. Se, de um passado recente, pode-se ter uma visão geral de determinadas instituições, se buscarmos o tempo mais longínquo, distante, muita coisa se perdeu ou ficou ininteligível, incompreensível, como uma língua supostamente morta ou um código indecifrável. Esse passado, distante, pode ser resgatado, pela ciência histórica? Usando de ciências auxiliares, a histórica pode resgatar o passado, a partir dos fatos e interpretações, num todo complexo, como obra aberta. Veja-se o caso dos homens considerados primitivos, sociedades sem escrita, que colocavam flores em torno dos mortos, considerados “sem alma”.


Ralph Solecki, um arqueólogo cuja pesquisa ajudou a desmascarar a visão dos neandertais como sem coração e estúpidos cruéis e inspirou uma série popular de romances sobre a vida pré-histórica, morreu em 20 de março em Livingston, New Jersey. Ele tinha 101 anos. A causa foi pneumonia, disse seu filho William. Começando em meados da década de 1950, liderando equipes da Universidade de Columbia, o Dr. Solecki descobriu os esqueletos fossilizados de oito adultos e duas crianças de Neandertal que viveram dezenas de milhares de anos atrás no que hoje é o norte do Iraque. O Dr. Solecki, que também era antropólogo do Smithsonian Institution na época, disse que as evidências físicas na caverna Shanidar, onde os esqueletos foram encontrados, sugeriam que os neandertais cuidavam dos fracos e feridos e que também enterraram seus mortos com flores, sendo colocados de forma ornamentada e possivelmente selecionados por seus benefícios terapêuticos. Os ossos exumados de um homem, chamado Shanidar 3, que era cego de um olho e não tinha o braço direito, mas que sobreviveu por anos após ser ferido, indicava que seus companheiros de Neandertal ajudaram a lhe fornecer sustento e outros categorias de apoio. “Embora o corpo fosse arcaico, o espírito era moderno”, escreveu o Dr. Solecki na revista Science em 1975. Grandes quantidades de pólen encontradas no solo em um túmulo sugeriram que os corpos podem ter sido sepultados cerimonialmente com bluebonnet, hollyhock, grape hyacinth e outras flores - uma teoria que ainda está sendo explorada e ampliada. (Alguns pesquisadores levantaram a hipótese de que o pólen pode ter sido transportado por roedores ou abelhas, mas a teoria do Dr. Solecki tornou-se amplamente aceita.) “A associação das flores com os neandertais adiciona uma dimensão totalmente nova ao nosso conhecimento de sua humanidade, indicando que ele tinha uma 'alma'”, escreveu o Dr. Solecki. Além disso, se as flores fossem confirmadas como selecionadas por seu valor medicinal, disse ele à Academia de Ciências de Nova York em 1976, a descoberta indicaria que "os neandertais possuíam um sistema de comunicação mutuamente abrangente - em suma, uma linguagem falada". O próprio título do primeiro livro do Dr. Solecki, publicado em 1971, deixava claro seu esforço de reabilitação. Chamava-se “Shanidar: o primeiro povo da flor”. Seus outros livros incluem “Shanidar: The Humanity of Neanderthal Man” (1972) e “The Proto-Neolithic Cemetery in Shanidar Cave” (2004), este último livro escrito com sua esposa e colega arqueóloga, Rose L. Solecki, e Anagnostis P. Agelarakis. Os cientistas permanecem maravilhados com o que o Dr. Solecki descobriu e, armados com a tecnologia mais recente, ainda estão interpretando o que as evidências físicas dos esqueletos e dos vários enterros implicam.“O que está claro é que o aglomerado de corpos no 'enterro de flores' parou em uma área muito restrita, mas não exatamente no mesmo nível geológico, portanto, provavelmente não exatamente em simultâneo”, afirmou o arqueólogo Christopher Hunt citado como dizendo na Science este ano. “Então, isso pode apontar para alguma forma de intencionalidade e memória de grupo à medida que os neandertais voltaram ao mesmo lugar ao longo das gerações”. A romancista Jean M. Auel se inspirou na pesquisa do Dr. Solecki para escrever “O Clã do Urso das Cavernas” (1980), o primeiro de sua série de narrativas “Crianças da Terra” sobre a evolução da humanidade. A Sra. Auel disse que Shanidar 3 foi a inspiração para o personagem Creb. No início dos anos 1950, o Dr. Solecki era um estudante graduado da Columbia em outra escavação na montanhosa região curda do Iraque. Em busca de um local de escavação potencialmente fértil, ele foi direcionado pelos habitantes locais ao vale do Rio Grande Zab e à caverna Shanidar, nas montanhas Zagros. O portal da caverna, 2.500 pés acima do nível do mar, abria para um interior cavernoso de 3.000 pés (0,91 km) quadrados com tetos de 20 pés (ca. 6 m) de altura. Sua descoberta de restos mortais e artefatos o tornaria um local singular de Neandertal na Ásia Ocidental. Em 1955, o Dr. Solecki casou-se com Rose M. Lilien e voltou com ela para o Iraque, onde o casal morava em um quartel da polícia de pedra, sem água encanada ou banheiros. Seus aposentos eram pouco melhores do que a caverna natural que o Dr. Solecki estimou ter sido o lar de cerca de 3.000 gerações. Ele forneceu aos pesquisadores o que ele descreveu como “uma imagem consecutiva em câmera lenta” da evolução da humanidade. “Raramente os arqueólogos têm a chance de ver uma sucessão tão clara do desenvolvimento do homem ao longo de um período tão longo”, disse ele à Scientific American em 1957. Ele desenterrou os ossos em um estrato começando a 5 metros abaixo da superfície da caverna e chegando a 15 metros abaixo dela, onde a rocha começa. O primeiro esqueleto que Solecki encontrou foi de um homem que provavelmente estava dormindo na caverna quando foi atingido e morto por rochas calcárias soltas por um terremoto. Outro homem parecia ter sido enterrado por outros neandertais. Um terceiro, escavado em 1957, viveu entre 35.000 e 45.000 anos atrás. Ele tinha quase 50 anos e, com sinais de um corte profundo em sua costela esquerda de uma pedra ou lâmina pontiaguda, pode ser a vítima de assassinato mais velha conhecida. (Seus restos mortais estão agora no Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution.) Quando o Dr. Solecki e sua esposa voltaram ao local novamente em 1960, encontraram um quarto esqueleto, com evidências de flores funerárias ou pólen de ervas possivelmente usadas como remédio. “Alguém na última era glacial deve ter percorrido a encosta da montanha na triste tarefa de coletar flores para os mortos”, escreveu Solecki. “Parece lógico para nós hoje que coisas bonitas como flores devam ser colocadas com os mortos queridos, mas encontrar flores em um enterro de Neandertal que ocorreu cerca de 60.000 anos atrás é outra questão.” Os Neandertais sobreviveram até cerca de 28.000 anos atrás, quando a população Cro-Magnon mais adaptável de Homo sapiens começou a predominar. Stefan Rafael Solecki nasceu em 15 de outubro de 1917, no Brooklyn, filho de imigrantes poloneses. Seu pai, Casimir, vendia seguros. Sua mãe, Mary (Tarnowska) Solecki, era dona de casa. Quando ele tinha cerca de 10 anos, seu interesse pela arqueologia foi despertado por notícias de jornais sobre tesouros sendo desenterrados da tumba do rei Tutancâmon no Egito. Ele começou suas próprias escavações depois que seu pai comprou uma casa em Cutchogue, NY, em North Fork de Long Island. Após arar na primavera, ele e seus amigos, procurariam pontas de flechas e outros artefatos dos índios americanos. Depois de se formar na Newtown High School em Elmhurst, Queens, ele recebeu o diploma de bacharel em geologia pelo City College of New York em 1942. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele serviu no Exército na Europa, onde foi ferido. Ele recebeu um diploma de mestre da Universidade de Columbia; sua tese foi sobre o Forte Corchaug do século 17 , perto da casa da família em Long Island, que mais tarde foi designado um marco histórico nacional. O Dr. Solecki começou a pesquisar locais históricos no Iraque em 1951, como curador associado da Smithsonian Institution. (A espátula de seu arqueólogo agora faz parte da coleção.) Ele voltou em três expedições, uma delas com uma bolsa Fulbright. Ele recebeu um doutorado em antropologia pela Columbia em 1958. O Dr. Solecki, que também era conhecido por suas escavações no Sudão e no Alasca e liderou expedições de Columbia no Oriente Médio e na África, foi o curador de arqueologia do Smithsonian de 1958 a 1959. Ele lecionou em Columbia de 1959 a 1988. Em 1990, ele e sua esposa, que também tem doutorado em arqueologia, ingressou no corpo docente da Texas A&M University. Eles se mudaram para Nova Jersey em 2000 para ficar mais perto de seus filhos. Além de sua esposa e filho William, um geógrafo, professor do Hunter College, fundador e diretor emérito do Instituto para Cidades Sustentáveis da City University de Nova York, o Dr. Solecki deixou outro filho, John, um refugiado oficial das Nações Unidas que foi sequestrado e mantido por dois meses no Paquistão em 2009; e dois netos.136



Ou seja, Ralph Solecki contou uma história de sessenta mil anos. Uma história que aproxima o Neandertal dos homens modernos, “embora o corpo fosse arcaico, o espírito era moderno”. Aplicada a teoria histórica de Hegel e Marx, até que ponto os funerais com flores, entre os neandertais, é algo novo, uma nova compreensão, ou se trata, enfim, de uma farsa, aos procurar, entre os neandertais, sentimentos, alma, preocupações, medicina, semelhantes ao que supostamente existe na sociedade moderna? Até onde, tudo isso, é projeção, é realidade?

Embora o 'enterro de flores' e alguns de seus outros argumentos permaneçam controversos, Solecki fez muito em seus escritos para 'humanizar' os neandertais e enfatizar as semelhanças com nossa própria espécie em seus pensamentos e ações, em contraste com as concepções amplamente difundidas dos neandertais como homens das cavernas brutais. 137



De fato, perante o desconhecido, o pesquisador procura algo palpável, conhecido, para estabelecer uma linha de pensamento. Parece um encadeamento de fatos. No entanto, fica claro que há uma intenção subjacente de conduzir o pensamento, não a partir de fatos, da crítica interna, mas de teorias, que parecem pairar acima do mundo, como que dirigindo os atos humanos.

Uma dessas sepulturas foi descoberta numa caverna na montanha do Zagros, no Iraque, data de cerca 60.000 anos. O sepultamento aconteceu, de forma incomum para a época e Richard E. Leakey e Roger Lewin descrevem- no da seguinte maneira: “A umidade da caverna estava longe de ser favorável à preservação do homem-morto; mas os grãos de pólen sobrevivem muito bem sob essas circunstâncias, e pesquisadores do Museu do Homem, em Paris, que examinaram o solo ao redor do Homem de Shanidar, descobriram que, junto com ele, foram enterradas diversas espécies de flores. De acordo com a distribuição ordenada dos grãos de pólen em volta dos restos fósseis, não há dúvida de que as flores foram deliberadamente arranjadas, excluída a hipótese de terem caído ao acaso na sepultura, quando o corpo estava sendo coberto. É como se a família, os amigos do homem-morto e talvez os membros da sua tribo tivessem ido ao campo e trazido ramalhetes de mil-folhas, escovinhas, cardos-de-são-barnabé, tasneirinhas, jacintos, rabos-de-cavalo-de-pau e um tipo de malva. Os ramos madeirosos do rabo-de-cavalo-de-pau são particularmente adequados para se tecer uma esteira, na qual parece que foi deitado o corpo, e as flores brancas, amarelas, vermelhas, azuis e roxas das outras plantas devem ter contribuído bastante para a cena pungente. O fato de ter sido um sepultamento intencional é, sem dúvida, interessante, porque revela uma aguçada autoconsciência e uma preocupação com o espírito humano. E ter o cadáver sido enfeitado com flores acrescenta um enorme significado. Porém, o mais intrigante de tudo isso é que, das várias espécies de plantas usadas no sepultamento de Shanidar, diversas têm sido usadas até pouco tempo na medicina vegetal local”.138



Não há uma discussão mais ampla sobre sepultamento humano, na história. O enterro dos mortos, é apenas uma das vertentes.

A ideia de liberdade, só existe quando se constrói o novo. Parodiar o passado, não é alicerçar o novo. O novo só existe quando a humanidade assume sua liberdade inata, se livra dos grilhões do passado.

Outra questão que está subjacente, é o fim da história, se é que existe esse fim. Enquanto os espectros sobrevivem, pois, que ainda tem algum sentido, quando esses mesmos espectros não terão mais lógica e cairão, definitivamente, no esquecimento, por falta de serventia? Ao recuperar espectros góticos, que se perdem nas brumas do tempo, até que ponto a humanidade ainda é a mesma quando esses mesmos espectros góticos foram criados?


Ensaios dessa nova feição do demoníaco já se faziam presentes na literatura gótica a partir do século XVIII na Inglaterra. Sem os excessos subjetivistas que se tornariam típicos do Romantismo e utilizando do poder descritivo do realismo para fazer emergir o sobrenatural (ROSSI, 2008 139), o gótico literário abala os ideais neoclássicos da razão, harmonia, moderação e elege como cerne “[...] o horrível, o insano e o demoníaco, escancarando as contradições que marcaram a assim chamada Era da Razão” (VASCONCELOS, 2002, p. 119 140). Em contraste com o enaltecimento do racionalismo e de desenvolvimento científico-tecnológico da Era Vitoriana, o gótico literário revisita um mundo sombreado relativo às mazelas do progresso industrial e urbano inglês. Por isso, apresenta-se como uma “literatura da desrazão e de terror” (VASCONCELOS, 2002, p. 119). (…) Marx não era apenas um leitor de literatura ficcional clássica, mas acompanhava, em certa medida, obras que lhe eram contemporâneas. A crítica literária ao romance, Mistérios de Paris, de Eugène Sue, em A sagrada família, é apenas um exemplo disso. Por essa razão, não surpreende a posição de alguns autores que têm insistido em olhar para a obra magna de Marx como uma espécie particular de “romance de formação” do capital, sob inspiração da literatura gótica de horror do século XIX (WHEEN, 2007) ou de romances da era inglesa vitoriana (KORNBLUH, 2010 141; WHEEN, 2007). Situa-se, nesse contexto, o tropo vampiresco utilizado por Marx:

'Sabemos que Marx gostava de ler histórias de horror, e sabemos que o vampiro era uma forma literária popular no século XIX. Enquanto o romance mais conhecido do gênero, Dracula de Bram Stoker, só foi publicado em 1897, após a morte de Marx, o vampiro em geral teve muita cobertura antes disso. Varney, o vampiro de James Malcolm Rymer, [autoria controversa, podendo ser atribuída também a Thomas Preskettt Prest], por exemplo, foi serializado um ano antes da publicação do Manifesto do Partido Comunista, e estendido a 220 capítulos em 868 páginas' (NEOCLEOUS, 2003, p. 673142).

Também não se pode esquecer do conto The vampyre, a tale, de John William Polidori, em 1819, responsável pela introdução do tema na prosa inglesa. Neocleous (2003, 2005) registra que, para além do contexto vitoriano da literatura gótica, a fonte da metáfora do vampiro em Marx pode ser atribuída também a pensadores iluministas do século XVIII, estudados por ele, como Rousseau e Voltaire, que usaram essa imagem em suas reflexões. No entanto, insiste esse autor, apesar de aproximações possíveis, há elementos verdadeiramente distintivos no uso marxiano dessa figuração. Acompanhamos e desenvolvemos essa indicação de Neocleous neste capítulo. (…) O folhetim Varney, o vampiro, ou o banquete de sangue contribuiu para tornar o vampiro um ícone de destaque da literatura gótica a partir da construção de uma imagem monstruosa. Pela primeira vez em termos literários, o vampiro é descrito como um ser alto e magro, com unhas longas, com olhos terríveis e hipnotizantes e com aquilo que se tornou a sua marca até agora – dentes pontiagudos como presas:

'A figura faz uma meia volta, e a luz incide sobre o rosto. É perfeitamente branco - perfeitamente sem sangue. Os olhos parecem estanho polido; os lábios são repuxados para trás, e a característica principal, ao lado daqueles olhos terríveis, são os dentes - os dentes de aparência temerosa - que se projetam como os de algum animal selvagem, horrivelmente, esplendorosamente brancos e parecidos com presas' (RYMER, 2005, s.p.143). (…) Antes de Drácula, a literatura inglesa já associara o vampiro a uma linhagem aristocrática. William Polidori, jovem médico do Lorde Byron, não apenas fixou o protótipo desse monstro na fala inglesa, mas também estabeleceu “o modelo mais consagrado e conhecido de história de vampiros” (CÂMARA, 2009, p. 7144). Em parte inspirado em Byron, Polidori personifica o vampiro no cruel Ruthwen, um refinado vilão gótico, nas suas palavras, “um nobre inglês” (POLIDORI, 2009, p. 25145). (…) Korasi (2014, p. 18146) afirma que o traço aristocrático do vampiro moderno é de influência romântica. A linhagem nobre aparece nos trajes, hábitos e costumes desse personagem nos romances. Porém, essa influência romântica converge com o revivalismo do gótico medieval, em especial quando se percebe que o local consagrado da moradia do vampiro é o castelo: “[...] um dos símbolos máximos desse vampiro é seu Castelo que, por razões óbvias de retomada do ar sombrio dos castelos medievais, para associar-se ao estereótipo vampírico, foi construído sobre a estética do Neogótico” (KORASI, 2014, p. 87). (…) A perda da sombra ou do reflexo era um tema presente tanto na literatura gótica, como no romantismo alemão. Especificamente no romantismo alemão, esse motivo literário subjugou-se à consagrada discussão sobre o duplo. Em sentido distinto ao tratamento que sofrera anteriormente, o duplo se expressa, no romantismo, com a palavra alemã Doppelgänger, literalmente “aquele que caminha ao lado”, “companheiro de estrada” (BRAVO, 2000, p. 261147). Em contraste com a união primitiva, com a simbiose entre ser humano e natureza, o traço fundamental do duplo romântico é a experiência moderna de um Eu fragmentado. Nesse contexto, ecoa a sua dimensão trágica: esse outro Eu que, ao lado, caminha é um complemento, mas, com frequência, apresenta-se como adversário. Bravo (2000) aponta que, ao testemunhar a dissolução de um Eu homogêneo, o duplo se entrelaça com situações de metamorfoses. É pela metamorfose que o Eu se desdobra, provocando uma relação de atração e repulsa. A sombra e o reflexo são apenas algumas das contemplações literárias desse duplo; como tais, portam essa mesma ambiguidade. (…) Esse universo figurativo que ajuda a compor o personagem gótico do vampiro – fantasmas, espectros, sombra, espelhos – pode ser encontrado de modo disperso na obra marxiana. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx (2004, p. 91-92148) observa que há sujeitos ignorados pela Economia Política: “O homem que trabalha (Arbeitsmensch), o ladrão, o vigarista, o mendigo, o desempregado, o faminto, o miserável e o criminoso, são figuras (Gestalten) que não existem para ela, [...] fantasmas [situados] fora de seu domínio [Gespenster außerhalb ihres Reichs]”. É famosa a menção de Marx e Engels (1998149), na abertura do Manifesto, ao comunismo como um fantasma (Gespenst des Kommunismus) que ronda a Europa e contra o qual as velhas potências europeias se uniram para difamar com discursos falsos, “contos da carochinha” (Märchen). Tantas vezes anunciado como morto pelos poderes dominantes, o movimento comunista afirma sua existência e, tal como um fantasma (mais propriamente, um fantasma vermelho), mostra-se presente, assombrando e ameaçando o arranjo social capitalista. (…) Os motivos dessa não aplicação podem ser variados, e a exatidão de cada um deles está fora do alcance deste estudo. Sugere-se apenas que, a despeito da liberdade de apropriação dessa figuração, Marx pode ter respeitado alguns limites postos pelo imaginário popular e literário do seu tempo. A literatura predominante no momento tinha como protagonista um único vampiro. A novela de 1819, The vampire, a tale, de John William Polidori, o folhetim Varney, or the feast of blood, de Rymer e mesmo o livro Dracula, o vampiro da noite, de Stoker ratificam isso já em seus títulos. A possível concorrência entre vampiros para sugar o sangue humano não ganhou destaque nessas tramas. A alusão da imagem vampiresca do capital no livro 1 parece seguir essa disposição. Ao fazer isso, repercute na compreensão mais abstrata do capital, característica desse livro. Dessa maneira, contribui para uma função bem específica: pôr em evidência o “primeiro apropriador” da mais-valia, esse capitalista que suga diretamente trabalho não pago dos trabalhadores. Ao utilizar essa figuração no livro 1 de O capital, Marx coteja a imagem geral do capitalista com essa personagem gótica, de estirpe nobre. Sob esse prisma, o recurso à literatura gótica ajuda Marx a tornar perceptível que, por trás da maquiagem de contratos jurídicos entre iguais, há uma extorsão social. Mas não apenas isso. (...), dentre os vários sentidos que lhe são atribuídos, o gótico pode referir-se ao “[...] estilo dos romances escritos entre o fim do século XVIII e o início do XIX, sobretudo na Inglaterra, notabilizados pela produção do horror e/ou terror como efeito de recepção” (FRANÇA, 2015, p. 134 150). A era vitoriana (entre a década de 1830 e 1901) lhe serve de contexto predominante, momento auge da revolução industrial e do domínio mundial do Império Britânico. Por essa razão, segundo França (2015), o recurso gótico à repulsa, ao grotesco, ao ódio, ao medo e ao terror está longe de representar delírios da razão: “Os textos góticos fazem convergir uma forma artística altamente estetizada – exatamente porque desprendida da realidade imediata – e uma percepção desiludida da realidade social, do futuro que o progresso científico nos reserva [...]” (FRANÇA, 2015, p. 134). Se visto como subgênero da literatura fantástica, o gótico também faz o seu leitor ser atravessado por uma incerteza:

'Chegamos assim ao coração do fantástico. Em um mundo que é o nosso, que conhecemos, sem diabos, sílfides, nem vampiros se produz um acontecimento impossível de explicar pelas leis desse mesmo mundo familiar. Quem percebe o acontecimento deve optar por uma das duas soluções possíveis: ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto de imaginação, e as leis do mundo seguem sendo o que são, ou o acontecimento se produziu realmente, é parte integrante da realidade, e então esta realidade está regida por leis que desconhecemos. Ou o diabo é uma ilusão, um ser imaginário, ou existe realmente, como outros seres, com a diferença de que rara vez o encontra' (TODOROV, 2007, p. 30151).

(…) O paralelo entre Frenhofer e Marx é instigante. Tal semelhança poderia se expandir caso Wheen explorasse a outra história balzaquiana sugerida a Engels por Marx: Melmoth apaziguado (BALZAC, 1954152). Mesmo sendo eminente representante do realismo literário, Balzac se rende, nesse conto, ao sobrenatural, ao mistério, como forma de homenagear o irlandês Charles Robert Maturin que publicara, em 1820, Melmoth, o errante. A novela gótica de Maturin conta a história de um cavaleiro irlandês do século XVII que prolonga sua vida devido a um pacto com o diabo. Apesar de seus esforços, o protagonista não consegue escapar do destino infernal (LOVECRAFT, 1987153). O Melmoth de Balzac (1954) também retoma Fausto e seu acordo com o diabo, mas para ter riqueza ilimitada durante a vida. Ao contrário do errante, ele salva a sua alma, rompe o pacto com o diabo, pois consegue transferi-lo para um fraudador francês que, por sua vez, repassa a outras vítimas essa maldição. Melmoth morre, então, reconciliado consigo mesmo e com Deus. (…) Além dessas interpretações, Wheen (2007154, p. 83, grifo nosso) considera que a estrutura multifacetada da obra permite que ela seja lida também como:

'[...] um vasto romance gótico cujos heróis escravizados e consumidos pelo monstro que criaram [...]; como uma farsa negra (ao escarnecer a ‘objetividade fantasmagórica’ da mercadoria para expor a diferença entre a aparência heroica e a realidade inglória, Marx emprega uma das técnicas clássicas da comédia e despe a armadura do galante cavaleiro para revelar um atarracado homenzinho de ceroulas); ou como tragédia grega (‘Como Édipo, os atores, no relato feito por Marx sobre a história humana, são tomados por uma inexorável necessidade que se desenrola à revelia de suas ações’, escreve C. Fankel em Marx and Contemporary Scientific Thought. ‘No entanto, tudo que os liga a seu destino é sua própria cegueira trágica – suas idées fixes –, que os impede de ver os fatos antes que seja tarde demais’). Ou talvez seja ele uma utopia satírica como à terra dos Houyhnhnnns no romance As viagens de Gulliver, no qual todas as perspectivas são satisfatórias e somente o homem é vil: na versão de Marx sobre a sociedade capitalista, como no pseudoparaíso equino de Jonathan Swift, o falso Éden é criado pela redução dos homens comuns à condição de impotentes, alienados e brutos'.

(…) As menções literárias em O capital chacoalham ainda mais esse debate: como explicar as citações de obras e literatos nessa obra que não se alinham à tradição realista? Tido como exemplo a não ser seguido por Lassalle, Schiller aparece em O capital. Marx (1985a155, p. 669, p. 689; 2014, p. 479156) faz de sua prosa/poética sua própria voz em alguns momentos. Especificamente quanto à personificação do capital, Marx recorre a Balzac, a Shakespeare, mas também ao gótico inglês e ao romantismo alemão. Há alguns traços romanescos em O capital, como destacam Silva (2018157) e Paula (2008158), mas também alegóricos. 159


De que maneira, contextos tão supostamente diferentes, como o gótico e a modernidade, fazem intercâmbios que permitem a sobrevivência de um e de outro? Até que ponto ou até quando uma suposta filosofia perene, sempiterna, eterno retorno, tem essa qualidade que parece intrínseca, única, “natural”, como que pairando no ar? A ideia de tragédia e de farsa é apenas uma questão de intensidade, de parecência, quando ambas possivelmente fazem parte de uma mesma situação histórica, visto que a pureza do fenômeno é bastante discutível? Não se trata exatamente de desvelar o abscondido, o esquecido, o enterrado, encoberto, o implícito ou o latente, o misterioso, o sagrado, o numinoso. O que se quer discutir é em que condições históricas esses espectros parecem ter vida própria, assombrando as mentes. Nesse sentido, até onde esses espectros, tal como os gênios familiares, compõem o inconsciente de quem os relata, representando continuidades?


Na mitologia romana, as larvas (em espanhol, "larvas") ou lêmures (em espanhol, "lêmures", singular, "lêmure") [Fantasmas, sombras, duendes. Gênios geralmente considerados maléficos entre os antigos romanos e etruscos] eram os espectros ou espíritos da morte; eles eram a versão maligna dos lares. Alguns autores romanos descrevem os lêmures como o nome comum de todos os espíritos da morte e os dividem em duas classes: os lares, ou almas familiares benevolentes, que protegem a domus ou casa, e as larvas, ou almas inquietas e horríveis de homens maus. Mas a ideia mais comum era que os lêmures e as larvas eram iguais. Diziam que vagavam à noite e atormentavam e assustavam os vivos.160



Os lêmures podem representar os espíritos errantes e vingativos daqueles que não receberam um enterro adequado, ritos fúnebres ou culto afetuoso pelos vivos: eles, portanto, não são atestados por tumbas ou inscrições votivas. Ovídio os interpreta como 'di manes' ou 'di parentes' vagabundos, insaciáveis ​​e potencialmente vingativos, deuses ancestrais ou espíritos do submundo. Para ele, os ritos de seu culto sugerem uma tradição rural incompreensivelmente arcaica, quase mágica e provavelmente muito antiga.(...) eles eram chamados de Lemures ou Spectra. Se eles apareciam em semelhança de qualquer defunto para alguns amigos dele, eles eram chamados de vmbræ mortuorum.161


Não se trata de livrar a matéria de qualquer ilusão, o real enquanto tal, pois esse real, enquanto tal, não existe a não ser como representação. Inexiste um espaço, nas nuvens, entre os anjos, em que o real não é fruto de uma disputa política. A discussão fundamental não é entre materialismo “puro” e idealismo, fruto de uma discussão matemática do mundo, porque nem a matemática é assim. A questão é a subjetividade do mundo, a ação do sujeito no mundo, da mudança de consciência. O fato de se defender um materialismo “puro”, pode ajudar na subjetividade que se está a se defender? Não há como imaginar um mundo livre da ideologia, enquanto falsa consciência, visto que, pelo menos até hoje, ninguém limpou o mundo a ponto de dizer que esse lugar é purificado. Nesse sentido, o materialismo puro, acaba com a dialética. Imaginar Marx pensando dessa forma, um mundo sem máscaras, sem espectros, é não compreender o marxismo e, pior, estabelecer o combate contra Marx, a partir de uma visão deturpada do marxismo, não enquanto combate direito, mas usando subterfúgios, a mão de terceiros, para estabelecer a discussão. O mundo não é um jogo de xadrez, embora possa ser representado dessa forma.


Ela não tem necessidade, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer constantemente sobre o solo da história real; não de explicar a práxis partindo da ideia, mas de explicar as formações ideais a partir da práxis material e chegar, com isso, ao resultado de que todas as formas e [todos os] produtos da consciência não podem ser dissolvidos por obra da crítica espiritual, por sua dissolução na “autoconsciência” ou sua transformação em “fantasma”, “espectro”, “visões” etc., mas apenas pela demolição prática das relações sociais reais [realen] de onde provêm essas enganações idealistas; não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história e também da religião, da filosofia e de toda forma de teoria.162



Se pensar o capitalismo, que é, de fato, o que existe, do ponto de vista material, tudo que Marx disse foi antevisão do que aconteceu com o modo de produção, até agora. A “Sociedade do Espetáculo” demonstrou até que ponto chega a mercantilização da obra humana. O desenvolvimento do capitalismo, em suas novas formas, talvez não prevista por Marx, de descolamento do capital da própria produção, demonstram o quanto a economia política pode invadir supostas culturas atrasadas, padronizando pensamentos e obras. Existe todo um discurso artificioso, instrumentalizado, para demonstrar as benesses do capitalismo, escondendo, por outro lado, alienando, colocando para de baixo do tapete, por exemplo, a destruição do próprio mundo em nome de um suposto progresso, crescimento, desenvolvimento.


Focado nesta perspectiva, a preocupação central de McLuhan era entender o papel dinâmico das mídias e das tecnologias, que no que lhe concerne são vistas como meios que articulam o processo básico da construção histórica da sociedade. McLuhan não apenas analisa os meios a partir de sua ligação com as transformações antropológicas e simbólicas, como também trabalha a partir de uma perspectiva diferenciada da história, atribuindo à cultura um papel como um “espelho retrovisor”, visto que se fundamenta no olhar da tradição, do passado, do que tende a ser conservador, enquanto as novas tecnologias apontam para a mudança e a transformação não apenas das técnicas, mas da própria vida social.163



O assunto do passado, como deve ser visto? O passado, já está morto? O passado é uma categoria de melancolia? O passado é uma categoria de barroquismo? Existem intervalos entre o passado e o presente, momentos de transição? Aqui fica esclarecido de que trauma está se falando. O trauma, é a reconstrução do passado.


Os termos construídos com o prefixo ‘pós’ — entre os quais se incluem, além dos citados ‘pós-biológico’ e ‘pós-humano’, também ‘pós-moderno’, ‘pós-urbano’ e ‘pós-história’ — indicam um intervalo de tempo em que um acontecimento passado perdura sob a forma de efeitos colaterais. No período pós-operatório, por exemplo, o paciente ainda precisa dos cuidados do cirurgião, a despeito do término da cirurgia. Na era pós-colonial, da mesma forma, a sociedade ainda mantém traços das antigas hierarquias, apesar de encerrado o regime de colônia. Em certo sentido, ocorre um acúmulo de tempos defasados, espécie de futuro que se projeta sobre o presente, e o modifica apesar dos ecos que ressoam deixando no ar sons emitidos antes da mudança. Trata-se, portanto, de uma mistura intrincada, enquanto nomeada não por um novo termo, mas por uma palavra derivada. Além disso, trata-se de passagem que pode ser vista de outro ângulo: e se essa aparente relação justaposta entre presente e futuro for, de fato, uma imagem do passado que brilha no presente, como uma estrela morta? Em The medium is the massage, McLuhan descreve essa defasagem como uma categoria de nostalgia comum na cultura das mídias, em que o habitante das metrópoles sente-se exilado em seu próprio território, saudoso de uma cidade inexistente, passado de uma paisagem mutante e imprevisível. Em seu livro gráfico com Quentin Fiore, o teórico canadense afirma que “em face de uma situação totalmente nova, tendemos a sempre nos prender a objetos, ao sabor do passado mais recente”. Para McLuhan, nesse momento olhamos “para o presente pelo espelho retrovisor. Marchamos de ré para o futuro164. O trecho a seguir de Mulheres, de Philippe Sollers, ilustra uma categoria de sentimento de mobilidade característico das grandes cidades que não inspira sentimentos melancólicos. É justamente essa ausência de centro que move o personagem de Sollers: “Essa é a liberdade dos nossos tempos... Separar, instalar compartimentos estanques, mudar o cenário... Multiplicar as cenas, seguir as diagonais, passar... É isso que mais amo em Nova Iorque... A mudança de cenário quando queremos, o espaço flutuante, as distâncias... Levanta-se um braço, um táxi, o dia acaba, outro lugar também é o centro...”165. A passagem a que os termos ‘re’ e ‘pós’ remetem é, no entanto, bastante emaranhada. Não por acaso, Omar Calabrese166 relaciona o período entre os anos 60 e o início do século XXI com o barroco, época em que as dualidades do pensamento fizeram-se enredar umas nas outras da maneira mais intensa que se pode experimentar até o momento. No entanto, a cultura digital atenua esse movimento intrincado, confirmando a afirmação de Lúcia Santaella167 de que a cultura das mídias foi um intervalo, um momento de passagem entre a cultura de massa e a cultura digital. Ao perceber como a noção de pós-modernismo tornou-se banal e incorreta, Hal Foster168 pergunta se, a despeito disso, devemos a render169? Para ele, não há como julgar a correção de um conceito como ‘pós-moderno’. O mesmo vale para vários termos que emergem no contexto da cultura digital, que o presente trabalho evita. A hipótese é de que os ecos tardios da modernidade soam com intensidade decrescente, conforme se consolida a cultura mundializada de contrastes transversais em que as redes de computadores se inserem. Foster desenvolve sua discussão sobre o pós-moderno por meio de um conceito que pode ser aplicado à discussão aqui proposta, a saber a noção freudiana de ‘ação protelada’ (Nachträglichkeit). Em seu texto, Foster explica que, para Freud, “a subjetividade nunca se assenta de uma vez por todas, é estruturada como num revezamento de antecipações e reconstruções de eventos que podem se tornar traumáticos no decorrer desse próprio revezamento”. Por isso, ele defende que “modernismo e pós-modernismo são constituídos de forma análoga, em ação protelada, como um processo contínuo de futuros antecipados e passados reconstruídos”. Fazer a arqueologia de uma idéia não é exatamente a mesma coisa que estabelecer sua cronologia, já que o tempo não é uma seqüência linear e o espaço não é um campo definido. Pensar sobre os elos entre passado, presente e futuro é mais complexo que eleger datas inaugurais, estabelecer deslocamentos de eixo como o proposto para justificar o abandondo de termos como ‘híbrido’ e ‘pós-moderno’ a partir de sua inserção em um contexto cultural diferente do que está sendo analisado, ou indicar a relação entre um termo que fala sobre o novo de forma ainda difusa e o estágio embrionário que ela possivelmente está a descrever. Apesar dessa complexidade, que pode ser expressa pela idéia já desenvolvida de que os períodos históricos se justapõe em camadas cumulativas, elípticas ao invés de cronológicas, é importante observar como fazer a crítica do presente depende também de encontrar o que lhe é específico, aquilo que permite olhar para o que escapa na curva pouco exata que faz avançar a trama dos dias que passam, retorno inexato ao que nunca se repete exatamente da mesma forma, elo com um passado que traz consigo um índice que o impele à redenção, conforme descrito por Walter Benjamin:

'“O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm, as mulheres que cortejamos, irmãs, que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente”170. breve história da elipse. Em História e narração em Walter Benjamin, Jeanne Marie Gagnebin171 explica que o filósofo das travessas propõe “uma apreensão do tempo histórico em termos de intensidade e não de cronologia”, o que permite “ler a filosofia da história e a filosofia da linguagem de Benjamin como uma reflexão centrada na modernidade, no profundo co-pertencimento do eterno e do efêmero”. Apesar do ritmo de vida contemporâneo ser mais fragmentário que na época de Benjamin, a forma com que ele reflete sobre a vida nas cidades ainda é legítima. O contínuo hiperveloz que constrói o efeito do eternamente efêmero descrito por Paul Virilio e Zigmut Bauman, entre outros, não elimina a tensão entre passado e presente. Há acentuação, e não ruptura; as contradições persistem, e escapam pelas frestas e pontos da rede mundial. Nos vãos entre antes e depois, é possível narrar a passagem de um tempo que não gira com os ponteiros do relógio. Nesse contexto, é mais importante aprender a pensar na velocidade dos cliques que torcer por um tempo lento, tempo que retorna nos clarões dos esquecimento ou nos intervalos de silêncio a que o visitante dos fragmentos contemporâneos pode se entregar quando interrompe suas derivas, quando estanca o fluxo de conexões habitual. Esse tempo obtuso da elipse, perfurado de intervalos estranhos ao regime dos minutos em sucessão, é avesso ao marcos inaugurais, pausas que escapam do instante mesmo em que se dá o desvio do igual rumo ao diferente. Para Foucault: “Paul Rée se engana, como os ingleses, ao descrever gêneses lineares, ao ordenar, por exemplo, toda a história da moral através da preocupação com o útil: como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos, sua direção, as ideias, sua lógica”. Para Foucault, a descrição de gêneses lineares atua “como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias”. Para evitar esse equívoco, ele acredita que há, “para a genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como não possuindo história /.../ apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos”. Essa forma de voltar ao diferente corresponde à figura da elipse. Essa figura da elipse pode ser relacionada com dois categorias de interface que aparecem no presente trabalho: (a) a de justaposições de difícil controle utilizada para (des)organizar a navegação no protótipo incluído como anexo do presente volume; (b) as dos exemplos de site que desafiam a lógica de organização como das primeiras páginas de jornal ou ao modelo da enciclopédia bastante comuns na internet, conforme analisados em samplear é impreciso?172 . Um aspecto importante dessa genealogia proposta por Foucault é a busca pela marca singular dos acontecimentos; aí o filósofo revela de maneira discreta o projeto, explícito em A ordem do discurso173, de entender o lugar da psicanálise e da arqueologia nos estudos de linguagem. Ao fazê-lo, em certo sentido retoma de outro ponto o método benjaminiano. Essa intersecção entre ambos sugere um pensamento conceitual que aceita o embricamento de espaço e tempo. Esse embricamento dificulta entender o cérebro como uma ‘rede’ de neurônios. O funcionamento mental não é apenas ligação, mas relação espacial, sobreposição de camadas que se contaminam. Saber que a memória também organiza as coisas espacialmente têm implicações importantes para a discussão sobre as possíveis formas de mistura entre mídias em interfaces digitais. Os termos construídos com prefixos como “re” e “pós” marcam a necessidade de um vocabulário que expande os limites semânticos estáveis no dicionário. Nos dois casos, no entanto, é necessário observar com calma qual o papel do prefixo na formulação conceitual proposta, e até mesmo recorrer ao sentido original dos termos usados, para saber se eles não são capazes de contemplar os fenômenos que o novo termo pretende descrever. Será que as mudanças no desenho das sociedades modernas, no que elas implicam de mudanças na forma como as cidades se organizam e os seres humanos se comportam, implicam realmente nesse a posteriori que, paradoxalmente, não se faz pelo nomear a diferença sugerida por sua posteridade? Ou será que se trata de homens e cidades não tão diferentes assim? Qual o nome do que surge depois do moderno, de sua cidade, de seu homem? Por que, nesse momento da história, ocorre chamar de ‘pós’ algo que indica, mais que continuidade, rompimento? Ou estariam enganados, então, os diversos analistas que, como Nicholas Negroponte quando descreve a era pósinformacional, Bob Stein quando acredita que a invenção do computador terá impacto semelhante ao da invenção da imprensa, e Eric McLuhan, quando atualiza o pensamento do pai para uma leitura do contemporâneo, acreditam que a cultura digital marca uma grande ruptura com o passado?174



A consciência, para Marx, é consciência socializada; mas isso não quer dizer que o indivíduo não exista enquanto totalidade. Imaginar que o indivíduo não existe enquanto consciência, é jogar a água do banho com a criança.


Portanto, buscar os vestígios, os rastros, os sulcos, desses espectros, é apenas uma parte do trabalho. O fundamental, com certeza, é o quanto a realidade é afetada, tocada, pelos espectros.


O estudo dos espectros passa pela psicanálise, mas não se reduz à psicanalítica. Embora, na visão moderna, a obra de Marx possa ser lida com os olhos da psicanálise, as fontes onde Marx bebeu, das quais, as vezes, Freud vai fazer uso, com outros objetivos. A literatura, em ambos, também é expressão real.


Ah, o amor de Marx por Shakespeare ...! É uma coisa conhecida.175


Sófocles, Shakespeare, Goethe, Dostoiévski, Ibsen, Heine, Schiller... Todo aquele que já se debruçou sobre o texto freudiano não ignora a freqüência com a qual o pai da psicanálise cita estes, e muitos outros, autores literários. Isto acontece ao longo de toda a sua obra, ou seja, não se trata de uma característica específica de determinado momento de construção teórica, mas antes de uma constante em sua produção psicanalítica. Se podemos afirmar que Freud foi um pensador ousado, disposto a rever alguns pontos de vista, reelaborar conceitos e noções, romper com colaboradores por divergências técnicas e teóricas, mais significativa parece ser esta ininterrupta interlocução com os escritores. Freud nunca deixou de qualificar o conhecimento que os autores literários têm da mente. (…) Ele ainda chama os autores literários de “aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta” (FREUD, 1907 [1906], p. 20176). (…) Neste mesmo texto ainda declara: “Também no campo dos atos sintomáticos a observação psicanalítica tem de conceder prioridade aos autores literários. (…) Os autores literários são para ele interlocutores privilegiados, pois a um só tempo precederam os demais no testemunho e expressão de seus conhecimentos da psique humana e, de certa maneira, legitimam com este conhecimento as teorias de Freud. 177



No desenvolvimento deste primeiro capítulo, chamamos a atenção do leitor para aquelas passagens nas quais, Freud propõe um elo entre a vida e a obra dos autores literários. (…) Para iniciar este tópico, poderíamos fazer um tipo de pastiche do primeiro capítulo desta dissertação nos seguintes termos: “Poe, Gide, Duras, Wedekind, Joyce178... Todo aquele que já se debruçou sobre o texto lacaniano não ignora a frequência com a qual o psicanalista francês cita estes, e muitos outros, autores literários. Isto acontece ao longo de toda a sua obra, ou seja, não se trata de uma característica específica de determinado momento de construção teórica, mas antes de uma constante em sua produção psicanalítica”. Assim demonstraríamos que Lacan não rompeu com a tradição freudiana de, em seu ensino, manter um diálogo com os autores literários. (...) Desta forma, é verdadeiro sublinharmos que, além de manter uma interlocução com os autores literários, seguindo o caminho aberto por Freud, Lacan sustentou um diálogo que pudesse ser profícuo para a práxis psicanalítica e, talvez ainda, para a teoria da literatura.179


Quando Marx utilizou a ideia de Espectro, foi uma licença, figura de retórica, uma contaminação do discurso político-econômico, ou é uma incapacidade da compreensão do manancial proposto?


Pela própria conjuntura da época, pelo contexto histórico, o uso que Marx faz do espectro, parece sugerir uma certa preocupação com a estética. É como que Marx quisesse trazer, para seus escritos, visões que tinha sobre a sociedade, em que a literatura, a pintura, primavam por representar.


Antes do cristianismo, existiam outras criaturas não benéficas que assustavam e matavam as pessoas, ainda que não fossem definidas como demônios. Entre elas havia, por exemplo, larvas, palavra que significa “almas funestas dos mortos”; mas no latim dos cristãos o termo chegou a significar “demônio” ou “máscara demoníaca” (Schmitt, 1999: 27180). Com o cristianismo, portanto, os espíritos diversos do paganismo tornaram-se sobretudo demônios, mantendo ainda, pelo menos na baixa Idade Média, as características peculiares identificadas por Santo Isidoro de Sevilha, na última parte do livro VII, dedicado a Deus, aos anjos e aos santos. Segundo o escritor das Etimologias, existiam os incubus (“deitar-se por cima de”), seres masculinos que seduziam as mulheres, as lamias, seres comparados com as strigae, e osnomeados, larvas. Foi, mais tarde, Incmaro de Reims (806-882) quem conjugou os demônios femininos na nomenclatura de sucubus (“deitar-se por baixo de”) – que, por reverso, seduziam os homens – e inclui nos incubus os pilosi (“peludos”), ou seja, as divindades menores da Antiguidade: faunos, sátiros e pan [É um deus caracterizado pelos pés de cabra e por ser uma divindade fortemente instintiva e dominada por uma insaciabilidade sexual, que o obriga, muitas vezes, à masturbação (Chevalier, Gheerbrant, 2011: 181181). O “cabrão” (bode) para os romanos era símbolo de luxúria, evoluindo tal signo para uma noção de animal impuro com a necessidade de procriar (Chevalier, Gheebrant, 2011: 203). Portanto, através de mudanças de pensamento, na Idade Média o deus – caracterizado pelo instinto do “cabrão” – torna-se um demônio. Villeneuve (1998: 726182) acrescenta ainda a esta definição outra vertente, afirmando que Pan tinha como consorte Lilith, demónio sucubus luxurioso. Ciumenta e impúdica, raptava os recém-nascidos para os devorar e escondia-se nas casas em ruínas ou nas latrinas (Villeneuve, 1998: 543)]. No entanto, entre os diabos femininos ele introduz as ninfas e os espíritos da floresta (Schmitt, 1997: 60183).184



Então, pode-se afirmar que o uso de espectros é simplesmente uma questão retórica? Não parece, visto que o uso de espectros sintetiza o que Marx imagina ser alienação, em busca de uma racionalidade possível. Pode-se fazer uma leitura dos espectros a partir da psicanálise? Com certeza. Mas não era exatamente o que Marx pretendia, nesta opinião. O uso dos espectros, também é representativo do pensamento do século XX? Com certeza.


Quando se lê esse fragmento da obra de Marx, é como decodificar uma profecia, à maneira de Nostradamus. É bom para Marx ou para Nostradamus? No caso de Nostradamus, recupera-se o século XVI; no caso de Marx, o século XIX. Nos dois casos, a minúcia, faz parte. Essa minuciosidade, é comum para quem quer resgatar a história da época.


A tradução, enfim, nasce como um problema comum a muitos autores que resgatam o passado europeu, que não faz parte do passado de outros povos, embora, numa visão eurocêntrica, muita gente acredite nessa possibilidade.


Poucos autores citam Marx, no original, querendo, com isso, legitimar uma tradução, como um padrão aceite. O problema é que não se trata somente de palavras, expressões, literais. Parece que existe uma tradução para o gasto, e uma tradução para os acólitos, no sentido de fiéis seguidores.


Qual o prejuízo dessa compreensão da tradução? Difícil de avaliar. Milhares de jovens estudantes leem as versões populares da obra de Marx. Ao lerem versões vulgares, até onde o Marx que é lido não é também vulgar?


Existem versões vulgares de Nostradamus, que acaba não contribuindo para uma melhor compreensão do tempo em que viveu o autor das profecias, que expressam, para os estudiosos, uma série de detalhes sobre a história da Europa.


Lembra também o caminho seguido pelos estudiosos de Marco Polo. Embora muitas dúvidas sobre a veracidade do que Marco Polo escreveu, nos séculos XIII e XIV, seus admiradores não cansam de observar a obra do viajante como um manancial histórico inesgotável sobre o Oriente da época.


O que tem em comum Marco Polo, Nostradamus, Marx? A complexidade da leitura. Essa deve ser a premissa para uma boa leitura de Marx.


O uso que Marx fez de expressões da literatura, faz parecer que mais escreve poesia do que filosofia. Pareceria retórica, mas, na verdade, é mais que isso: é a tentativa de traduzir em palavras uma racionalidade que oscila entre a realidade dos fatos, a história, o concreto, e a força, quase que esmagadora, da ideologia, subentendida como falsa consciência.


É exatamente essa falsa consciência, considerada por alguns como um trauma, sendo traduzida como o passado de uma determinada comunidade. Para criar o novo, como um lamento, a sociedade procura o seu passado, como uma obsessão. Uma pergunta: O trauma, é de quem? Um trauma social?

Na revolução russa, o assassinato, o fuzilamento da família real, foi um trauma, não esclarecido; é disso de que se está falando? E na revolução francesa, a guilhotina? Daí as lamentações e os ressentimentos?


Esse lamento, lembra as carpideiras. “De acordo com Tom Lutz, em seu livro 'A História Cultural das Lágrimas', nos tempos antigos, o luto dos enlutados ajudava a limpar a alma do falecido e a trazê-lo à plenitude185.


Conforme o livro de Tom Lutz, Crying: The Natural and Cultural History of Tears, “O mais antigo registro escrito de lágrimas é encontrado em tábuas de argila cananéia datadas do século XIV AC. Um dos fragmentos conta a história da deusa virgem Anat, irmã de Baal, ao ouvir a notícia de sua morte. Muito naturalmente, ela chora com a notícia”. A tabuinha diz que quando Anat chora, ela se sacia de choro e bebe suas lágrimas como vinho. Esta é também a primeira descrição escrita que temos de lágrimas trazendo alguém de volta à vida. Ba'al é revivido pelas gotas dos olhos de sua irmã. O Tangled da Disney tem a mitologia cananéia antiga para agradecer pelo renascimento de Eugene. As lágrimas também constituem os momentos mais emocionantes da fundação do cânone ocidental. Na Ilíada, Aquiles e Príamo “choraram perto” das perdas e “o som do seu luto invadiu a casa”. O choro funcionou como prova de devoção viril quando derramado sobre um guerreiro digno. As lágrimas eram tão importantes para a devoção religiosa na Idade Média, que inventores projetaram autômatos que podiam chorar! Meu favorito é um autômato da Virgem Maria com uma tigela de água na cabeça. A água estava cheia de peixes. Enquanto os peixes nadavam, eles espirraram água de seus olhos. A congregação sabia que ela era uma Maria Manufaturada. Ainda assim, suas lágrimas foram uma manifestação física de sua fé.186


Nos estudos culturais e na psicanálise, esse comportamento faz parte da área da interpassividade”187. “Existem representações de enlutados da arte egípcia e tornaram-se representações características em túmulos, especialmente durante o período gótico188 .


Psicologicamente, a interpassividade é uma forma, sutil, de fuga do próprio prazer. Em vez de se divertir, o interpassivo permite que os outros se divirtam por você. Embora perceba essa terceirização como um aumento do prazer, ele foge do prazer. Pfaller diferencia interpassividade de ascetismo, entretanto, quando enfatiza que interpassividade não significa uma negação de prazer, mas apenas sua mudança para os outros, portanto, uma forma diferente de prazer. O gozo do outro (que também pode ser o grande outro de Lacan ) é precisamente aquele pelo qual se desfruta - apenas passivamente. Por trás do desejo de interpassividade está o medo que o confronto com o próprio gozo, o Gozo no sentido de Jacques Lacan, provoca. O sujeito se esquiva da insegurança que acompanha as emoções intensas e se contenta com a forma passiva e delegada de sentir que o protege da simpatia real. A presença traumática de sentimentos reais é repelida e substituída pela mediação de distanciamento do outro. Como uma estabilização neurótica da própria identidade e como um ato substituto, a interpassividade tem características de ação compulsiva e perversão no sentido de Psicanálise . (…) Pfaller enfatiza outro aspecto ideológico da interpassividade: como pessoa racional e sensível, não se acredita no sucesso da delegação interpassiva, mas sempre assume a existência de um público fictício. Esse público, que assume a função de “observador ingênuo” de sua própria interpassividade, não precisa realmente existir. É, nas palavras de Lacan, um “sujeito ao qual se deposita a crença”. Ele “acredita” na encenação do interativo, que é o que o faz funcionar e fazer sentido. Esta função é possibilitada pelo fato de que o observador ingênuo, ao contrário do superego freudiano não vê os impulsos secretos da pessoa interpassiva, mas apenas a superfície enganosa de sua encenação. Pfaller sublinha sua tese com o exemplo da representação de uma pessoa morta em um palco de teatro. Quando essa pessoa espirra, geralmente há risos gerais. Mas por quê? Tanto o resto do elenco quanto o público sabe que a pessoa não está realmente morta. A alegria pode, segundo Pfaller, ser explicada pelo fato de que a gafe deixou claro que a produção teatral não enganou tanto o público real quanto o observador fictício e ingênuo. Esta crença (pertencente ao reino da magia e superstição) torna isso possível gozo estético da ficção em primeiro lugar. Assim, não rimos da nossa própria decepção, mas da do observador ingênuo. (…) Jacques Lacan vê o coro na tragédia grega como um corpo representativo, articulando as emoções do público e livrando-o delas. Ver Lacan, Seminário XII: The Ethics of Psychoanalysis , p. 303 ss.]. (…) Slavoj Žižek ilustra a interpassividade na figura de Lacan do “sujeito a quem a crença está sujeita”. Ele explica isso com um exemplo da ditadura stalinista: quando o alto político soviético Lavrenti Beria morreu em 1954 e logo foi condenado ao ostracismo como traidor e espião, havia um artigo laudatório sobre ele na Grande Enciclopédia Soviética. O editor da enciclopédia escreveu a todos os destinatários e pediu que recortassem as páginas sobre Beria e as devolvessem ao editor. Em troca das páginas que faltavam, eles receberam um artigo sobre o Estreito de Bering enviado. Mas se todos sabiam da falsificação, visto que estavam envolvidos nela, por que ou para quem foi então velada? “A única resposta é, é claro, para o sujeito inexistente a quem a crença é imputada”, responde Žižek. Este sujeito ficcional, que segundo Žižek, é um componente fundamental de toda identificação ideológica, acredita em nosso lugar, por assim dizer. [Ver Žižek, The Substitution Between Interactivity and Interpassivity , em: Pfaller (ed.), Interpassiveness , p. 15.]189



A morte, como uma ruptura, uma descontinuidade, não é vista como metamorfose, mutação, mudança, transformação, nem mesmo num meio-termo, como transição. Dessa maneira, ao não aceitar a morte, procura-se reviver o morto, como um espectro criado pela insatisfação. Entra-se diretamente no campo da ideologia, da magia e da superstição, pelo prazer que ela delega. É a fuga, maneira de sobrevivência, mergulhada na ilusão, maia190. Deve-se fazer uma reserva: O conceito de ideologia, só tem sentido se for historicamente determinado. Fora da história, os conceitos de maia, ilusão, respondem a outras perguntas, no campo da psicologia.

Um Alp pode existir? Com certeza. Não se trata de negar a possível existência de outras categorias de vida que não a humana. Envolvido no racionalismo, nessa trilha que vem do renascimento, revolução científica do século XVII, e o Iluminismo do século XVIII, Marx não negou seu berço. Mas o que importa aqui, nessa leitura de Marx, de qualquer fenômeno que seja como um Alp, não tanto discutir a sua pretensa existência ou não. O que importa, não é tanto o uso de figuras espectrais, embora tenham certa importância, em suas escolhas, mas o fato do quanto pesa, a dimensão desse fenômeno, em épocas de crise, no que se refere a construção do novo.

Tanto Marx quanto Freud concordariam, é claro, que a autodeterminação completa é de fato uma ilusão, e que a explicação para isso está no passado. Marx declarou seu caso mais famoso em 'O 18.º Brumário de Luís Bonaparte', publicado em 1852 (apenas alguns anos antes do romance de Eliot): 'Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem do jeito que querem nas circunstâncias que escolhem para si mesmos; ao contrário, eles o fazem nas circunstâncias atuais, dados e herdados. A tradição de todas as gerações mortas, pesa como um pesadelo no cérebro dos vivos'.191“As pessoas fazem sua própria história, mas não por sua própria vontade, não sob auto-escolha, mas sob circunstâncias tradicionais imediatamente encontradas. A tradição de todas as gerações mortas, pesa como um alp nos cérebros dos vivos”192. (p. 116)193



Aqui é dado um passo a mais, do que se está desenvolvendo. Porque essa pureza material ou espiritual não existem? Por que o economicismo não existe? Por que não se parte do nada, do vazio, da ausência, da negação. Amálgama, nesse mosaico, nesse caleidoscópio, sendo o mundo, é obvio que a luta política, em torno do que é consciência e o que não é, não se esgota. Esse embricamento entre o que é o velho e o que é o novo, é permanente. Discussões sobre o que é progresso, o que é atraso, crescimento, desenvolvimento, não se acabam nunca. É como dimensões heterodoxas do mundo estivessem sempre interagindo. A razão, o racionalismo, consegue abarcar tudo, estabelecer balizas, marcas? Talvez. Os fractais sugerem isso, mas mesmo esse pensamento mecânico, robotizado, com chaves que abrem portas, num mundo supostamente impessoal, de quem chega primeiro, ou chega de forma casual, são apenas alguns pilares do universo.



A imagem de um Alp, https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8d/Johann_Heinrich_F%C3%BCssli_053.jpg, que sugere um ambiente gótico, fossilizado, “Como a aparente convergência com anões sugere, a palavra alp diminuiu em uso em alemão após o período medieval, embora ainda ocorra em alguns usos fossilizados, mais proeminentemente a palavra para 'pesadelo', Alptraum ('sonho de elfo'). [Karg-Gasterstädt e Frings 1968–, sv albe; Edward 1994, 17]”, usada por Marx, ao que parece, sugere, o quanto, a profundidade, a antiguidade, que uma visão do mundo supostamente distorcida, falsa, pode influenciar, determinar, condicionar, o ser. Qual o grau dessa identificação com o passado? Qual o grau de falseabilidade deste suposto passado?

“Uma explicação sempre é uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno dentro de um sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação. A magia, por exemplo, é tão explicativa para os que a aceitam como a ciência o é para quem a prefere. A diferença específica entre a explicação mágica e a científica reside no modo como se. gera um sistema explicativo científico, o que constitui seus critérios de validação”194.


De fato, não há exatamente cópias do passado, daí a necessidade de uma compreensão de que o importante não é tanto a qualidade da repetição, mas o quanto essa suposta repetição, de maneira ou de outra, acaba por determinar a vida das pessoas.

Quando vida humana e convivência social se aproximam - e isso pode ser notado mais facilmente com o aumento da interatividade - revelam-se os "tanques" onde somos gerados como seres propriamente humanos. Esses "tanques" onde somos clonados como pessoas são clusters, "regiões" da rede social a que estamos mais imediatamente conectados. Deve-se entender a palavra clone no sentido da fenomenologia da interação chamada cloning. As pessoas não são clones (no sentido de cópias) de indivíduos, e sim no sentido de que assim como a vida imita a vida (o sentido original do termo klon - do grego κλώνος - usado para designar "broto" ou "rebento") a pessoa imita o social. Trata-se de um clone de uma configuração de pessoas. "Toda pessoa - dizia Novalis (1798) - é uma pequena sociedade"; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoal é um ente que replica uma configuração social.195



Para que um passado seja resgatado, é preciso rever as “pistas”, “as trilhas”, porque, certamente, nem todo o passado é relembrado. Nesse sentido, a um limite nesse resgate. O peso do Alp é, talvez, no sentido resgatado por Marx, uma incapacidade da sociedade em se mover, perante o peso da tradição, dos costumes, dos hábitos.

Um Alp é tipicamente masculino, enquanto o mara e o mart parecem ser versões mais femininas da mesma criatura. Suas vítimas geralmente são mulheres, [Normalmente atormenta as noites e os sonhos das mulheres, embora homens e crianças também sejam vítimas. Bunson, Matthew (1993)The Vampire Encyclopedia, p. 4, 5, Gramercy, ISBN0-517-16206-7] [Curran, Dr. Bob (2005),Vampiros:Um Guia de Campo para as Criaturas que Perseguem a Noite, p. 17, 18, 19, 20, 21, Career Press, ISBN1-56414-807-6] a quem ataca durante a noite, controlando seus sonhos e criando pesadelos horríveis (daí a palavra alemã Alptraum ["sonho de elfo"], que significa pesadelo). Um ataque Alp é chamado de Alpdruck, ou frequentemente Alpdrücke, que significa "pressão de elfo". Alpdruck é quando um Alp senta-se montado no peito de quem dorme e fica mais pesado até que o peso esmagador desperta o sonhador apavorado e sem fôlego. A vítima acorda incapaz de se mover com o peso do Alp. Essa pode ter sido uma das primeiras explicações para a apnéia do sono e a paralisia do sono, bem como para os terrores noturnos. Também pode incluir sonhos lúcidos.196



Em alemão, a palavra “Nachtalb”, como o mesmo sentido que Alp, “é um nome tardio para uma fantasia e criatura lendária que foi originalmente chamada de 'Mahr' e pesa sobre as pessoas à noite e lhes dá horror”. As imagens são semelhantes:



https://de.wikipedia.org/wiki/Datei:Nachtmahr_(Abildgaard).jpg;




https://de.wikipedia.org/wiki/Datei:John_Henry_Fuseli_-_The_Nightmare.JPG .197



A ideia de Alp, possivelmente, estava ligada mais a um mundo espectral criado por Marx do que uma reflexão, da palavra, que adquiria outros sinônimos, outros sentidos, de ordem psicanalítica, que nem mesmo o autor alemão imaginava, ou, talvez, antevia. A quem deve Marx esse mundo espectral, gótico, que usou como metáfora da ideologia?

Mare vem de uma palavra Picard “égua”, emprestada da égua holandesa central ("fantasma"), com o mesmo significado em alemão e inglês [Jacqueline Picoche Dictionnaire étymologique du français, Dictionnaire Le Robert, 1994, (ISBN 2-85036-263-8). http://stella.atilf.fr/Dendien/scripts/tlfiv5/advanced.exe?8;s=2891157615; . http://archive.wikiwix.com/cache/index2.php?url=http%3A%2F%2Fatilf.atilf.fr%2Fdendien%2Fscripts%2Ffast.exe%3Fmot%3Dcauchemar ]. A mara ou égua é um tipo de espectro feminino malicioso no folclore escandinavo ["Mara" é o termo norueguês e sueco , "Mare" significa norueguês e dinamarquês . Em norueguês e dinamarquês, a palavra mareritt ou mareridt ou mesmo mareride (em sueco mardröm , "dream of mar", em inglês nightmare , "mare of the night" ...) significa pesadelo].198



Esses diálogos com o mundo da magia, gótico, fossilizado, queriam dar respostas para quem, ou para que, visto que eram palavras em desuso?

Seria uma forma de se atribuir ao espectro, uma ação que deveria ser totalmente do sujeito? Em procurar soluções mágicas, quando, as soluções concretas são outras? No caso do Alp, Marx desejava resgatar a magia, como superstição, charlatanice, ou como uma prática muito antiga?

A Ideologia Alemão foi concluída em 1846199; o 18 do Brumário, escrito entre dezembro de 1851 e março de 1852200.


A palavra Alp é a forma distorcida alemã da palavra inglesa elf, ambas descendentes do folclore germânico. (…) Como a aparente convergência com os anões sugere, a palavra alp caiu em desuso na Alemanha após o período medieval, embora alguns usos fossilizados ainda ocorram, mais notavelmente o termo "pesadelo", Alptraum ("sonho dos elfos")201. Variações do elfo alemão no folclore posterior incluem o povo musgo202 e as weisse frauen ("mulheres brancas")203. No mito e folclore teutônico, os Alp eram considerados seres amigáveis, semelhantes aos elfos, que viviam nas montanhas, mas eventualmente se tornaram mais negativos e malévolos. A mágica característica que o Alp possui faz com que ele se pareça muito com o kobold, especialmente Hodekin .204


“Ao codificar alegoricamente a história da escravidão e do racismo, bem como o envolvimento contínuo dos EUA na República do Haiti, o romance chama a atenção para a natureza ilusória das fantasias de um novo começo, ou sonhos de isolamento esplêndido. Em vez disso, evoca o famoso ditado de Karl Marx de que “tradição de todas as gerações mortas, pesa como um pesadelo no cérebro dos vivos”205, e fornece literatura dar forma a essa ideia por meio de tropos igualmente góticos”. (p. 193)206207

“Em primeiro lugar, como tanto o marxismo quanto a psicanálise (particularmente a versão lacaniana da última) destacam, algo na linha do 'espírito objetivo' transindividual e transgeracional de Hegel (seja como estrutura social de Marx ou como 'ordem simbólica' de Lacan) sempre precede o surgindo de toda e qualquer subjetividade nascente, singular. Bem antes de Lacan (para não mencionar Martin Heidegger, com seu conceito de Geworfenheit [lançamento]), o próprio Marx enfatiza o fato de que todos os seres humanos são lançados ao nascer em determinados conjuntos de configurações infraestruturais e superestruturais que são, eles próprios, parte de uma história social já em curso208 . Como ele observou no início de 1852, O 18º de Luís Bonaparte: 'Os homens fazem sua própria história, mas não por sua própria vontade; não sob circunstâncias que eles próprios escolheram, mas sob o dado e circunstâncias herdadas com as quais são diretamente confrontados. A tradição das gerações mortas pesa como um pesadelo nas mentes dos vivos' (wie ein Alp auf dem Gehirne der Lebenden)209 . O resultado crucial para meus propósitos no presente contexto é que essa sobreposição entre Marx e Lacan sobre o lançamento acarreta influências indiretas, mas eficazes, do político na economia libidinal desde o início. Em outras palavras, mesmo que, no início ontogenético, o sujeito-a-ser imaturo não registre imediatamente por experiência para si essas influências, este último, no entanto, medeia indiretamente (por meio de instituições como a unidade familiar socialmente constituída) esta subjetividade-em formação. Assim como, para Lacan, o incubus (Alp) da linguagem adquire o ser humano antes de o ser humano adquirir a linguagem, também para Marx (e Freudo-Lacano-marxismo): A economia, pairando sobre “as gerações mortas”, participa das pulsões (pressionando “os cérebros [Gehirne] dos vivos”) antes que os impulsos participem da economia”.210



“Marx, em O XVIII Brumário de Luís Napoleão, escreve: 'Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem. … A tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo nos cérebros dos vivos'. A palavra 'pesadelo' no alemão original é Alp (um trocadilho, invocando uma espécie de espírito maligno folclórico e da área das montanhas). As estruturas históricas são tão proibitivas quanto as montanhas. Nós nascemos no topo ou na base; a coisa não pode ser movida, mas pode ser evitada, escalada ou explodida”.211


“Se o problema da modernidade sempre foi que ela não pode enterrar seus mortos, o 'fraco poder messiânico' de Benjamin é o nome messiânico dos persistentemente assombrados mortos-vivos do passado. É nesse sentido que podemos ler as famosas linhas de abertura do 18 de Brumário de Marx : 'Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; eles não o fazem sob circunstâncias selecionadas, mas sob circunstâncias já existentes, dadas e transmitidas do passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo [ Alp ] nos cérebros dos vivos ”212. O nome psicanalítico apropriado para esse pesadelo ou Alp é, obviamente, trauma. Para Benjamin, no entanto, esses fardos, os pesos assombrosos de todas as gerações mortas, trazem consigo um índice secreto pelo qual são referidos à redenção; - e é esse índice secreto ou assinatura messiânica que os impede de serem totalmente historicizados no texto histórico. Lendo Marx e Benjamin com Derrida, tanto a pressão traumática quanto o fraco poder messiânico do passado testemunham uma presença espectral, uma presença do passado que não está ausente nem totalmente presente. Para Benjamin e Marx, o tempo espectral do passado assombra o presente; só pode ser resgatado por um ato revolucionário autêntico, que é - pelo menos para Benjamin - uma repetição redentora do passado restaurando as potencialidades esmagadas de revoluções fracassadas e atualizando um passado virtual que não foi realizado no curso vitorioso da história. Em outras palavras, além ou entre o passado e o presente, há também um tempo espectral - um tempo do espectro do messiânico.213


O que Marx está dizendo aqui é que capitalistas e proprietários de terras agem como agem, em grande parte porque o processo pelo qual foram criados, educados e socializados torna quase impossível para eles pensar que deveriam agir de outra forma. E, na medida em que eles se perguntam se devem agir de outra forma, eles não podem fazê-lo - não sem perder suas fortunas, seus negócios e seus empregos, e sendo substituídos por aqueles que agem de maneira consistente com a manutenção de seus papéis econômicos. A imoralidade do capitalismo, para Marx, não reside nos atos perversos de indivíduos (que na maioria das vezes pensam que estão lidando 'com justiça' - comprando e vendendo a preços de mercado), mas no funcionamento do sistema em que estão embutidos. Resumidamente: 'Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; eles não o fazem sob circunstâncias selecionadas, mas sob circunstâncias já existentes, dadas e transmitidas do passado. A tradição de todas as gerações mortas, pesa como um Alp no cérebro dos vivos'. Isso é 'estruturalismo'. (Bem, isso não é tudo sobre Marx, e coisas como o Décimo Oitavo Brumário (é realmente injusto não falar sobre o 18 de Brumário aqui, e como a tentativa de Marx de compreender a ascensão de Napoleão III é uma análise da 'hegemonia' ideológica e da 'falsa consciência' que fornece um padrão pelo menos tão útil quanto um pode sair de Gramsci e muito mais útil do que alguém de Althusser, mas já perdi muito tempo com isso) são mais interessantes onde se desviam e se baseiam no estruturalismo de política de classe de interesse de classe de tecnologia-economia que está na base da análise de Marx maduro. Mas esse estruturalismo da "base" existe, e a análise mais sutil da "superestrutura" é construída em cima e condicionada por ele de uma maneira da teoria da perturbação).214


“'Os homens fazem sua própria história [ihre eigene Geschichte], mas não a fazem exatamente como desejam [aus freien Stücken]; eles não o fazem em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas em circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas do passado [überlieferten Umständen]. A tradição de todas as gerações mortas [aller toten Geschlechter] pesa [lastet] como um pesadelo no cérebro dos vivos '.

(Marx escreve 'lastet wie ein Alp', isto é, pesa como um daqueles fantasmas que dão pesadelos; a tradução francesa diz simplesmente 'pese d'un poids tres lourd', pesa muito; como costuma acontecer nas traduções. O fantasma cai no esquecimento ou, no melhor dos casos, é dissolvido em figuras aproximadas, por exemplo 'fantasmagoria', uma palavra que, além disso, é geralmente liberada de seu sentido literal que a liga à fala e ao discurso público)”.215



Porque a tragédia e a farsa para representar a repetição histórica? Salvo engano, a ideia era estabelecer uma diferença, de linguagem, usando o teatro como exemplo.


A tragédia é uma forma literária, teatral ou dramática de linguagem solene, cujos protagonistas são ilustres e se enfrentam de forma misteriosa, invencível e inevitável, por erro fatal ou condição de personagem (a chamada hamartia) contra um destino fatal. (fatum, fate ou fate) ou os deuses, gerando um conflito cujo fim é desesperadoramente triste: a destruição do herói protagonista, que morre ou enlouquece.216



La farsa (del latín farcire, “rellenar”) es una forma dramática en la que los personajes se desenvuelven de manera caricaturesca o en situaciones no realistas. La farsa no existe en estado puro, ni es un género propiamente dicho;217 es más bien un proceso de simbolización que puede sufrir cualquier género dramático, en una relación similar a la existente entre la palabra y la metáfora218.219



A discussão maior, é sobre a farsa, porque lembra o grotesco.


La farsa y la metáfora son metalenguajes que fungen como ampliación semántica de los lenguajes cotidianos. Mediante la exageración o la fantasía, las preocupaciones terrenales se ven ampliadas en su significado; o bien, permiten asociaciones con otros significados más lejanos. Al verse ampliado el significado (de la acción, lenguaje o situación), o al verse relacionado con otros significados, el espectador se somete a un discurso denso, en donde la extravagancia reviste una serie de implicaciones que desnudan la realidad. Estas son las fuentes que producen el tono grotesco (propio de la farsa en general). Es decir, el espectador está sujeto a un trabajo de codificación-decodificación vertiginoso. Al mismo tiempo, descubrir la “desnudez” de algo, el acto in fraganti de tal desnudez provoca risa, la carcajada liberadora de lo reprimido220.221



Então, embora toda a discussão teórica sobre história, ao fazer comparações com o teatro, o central é a questão política, em que as repetições históricas, beiram o grotesco. Nesse sentido, enquanto figuras de linguagem, o texto também possuí uma carga retórica.


Um bom lugar para começar é O 18º Brumário de Luís Napoleão, o brilhante esforço de Karl Marx para compreender como, em 1852, o sobrinho de Napoleão Bonaparte se tornou o presidente eleito e, alguns anos depois, o autoproclamado imperador da França. O parágrafo de abertura ecoa assustadoramente nossos próprios tempos:

“Hegel comenta em algum lugar que todos os grandes fatos e personagens históricos mundiais aparecem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa ... Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; eles não o fazem sob circunstâncias auto-selecionadas, mas sob circunstâncias já existentes, dadas e transmitidas do passado. A tradição de todas as gerações mortas, pesa como um pesadelo nos cérebros dos vivos. ”

Marx começa por criticar os comentadores contemporâneos que permitiram que “uma mediocridade grotesca desempenhasse o papel de herói”. Marx ataca o grande Victor Hugo e seu popular livro Napoleon le Petit (mãos pequenas, na verdade) por confiarem demais em “invectivas amargas e espirituosas” ao invés de análises históricas e políticas. Ao interpretar o golpe de Estado de Bonaparte "como um raio do nada" e "apenas o ato violento de um único indivíduo", Hugo torna "este indivíduo grande, em vez de pouco, atribuindo-lhe um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história mundial" . O resultado é desastroso: a elevação ao poder de “um bufão sério que não toma mais a história do mundo por uma comédia, mas a sua comédia pela história do mundo”.

Os insatisfeitos se levantam.

Marx oferece, em vez disso, uma análise de classe. Ele se concentra menos na luta de classes entre o proletariado e a burguesia, pela qual seu nome mais tarde se tornaria famoso, mas em um conflito de classes intraclasse entre a velha aristocracia latifundiária e as novas elites industriais que permitiu a Luís Napoleão cavalgar como o "homem de cavalo”. Prometendo restaurar a glória da França, ele foi capaz de dividir os partidos tradicionais de esquerda e direita e tomar o poder com o apoio dos camponeses insatisfeitos, da pequena burguesia e do lumpemproletariado, o que Hillary Clinton poderia chamar de uma "cesta de deploráveis". Enfrentando agitação social e uma economia quebrada, o imperador Bonaparte III reconstruiu a infraestrutura (e destruiu grande parte da velha Paris), deu início a um período de ordem (e prendeu vários milhares de dissidentes) e restaurou o esplendor da França (bem como o glamour - sua esposa, a elegante Imperatriz Eugenie, contratou Louis Vuitton para fazer suas bolsas). Ele também se envolveu em uma série de aventuras militares no exterior, incluindo uma intervenção malfadada no México. O reinado de Napoleão terminou com uma derrota desastrosa na Guerra Franco-Prussiana de 1870 - seguida pela revolução da Comuna de Paris de 1871.222



Para uma visão negativa de Marx, com relação a Hegel, tem-se Bruce Mazlish, que aborda exatamente a linguagem do teatro aplicada à política. No mais, Bruce Mazlish acha Marx um leitor empobrecido de Hegel; pois Marx afirma conceitos que Hegel teve diferente compreensão, em oposição. Atribui a linguagem utilizada, a do teatro, mais a Engels que a Marx, que, no final, sucumbiu a ideia do primeiro. Na verdade, a ideia da linguagem teatral, segundo Bruce Mazlish, nem pode ser atribuída a Engels; melhor seria a Tocqueville; ou melhor ainda, “a ideia estava geralmente no ar”. Marx, com certeza, leu Tocqueville. Mas qual a teoria da história que Bruce Mazlish representa, ao invocar que a ideia estava no “ar”, à disposição de uma individualidade propícia? Parece muito com a ideia de “Campo morfogenético”, de Rupert Sheldrake. “O conceito foi reciclado em 1981 por Rupert Sheldrake em A New Science of Life: The Hypothesis of Morphic Resonance [Rupert Sheldrake, A New Science of Life, trad., Editions du Rocher, 2003]. Ele desloca o conceito de campo morfogenético para um domínio invisível e transcendente (portanto não refutável), um conceito que ressoa com noções como o inconsciente coletivo de Carl Gustav Jung ou a noção de egrégora do esoterismo ocidental [Entrevista com Rupert Sheldrake ] .

Gil Dekel: O que você acha de teorias como 'inconsciente coletivo' sugeridas por Carl Jung? [20]


Rupert Sheldrake: Jung pensava no inconsciente coletivo como uma memória coletiva, a memória coletiva da humanidade. Ele pensava que as pessoas estariam naturalmente mais sintonizadas com os membros de sua própria família e grupo cultural, mas que, no entanto, haveria uma ressonância de fundo de toda a humanidade: um conjunto de experiências de coisas básicas que todas as pessoas compartilham (por exemplo, comportamento materno e estruturas sociais de experiência e pensamento). [21]

A noção de inconsciente coletivo de Jung faz muito sentido no contexto da abordagem geral da ressonância mórfica. A principal diferença é que a ideia de Jung foi aplicada principalmente à experiência humana e à memória coletiva humana. O que estou sugerindo é que um princípio muito semelhante opera em todo o universo, não apenas nos seres humanos. [22]

Na verdade, a teoria da ressonância mórfica levaria a uma reafirmação radical do inconsciente coletivo de Jung. Hoje, biólogos e outros dentro da ciência convencional não levam a sério a ideia do inconsciente coletivo. É considerada uma ideia esquisita e marginal que pode ter algum valor poético, mas sem relevância para a ciência adequada. Mas, se o tipo de mudança radical de paradigma de que estou falando aqui ocorrer dentro da biologia - se a hipótese da ressonância mórfica for aproximadamente correta, então a ideia de Jung do inconsciente coletivo se tornaria uma ideia dominante: campos morfogênicos e o conceito de o inconsciente coletivo mudaria completamente o contexto da psicologia moderna. [23]223



O inconsciente coletivo casa muito bem com as ideias “estão no ar”. O problema é que “campos de forma não têm suporte verificável ou refutável, portanto, escapam por definição a qualquer possibilidade de experimentação científica”224. Logo, mesmo que se possa utilizar o conceito de inconsciente coletivo de Jung, no campo da ciência histórica, como pode-se comprovar, evidenciar, argumentar, que tais e tais ideias estão no “ar”?

Não se pode afirmar que o conceito de egrégora entra nessa sopa cultural, aqui inserida. Compreende-se que o conceito de egrégora cobre ou incorpora outra gama de conhecimentos, de fundamento místico e nenhum pouco ligado à biologia, necessariamente. A egregóra, como é um conceito singular, muito particular, de caráter esotérico, seria muito, demais, misturar esoterismo, biologia e teoria da história; embora esteja em moda estas misturas que são um descalabro. Agora, que existe, e não é o primeiro, uma teoria da história que busca firmar os pés e as mãos na biologia, com certeza se poderia afirmar.

Já o campo oposto despreza essa maneira de abordar as formações históricas e sociais. Para seus integrantes, o indivíduo não desempenha papel algum. Seus modelos conceituais são primordialmente extraídos das ciências naturais; em particular, da biologia. Mas nesse caso, como tantas vezes acontece, os modos científicos de pensamento misturam-se, fácil e imperceptivelmente, com os modos religiosos e metafísicos, formando uma perfeita unidade. A sociedade é concebida, por exemplo, como uma entidade orgânica supra-individual que avança inelutavelmente para a morte, atravessando etapas de juventude, maturidade e velhice225. As idéias de Spengler constituem bom exemplo dessa maneira de pensar, mas hoje se encontram noções análogas, independentemente dele, nos mais variados matizes e cores. E, ainda quando não se vêem levados, por força das experiências de nossa época, ao equívoco de conceber uma teoria geral da ascensão e declínio das sociedades como algo inevitável, ainda quando antevêem um futuro melhor para nossa sociedade, até os adversários dessa perspectiva spengleriana compartilham — por estarem dentro desse mesmo campo — uma abordagem que tenta explicar as formações e processos sócio-históricos pela influência de forças supra-individuais anônimas. Vez por outra, muito particularmente em Hegel, isso dá margem a uma espécie de panteísmo histórico: um Espírito do Mundo, ou até o próprio Deus, ao que parece, encarna-se num mundo histórico em movimento, diferente do mundo estático de Spinoza, e serve de explicação para sua ordem, periodicidade e intencionalidade. Ou então esse tipo de pensador ao menos imagina formações sociais específicas, habitadas por um espírito supra-individual comum, como o “espírito” da Grécia antiga ou da França. Enquanto, para os adeptos da convicção oposta, as ações individuais se encontram no centro do interesse e qualquer fenômeno que não seja explicável como algo planejado e criado por indivíduos mais ou menos se perde de vista, aqui, neste segundo campo, são os próprios aspectos que o primeiro julga inabordáveis — os estilos e as formas culturais, ou as formas e instituições econômicas — que recebem maior atenção. E enquanto, no primeiro campo, continua obscuro o estabelecimento de uma ligação entre os atos e objetivos individuais e essas formações sociais, no segundo não se sabe com maior clareza como vincular as forças produtoras dessas formações às metas e aos atos dos indivíduos, quer essas forças sejam vistas como anonimamente mecânicas, quer como forças supra-individuais baseadas em modelos panteístas. (…) Por essa razão, todas as tentativas de explicar essas regularidades sociais a partir de regularidades biológicas ou de seus padrões, todos os esforços de transformar a ciência social numa espécie de biologia ou numa parte das outras ciências naturais revelam-se inúteis. (…) No campo oposto, essa abordagem das formações históricas e sociais é amiúde tratada com desdém. Nele, o ser humano, como indivíduo, mal chega a desempenhar algum papel. Os modelos de pensamento aí utilizados são, primordialmente, modos de explicação extraídos das ciências puras ou aplicadas. Mas, como tantas vezes acontece quando se transferem modelos conceituais de um campo para outro, os modelos científicos tendem a assumir um caráter metafísico que, dependendo das necessidades e preferências de seus usuários, pode saber mais a uma religião da razão ou a uma fé mística. Basicamente, podem-se distinguir duas tendências predominantes nesse campo. Comum a ambas é o esforço de explicar as formações e processos sócio-históricos como produtos necessários da ação de forças supraindividuais anônimas, que são quase totalmente imunes à intervenção humana. Mas os expoentes da outra visão frisam a eterna reiteração das mesmas formas nas sociedades, enquanto seus adversários defendem a irrevogável mudança destas — ou da sociedade humana como um todo — numa direção particular. O primeiro grupo geralmente concebe os processos sociais como ciclos inescapáveis que se repetem mais ou menos automaticamente. Seus modelos costumam ser extraídos da biologia. Eles encaram a sociedade como uma espécie de entidade orgânica supra-individual que avança inelutavelmente para a morte, passando pela juventude, maturidade e velhice. As cosmologias sociais de Spengler e Toynbee constituem exemplos desse modo cíclico de pensamento. Mas algumas variações dessa noção estática das entidades sociais supraindividuais são muito difundidas; podem ser encontradas, em vários matizes e disfarces, não apenas nos livros eruditos, mas também no pensamento popular. Basta recordarmos a expressão corriqueira que sugere a idéia, nem sempre conscientemente reconhecida, de que algumas sociedades são dotadas de um espírito comum supra-individual — o “espírito” da Grécia no caso dos antigos gregos ou o “espírito” da França no tocante aos franceses. Ou podemos pensar na crença, outrora disseminada, em que o ciclo regular de crescimento e colapso econômicos, ou a eterna repetição de guerra e da paz, era a expressão de uma ordem natural das coisas que seguia seu curso sem que pudesse ser influenciado por um conhecimento mais profundo de suas causas, ou uma ação esclarecida por esse conhecimento. Os expoentes da outra corrente principal dentro desse campo também partem da idéia de um processo social automático e imutável. Mas frisam que tal processo avança irrevogavelmente numa determinada direção. Encaixam o ritmo recorrente num curso estritamente direcionado, que desconhece a repetição. Vêem diante de si uma espécie de esteira transportadora em que cada produto se aproxima automaticamente da perfeição, ou uma espécie de rua de mão única em que todos são forçados a avançar na mesma direção. Por vezes, e isso é mais óbvio em Hegel, essa maneira de pensar expressa-se numa espécie de panteísmo histórico: um Espírito Mundial, ou o próprio Deus, parece então incorporar-se, não no mundo estático de Spinoza, mas no mundo histórico em movimento, servindo para explicar sua ordem, sua periodicidade e seu propósito. 226




É muito favorável, de bons augúrios, imaginar que as formigas e as abelhas, por sua vida coletiva, poderiam ter muito a ver com os humanos; não é de agora que essas ideias estapafúrdias são publicizadas. No final, acabamos no darwinismo social, ideia que não larga o pé dos anarco capitalistas. No final, sendo Marx um simples visionário, não se pode testar suas ideias; ou seja, o caráter supostamente científico da obra de Marx, vai para o escambau; é apenas mais um escritor. A violência, descrita por Marx, na sociedade, é apenas mais uma opinião, entre outras.


Ele está na minha estante há 38 anos, lentamente se desgastando, e por um bom motivo: pode ser o único volume que consulto mais do que qualquer outro, com exceção das obras de referência, a Bíblia e Shakespeare. No entanto, The Tangled Bank: Darwin, Marx, Frazer e Freud as Imaginative Writers , de Stanley Edgar Hyman, parece ser quase desconhecido hoje. Esse pode ser o seu destino correto (afinal, é bastante especializado), mas possivelmente este é o caso de um bom livro injustamente negligenciado. Quando o anoto, para verificar alguma citação ou fato, muitas vezes me envolvo com ele e releio por um tempo, pensando mais uma vez na coragem surpreendente e na imaginação do homem que o escreveu. É um eufemismo dizer que o Tangled Bank foi negligenciado. Nos dias da grande fama de Walter Winchell como escritor de fofocas, um colunista que eu conhecia dizia: "Sou tão insignificante que Winchell nem me ignora". O Tangled Bank agora detém uma posição semelhante. Atheneum o publicou em Nova York em 1962, e duas edições em brochura se seguiram, mas todas elas estão há muito esgotadas. Na verdade, The Tangled Bank está tão esgotado que a amazon.com não sabe que já existiu: ela lista seis outros livros de Hyman, todos eles esgotados, embora possivelmente disponíveis, mas nem mesmo menciona The Tangled Bank . Se você verificar o www.alibris.com, que vende livros usados ​​e raros ("Livros que você pensou que nunca encontraria"), o Tangled Bank aparece, mas não de uma forma que anime seus admiradores. A demanda por ele aparentemente não é grande. Dependendo das condições da cópia individual, você pagará apenas US $ 21 a US $ 28 pela primeira edição da capa dura ou US $ 11 a US $ 17,50 por uma brochura. Stanley Edgar Hyman (1919-1970) escreveu livros sobre Flannery O'Connor e Nathanael West, uma monografia sobre Iago e muitas críticas excelentes. Ele analisou a arte da crítica literária e, em 1948, escreveu um livro muito admirado, The Armed Vision: A Study in the Methods of Modern Literary Criticism. Seu interesse central era a forma como os escritores organizam as palavras para criar argumentos e beleza verbal. Ele passou a amar as metáforas quase por elas mesmas, e percebeu que os livros cruciais de não ficção, às vezes livros que se apresentam como ciência, dependem tanto das metáforas quanto os romances. “A linguagem das ideias é a metáfora”, decidiu ele. "Qualquer livro de idéias é até certo ponto metafórico; um grande livro de idéias consiste em metáforas profundas em uma forma realizada." Esses pensamentos o levaram a seu trabalho mais ambicioso, The Tangled Bank . Ele passou 13 anos estudando cada fragmento que Charles Darwin, Karl Marx, Sir James Frazer e Sigmund Freud escreveram, escolhendo em suas palavras estratégias e artifícios literários, tentando ver como eles faziam a linguagem servir a suas idéias. Ele escolheu seus quatro temas por seu poder sobre o pensamento contemporâneo, mas hoje a influência de um deles, Frazer, tornou-se menos óbvia do que era. Um classicista e antropólogo, Frazer escreveu The Golden Bough (1890), um estudo ambicioso de folclore comparativo e magia que chocou seus leitores ao descrever um mundo pré-alfabetizado no qual o assassinato era uma parte rotineira da cerimônia e da arte de governar. Frazer era um mestre da imaginação. Como Hyman diz: "A imagem-chave de The Golden Bough , o rei que mata o assassino e deve ser morto, corresponde a algum princípio universal que reconhecemos na vida. Ela prendeu a imaginação não apenas de Freud e Bergson, Spengler e Toynbee, mas de TS Eliot, e produziu The Waste Land. " Hyman comparou o derramamento de sangue em Frazer ao "senso de Darwin da guerra à morte por trás da face da natureza brilhante de alegria, ou à visão apocalíptica de Marx do capital exalando por todos os poros com sangue e sujeira, ou a consciência de Freud do desejo infantil assassino e incestuoso . " Cada um deles criou um violento drama de ideias. Hyman viu O Manifesto Comunista como uma obra-prima da retórica, com uma metáfora unificadora, o despojamento dos véus. Uma vez que o mundo foi verdadeiramente desvendado e as ilusões propagadas pela burguesia foram expostas, Marx afirmou ter encontrado uma exploração direta e brutal. Ele mudou-se para outra metáfora ao lidar com o socialismo cristão, "a água benta com a qual o padre consagra a ardência do aristocrata". Todos os quatro escritores se apresentam como cientistas, mas, como Hyman diz, "Em um sentido mais profundo, eles não são científicos de forma alguma." Ele observa de Freud que "a psicanálise é tão quantificável quanto uma sequência de soneto". Freud era um homem de visão e não de evidência. Os outros também eram visionários literários. Suas idéias não puderam ser testadas: "Não se pode refutar uma visão." Os revisores, perdendo o ponto, reclamaram em 1962 que Hyman não mostrava nenhum interesse na verdade das teorias que esses luminares desenvolveram. Nesta ocasião, Hyman estava interessado principalmente na linguagem que torna uma ideia radical aceitável e até excitante. Durante a maior parte de sua carreira, Hyman ensinou inglês no Bennington College em Vermont e trabalhou como redator do The New Yorker . Sua esposa era Shirley Jackson, uma escritora mais conhecida por The Lottery, uma história sobre uma cidade que todo ano escolhe por sorteio um cidadão para ser apedrejado até a morte - uma narrativa que pode muito bem ter sido inspirada em The Golden Bough . Hyman e Jackson eram amplamente proporcionados. Podemos ter um vislumbre deles no Brendan Gill's Here at the New Yorker , tomando café da manhã em um restaurante em Nova York: "Cada um deles pediu e comeu um café da manhã substancial com suco de laranja, bolos de trigo sarraceno com xarope de bordo, torradas com manteiga e café ; então pediram o mesmo café da manhã novamente. Eles se levantaram com fome. " Gill escreve que ele e vários outros escritores nova-iorquinos foram participantes afortunados da autoeducação de Hyman. "Freud, Darwin, Marx, Frazer - à medida que o banco emaranhado de heróis se adensava e crescia, tomamos cuidado para crescer junto com ele. Sentimo-nos sortudos por ter observado em primeira mão o fornecimento daquela mente ampla." O título de Hyman veio da observação de Darwin sobre contemplar "uma margem emaranhada, vestida com muitas plantas de vários tipos, com pássaros cantando nos arbustos, com vários insetos voando e com vermes rastejando pela terra úmida", enquanto refletia que essas formas elaboradamente construídas surgiu através de uma luta pela vida. Em Darwin, o banco emaranhado era uma metáfora para a evolução. Em Hyman, essa metáfora ilustrou a maneira como grandes escritores transmitem suas ideias.227


Interessante que as ideias de Sheldrake, com a metafísica de Whithead:

A ideia de Sheldrake de que a realidade não é construída por pedaços de matéria que existem independentemente umas das outras, mas se relacionam por meio de processos de ressonância intangível, seria análoga à proposta metafísica de Whithead , que admite que "existe uma urgência de ver o mundo como uma rede de processos inter-relacionados dos quais somos parte integrante, para que todas as nossas decisões e ações tenham consequências para o mundo que nos rodeia ”. [«Instituto de Física | UNAM » http://w2.fisica.unam.mx/bif/notices/890 ].



Reconhecida como a figura que define e redige os textos fundamentais da escola filosófica conhecida como Filosofia do Processo, na qual defende que “há uma urgência em ver o mundo como uma rede de processos inter-relacionados dos quais somos parte integrante, portanto que todas as nossas decisões e ações têm consequências para o mundo que nos rodeia ”e que encontrou aplicação em uma ampla variedade de disciplinas, como Ecologia, Teologia, Educação, Física, Biologia, Economia e Psicologia, entre outras áreas.228


A filosofia do processo229 poderia explicar um pouco o que se quer dizer com as ideias pairando no ar. “Essa é a forma como Bergson trata o conhecimento, conforme sintetiza Abbagnano (1982230): “o inventário na consciência e, portanto, no mundo da natureza e da história, de dados capazes de remontarem a Deus ou a um princípio divino que em alguma especificação se ajuste à tradição teológica do cristianismo” (p. 338)”231.

Voltando a Whithead.

“No século XX, a Filosofia do Organismo do matemático e filósofo inglês Alfred North Whitehead [Ver Seibt, Johanna 2013: "Process Philosophy" http://plato.stanford.edu/entries/process-philosophy/ , The Stanford Encyclopedia of Philosophy (edição do outono de 2013), Edward N. Zalta (ed.); Murarca, Barbara 2013: " Process http://www.naturphilosophie.org/prozessphilosophie/ Philosophy (Version 1.0)". In: Conceitos básicos de filosofia natural.] e seu aluno Charles Hartshorne influenciou a caracterização da filosofia de processo hoje.



Para Whithead, é preciso superar o método cartesiano.

Superar essas maneiras de pensar de Descartes e newtonianas é o objetivo declarado de Whitehead. Ele queria desenvolver uma filosofia que estivesse em harmonia com as descobertas das ciências naturais modernas, não apenas na física, mas também na biologia ou psicologia. Isso não pode ser alcançado por métodos de pesquisa estritamente empíricos, como Bacon havia preconizado. As abordagens puramente indutivas não permitem o progresso porque carecem de criatividade, imaginação e espontaneidade. Whitehead descreveu o curso real das ciências com uma metáfora, o conteúdo da sequência de rapto (abdução), dedução e indução em Peirce correspondem a: 'O verdadeiro método de pesquisa é como uma trajetória de vôo. Ele parte da base de observações individuais, flutua no ar das generalizações imaginativas e então submerge novamente em novas observações que são aguçadas pela interpretação racional'. (PR 34)232



Então, o que seriam essas ideias que flutuam no ar, de Bruce Mazlish? Conforme Whithead, estar-se-ia ao campo das deduções, que flutuariam no ''ar das generalizações imaginativas'.

De acordo com Whitehead, o princípio ontológico diz que todo evento real tem a razão de sua existência em si mesmo ou em outros eventos reais. Tudo no mundo está relacionado a indivíduos reais.

"De acordo com o princípio ontológico, não há nada que saia do nada para o mundo. Tudo no mundo real pode ser relacionado a qualquer indivíduo real, ou é transferido de um indivíduo real no passado, ou pertence ao objetivo subjetivo do real indivíduo, na concretização do que ele é [...] O imediatismo do sujeito concretizador se estabelece por sua finalidade viva em sua própria autojustificação. Portanto, a fase inicial da finalidade está enraizada na natureza de Deus e sua a completude se baseia na autocausação do sujeito-superjeito. [...] Segundo essa explicação, a autodeterminação é sempre algo imaginativo em sua origem”. (PR 446f).233



Primeiro foi Marx, depois foi Engels, depois foi Tocqueville, no passado, depois, qualquer um. Ou serão somente os “heróis”?

Enfim, chega-se a Hegel. “Entre os grandes autores filosóficos, Aristóteles, Friedrich Nietzsche, Leibniz , Hegel e Spinoza também são atribuídos à filosofia do processo”234.

“Nesse pensamento, Hegel leva um significado especial. Sua concepção de dialética não é de forma alguma apenas um método de pensamento, mas afirma expressamente validade ontológica. Isso é o que Hegel explica em sua Ciência da Lógica . O mundo é, portanto, um grande processo de desenvolvimento. No entanto, Hegel vê uma meta desse desenvolvimento, quando ela é alcançada, o processo de desenvolvimento que ele descreve termina, pelo menos em teoria. Ele apresenta essa meta como a autoconsciência do espírito objetivo, que já se expressa de forma germinativa em cada conceito. A meta do processo mundial hegeliano ainda é - semelhante a Aristóteles e sua concepção da entelecheia- uma espécie de estado final ideal de qualquer desenvolvimento. Também para ele, o processo é apenas um meio para um fim metafísico.

Karl Marx transferiu o pensamento dos processos para as condições sociais ao falar de "processos de vida". “A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à, qual correspondem certas formas de consciência social. O modo de produção da vida material determina o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência das pessoas que determina seu ser, mas, inversamente, seu ser social que determina sua consciência. ” [Na crítica da economia política (1858-59), em: Karl Marx / Friedrich Engels - trabalhos, (Karl) Dietz Verlag, Berlim. Volume 13, 7ª edição 1971, reimpressão inalterada da 1ª edição 1961, Berlim / RDA, 8–9] Disto, os processos econômicos de produção, distribuição, troca e consumo constituem uma parte essencial, pois eles fazer “com todo mundo orgânico”.

“O trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um processo no qual o homem medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza por meio de seus próprios atos. [...] Ao agir sobre a natureza fora dele por meio desse movimento e mudá-lo, ele muda sua própria natureza ao mesmo tempo. " [ Karl Marx: Das Kapital, Dietz Verlag, Berlin 1972, Vol. 1, p. 192].235



Veja-se que, esse todo orgânico, que se assenta na biologia, ideia muito em voga no século XIX, produz teorias que podem ou não valorizar o indivíduo, a individualidade, resultando em fatos tão díspares como o enaltecimento do individualismo, do empreendedorismo, ou a própria ideia do indivíduo como produto determinado do economicismo, numa leitura rasa de Marx. Certamente que as ideias darwinistas e spencerianas não eram estranhas a Marx.

Esse momento de inflexão é concretizado pelos meios dos quais o Espírito se apropria para alcançar seu objetivo, que são, precisamente, as ações dos indivíduos. Porém, não são as ações conduzidas pelas virtudes deliberadamente em prol da Liberdade. “As paixões, os objetivos de interesse particular e a satisfação do egoísmo são fatores mais poderosos; seu poder está em não considerar nenhum dos limites que o direito e a moralidade [de sua época] lhes querem impor”. [Idem., p. 26] E, com isso, realizam o desígnio do Espírito: aumentar a Liberdade com a conquista de novos direitos e uma nova situação. Além das práticas do homem comum, Hegel atribui importância sigfiicativa aos indivíduos históricos universais, isto é, aos 'grandes homens da história, cujos fins particulares contêm o substancial que é a vontade do espírito universal”. [Idem., p. 33] Alexandre, César e Napoleão são exemplos dessa categoria de indivíduos, cujas ações parecem ser unicamente tarefa e obra suas. No entanto, eles são instrumentos da razão que rege a humanidade:

'tais indivíduos não tinham nos seus objetivos a consciência da Idéia, mas eram homens práticos, políticos. Porém, eram também pensadores que tinham a visão do que era necessário e do que era oportuno. Tal era a verdade da sua época e do seu mundo, a próxima raça que já estava contida neles. Sua tarefa era conhecer esse valor geral, o próximo e necessário nível mais elevado do seu mundo, transformá-lo em seu objetivo e nele concentrar a sua energia'. [Idem., p. 33].

Embora aparentemente envolvidos apenas pelos interesses pessoais e imediatos, tanto o homem comum quanto esses heróis (termo usado por Hegel) alteram o rumo da história. A razão (a sabedoria de Deus) que governa o mundo, utiliza-os,astutamente, como meios, como instrumentos é a sua estratégia.Ao intensificar a presença da Liberdade na história humana, o Espírito se encaminha ao seu objetivo final: a instituiçõ e consolidação do Estado, que, de acordo com Hegel, é a Ideia divina como ela existe no mundo. [Cf. Idem., p. 40] Porém, não qualquer Estado, mas aquele que permite, assegura e propicia a realização da Liberdade ao indivíduo por intermédio do Direito, da Moral e do Governo. O Estado, nesses termos, deve consubstanciar o Espírito Absoluto, que é a síntese do Espírito Subjetivo (as vontades individuais e interiorizadas) e o Espírito Objetivo (as vontades coletivas, exteriorizadas, aqueles elementos comuns e compartilhados entre os indivíduos por meio da ética, da política e da história). Com o Espírito Absoluto, a Liberdade alcança seu ápice: a autoconsciência de que é livre. Em um Estado sob tais condições, os indivíduos não são servos ou escravos das Leis e da Moral. Mas, antes, agem em conformidade com elas por vontade própria, pois a consideram dignas de adoção:

'só a vontade que obedece à lei é livre, pois ela obedece a si mesma, está em si mesma livremente. Quando o Estado, a pátria, constitui uma coletividade da existência, quando a vontade subjetiva do homem se submete às leis, a oposição entre liberdade e necessidade desaparece. O racional como substancial é necessário; somos livres quando o reconhecemos como lei e quando seguimos essa lei como substância de nossa própria essência. A vontade objetiva e a subjetiva são, então, conciliadas, formando uma unidade serena'.[Idem., p. 40].

Assim, na filosofia da história de Hegel, a humanidade é, pelo plano divino, encaminhada para a consecução da Liberdade e autoconsciência desta. Os indivíduos propiciam as condições para o avanço e aprofundamento da Liberdade humana por intermédio do Estado.236



Logo, a crítica que se faz de Marx, no que se refere ao fragmento, é de um hegeliano que sustenta que Marx não leu, “corretamente”, Hegel.


Marx começa seu Dezoito Brumário de Luís Bonaparte com um parágrafo famoso:

'Hegel observa em algum lugar que todos os fatos e personagens de grande importância na história mundial ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como uma tragédia, a segunda como farsa. Caussidière para Danton, Louis Blanc para Robespierre, o Montagne de 1848 a 1851 para a Montagne de 1793 a 1795, o Sobrinho para o Tio. E a mesma caricatura ocorre nas circunstâncias que atendem a segunda edição do décimo oitavo Brumário!'.

Ele então segue este parágrafo com outros igualmente impressionantes, em que ele mostra como "Os homens fazem sua própria história", mas, até agora, emprestando disfarces e linguagens do passado, passando por seus novos e revolucionários papéis como se fossem sonâmbulos, despertado dentre os mortos, inconscientes do que estão realmente fazendo. "Por isso”, Marx conclui, "o despertar dos mortos nessas revoluções [1642 e 1789] serviu ao propósito de glorificar as novas lutas, não de parodiar as antigas; de ampliar a tarefa dada na imaginação, não de fugir de sua solução na realidade; de encontrar mais uma vez o espírito de revolução, não de fazer seu fantasma andar de novo ". [Karl Marx e Frederick Engels, Selected Works in Two Volumes (Londres, 1950), I, 225-226].

Curiosamente, poucos comentaristas sobre Marx procuraram olhar mais de perto para essas passagens e analisá-las. Onde eles têm, como no Tangled Bank de Stanley Edgar Hyman, a ênfase está na conhecida propensão de Marx para a forma teatral e imagens. [Stanley Edgar Hyman, The Tangled Bank (Nova York, 1962), 112-114237]. No meu conhecimento, por exemplo, ninguém rastreou "Hegel comenta em algum lugar" à sua fonte, e levou a sério. A passagem que Marx está pensando é um breve comentário de Hegel na Filosofia da História sobre César e o Estado Romano. Segundo Hegel, ao acabar com a República, "César, julgado pelo grande escopo da história, fez o que era certo”. Brutus, Cassius e os outros conspiradores da época, Hegel nos diz, pensado de outra forma, "supondo que o papel de César seja uma coisa meramente acidental”. Hegel então dá seu julgamento sobre o assunto:

"Mas tornou-se imediatamente manifesto que apenas uma única vontade poderia guiar o Estado Romano, e agora os romanos foram compelidos a adotar essa opinião; uma vez que em todos os períodos do mundo uma revolução política é sancionada nas opiniões dos homens, quando se repete. Por isso, Napoleão foi derrotado duas vezes e os Bourbons duas vezes expulsos. Pela repetição, o que a princípio parecia apenas uma questão de acaso e contingência, torna-se uma existência real e ratificada”. [G. W. F. Hegel, The Philosophy of History, trad. J. Sibree (Nova York, 1900), 312-313. No Werke, Band 8 (Berlin: Dietz Verlag, 1960), há uma nota de rodapé dando a seguinte atribuição: "Hegel, 'Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte' dritter Teil. Engels erwahnt diese Stelle em Seinem Brief von 3 Dezenber 1851 an Marx” ("Hegel, 'Palestras sobre Filosofia da História' terceira parte. Engels menciona esta passagem em sua carta de 3 de dezembro de 1851 a Marx”). Como uma olhada na carta de Engels irá mostrar, contudo, Engels não menciona nenhuma passagem específica].

Se estou certo sobre esta passagem como a fonte para a memória de Marx da observação de Hegel, então estamos na presença de outra das famosas inversões de Marx. De novo, ele colocou Hegel de cabeça para baixo. Para clareza, Hegel vê a repetição na história mundial como uma marca de ratificação, santificando o que aconteceu. Ele não se "esqueceu" de adicionar, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa; pois tal adição contradiria totalmente o que ele está dizendo.

Na realidade, Marx parece ter emprestado todo a noção de farsa de tragédia sobre o Décimo oitavo Brumário de Engels, e adicionou a alusão de Hegel meramente como um 'opener'238. Em uma carta de 3 de dezembro de 1851, Engels observa a Marx: "A história da França atingiu o estágio da comédia suprema. Nada mais engraçado poderia ser imaginado do que esta caricatura do Décimo Oitavo Brumário, realizada em tempo de paz pelo homem mais insignificante do mundo inteiro com a ajuda de soldados descontentes e, tanto quanto se pode julgar no presente, sem encontrar qualquer resistência? ". Alguns parágrafos adiante, Engels expande sua ideia:

'realmente parece que o velho Hegel em seu túmulo estava agindo como o Espírito do Mundo e dirigindo a história, ordenando mais conscienciosamente que tudo deve ser desenrolado duas vezes, uma vez como uma grande tragédia e uma vez como uma farsa miserável, com Caussidière para Danton, Louis Blanc para Robespierre, Barthélemy para St. Just, Flocon para Carnot, e aquele bezerro com a primeira dúzia de tenentes sobrecarregados de dívidas escolhidos ao acaso para o Pequeno Cabo e sua Távola Redonda de marechais. E assim já chegamos ao Décimo Oitavo Brumário. [Karl Marx e Frederick Engels, Selected Correspondence (Moscow, n.d.), 73, 75].

Obviamente, então, Engels é a fonte das imagens básicas de Marx e de sua confusão sobre a "observação" de Hegel. Essa visão é reforçada pela própria admissão de Marx em sua resposta a Engels de 9 de dezembro de 1851: "Bastante perplexo com esses eventos tragicômicos em Paris, eu o mantive esperando por uma resposta". [Ibid., 77]. Mas a perplexidade de Marx não durou muito. Em algum momento, aparentemente, entre dezembro de 1851 e março de 1852, ele escreveu o brilhante Décimo Oitavo Brumário de Luís Bonaparte. Nele, ele incorporou a ideia original de Engels. Engels não era, é claro, o primeiro a nutrir a noção geral de revolução política como teatro - tragédia ou farsa - embora provavelmente tenha conseguido por conta própria. De Tocqueville, por exemplo, em fevereiro de 1848 havia escrito em suas Lembranças:

'Os homens estavam se esforçando inutilmente para se aquecer no fogo das paixões de nossos pais, imitando seus gestos e atitudes como os viram representados no palco, mas incapaz de imitar seu entusiasmo ou ser inflamado com sua fúria. . . . Embora eu tenha visto claramente que a catástrofe da peça seria um terrível, nunca fui capaz de levar os atores muito a sério, e o todo me parecia uma tragédia ruim perpetrada por atores provincianos'. [Usei a tradução citada em A. J. P. Taylor, From Napoleon to Leitin (New York, 1966), 56].

Não podemos acusar Engels, contudo, de empréstimos não reconhecidos, já que as Lembranças de De Tocqueville não foram publicadas até 1863. Presumivelmente, a ideia estava geralmente no ar, e os dois inspiraram-se no público. Em qualquer caso, no uso de imagens emprestadas por Marx, temos uma visão interessante de sua criatividade. Vemos como ele usou as idéias de outros homens para seus próprios fins, explorando-as, por assim dizer, e colocando-as de ponta-cabeça. A condenação moral neste assunto seria irrelevante, e um mal-entendido sobre a forma como o processo criativo funciona. Pois Marx era um gênio, que transmutou o que ele emprestou em seu próprio particular, metal mais fino. Por isso, ele usou a imagem teatral da tragédia e da farsa para dramatizar uma importante peça de análise teórica: que revoluções anteriores (por exemplo, 1642 ou 1789) poderiam trazer mudanças drásticas apenas pela sociedade burguesa escondendo seus verdadeiros propósitos de si mesma por meio de disfarces históricos, ao passo que uma revolução futura só poderia ter sucesso estando plenamente consciente de seus propósitos. É isso que Marx tem em mente quando diz em 18 de Brumário:

'A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, mas apenas do futuro. Ele não pode começar por si mesmo antes de se livrar de toda superstituição em relação ao passado. As revoluções anteriores exigiam lembranças da história mundial passada para se drogar quanto ao seu próprio conteúdo. Para chegar ao seu próprio conteúdo, a revolução do século XIX deve permitir que os mortos enterrem seus mortos'.

(Neste ponto, o travesso Marx não pode deixar de acrescentar outra de suas famosas formulações quiasmáticas: “Lá a frase ia além do conteúdo; aqui o conteúdo vai além da frase”.) [Obras Selecionadas, 227].

No final, então, nós podemos ver isso, em seu caminho, Marx permaneceu parcialmente fiel a Hegel, apesar de interpretar mal sua observação específica. Marx, enfatizando a necessidade de consciência, agarrou-se ao cerne da verdade nas formulações de Hegel sobre o homem só é livre quando compreende sua história. Hegel restringiu seu insight ao afirmar que o homem só pode estar consciente do que aconteceu "depois que a coruja de Minerva" alçou voo. Marx, mais presunçoso, gostaria que o homem "fizesse sua própria história" à luz da razão. Para Marx, apenas uma revolução política consciente, com seus olhos voltados para o futuro, poderia tornar os homens totalmente livres. Esta, certamente, é o sonho utópico que Marx desejava substituir ao "pesadelo" do passado, que ele viu pesando "no cérebro dos vivos". Instituto de Tecnologia de Massachusetts.239



Afinal, até onde a linguagem teatral, utilizada por Marx, é meramente retórica? Pelo que se relatou até agora, existe um arcabouço teórico que não permite afirmar-se que é tudo retórica. Há um certo desdém nisso tudo, em que se faz uma crítica velada a teoria marxista. Em síntese: “dispositivo retórico vazio ou, pior ainda”. Mas não deixa de acrescentar: “esses espectros vagam mais do que nunca entre nós; (…) “você terá que limpar bem suas lentes para evitar que se embacem com a ideologia e estar atento, como sempre, à evolução dos acontecimentos”. Porque então não desmontar “a genealogia que deu origem à frase”? O debate é sobre o significado dos anos 20; essa época pode voltar? Com certeza, que não, do ponto de vista da ciência histórica. Agora, o central no que foi proposto por Marx, era a volta ao passado? Considerando a ironia de Marx, nem ele mesmo defendia essa volta. O que Marx queria registrar era o quanto a ideologia, e a história era parte, minava a compreensão do presente. Trata-se de uma ironia com relação ao que supostamente Hegel afirmou. Marx deixou bem claro que era preciso se livrar desse passado alienante.

A verdade é que não foi uma época particularmente 'feliz' para muitos. Todos os elementos que deram origem à violência política dos anos 1930 e ao surgimento do fascismo já estavam presentes na década anterior. Em "MoneyBart", o terceiro episódio da vigésima segunda temporada de Os Simpsons, Lisa se propõe a multiplicar suas atividades extracurriculares para ser admitida em Harvard. "Querida, você poderia ir para McGill, Harvard no Canadá", sua mãe tenta confortá-la. “Algo que é o 'algo' de 'algo' é na verdade o 'algo' de 'nada'”, Lisa responde. O leitor já poderá dispensar a referência pop para iniciar este artigo, mas é mais acessível do que desmontar, mais uma vez, a genealogia que deu origem à frase com que Karl Marx inaugura O 18 de Brumário de Luis Bonaparte - “Hegel observado em algum lugar que todos os eventos e pessoas na história mundial se repetem, por assim dizer, duas vezes. Mas ele se esqueceu de acrescentar: o primeiro como uma tragédia e o segundo como uma farsa ”- para se tornar um dispositivo retórico vazio ou, pior ainda. Sirva esta preliminar para refletir sobre os vários artigos que levantam a chegada de uma "nova década de vinte" assim que a epidemia de Covid-19 estiver sob controle ou tiver desaparecido completamente. Essa é a tese, por exemplo, de Nicholas Christakis240. De acordo com o diretor do Laboratório Humano da Universidade de Yale, “Normalmente, em tempos de pandemia, as pessoas se tornam mais religiosas, economizam dinheiro, tornam-se avessas ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa, você para de ver seus amigos”. Esta fase é seguida por um “período intermediário, onde o impacto biológico da pandemia ficará para trás, mas ainda teremos que lidar com o impacto econômico e social”, e, uma vez terminado - o autor calcula esse momento em torno o ano de 2024 -, “como aconteceu nos loucos anos vinte do século passado”, as pessoas "vão buscar inexoravelmente mais interação social", irão "para boates, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos, recitais", enquanto "a religião vai diminuir, haverá uma tolerância maior ao risco e as pessoas gastarão o dinheiro que não tinham foi capaz de gastar. ”. Depois da pandemia, conclui Christakis, "pode ​​chegar um tempo de devassidão sexual e desperdício econômico". “Há motivos para pensar que o mundo pós-cobiçoso trará outros felizes anos 20 como aqueles que aconteceram no século passado às ruínas fumegantes da Primeira Guerra Mundial e aos milhões de mortes pela chamada gripe espanhola?” Um artigo do El País241 perguntou sobre as propostas de Christakis. Alguns quiseram ver um paralelo entre os avanços tecnológicos daquela década - a expansão da eletricidade, do cinema, do rádio, do automóvel, do telefone e do telégrafo - e o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação (TIC) na nossa. Até a L'Óreal aderiu a esta tendência. "As pessoas ficarão felizes em sair de novo, para se socializar", disse o presidente da empresa, Jean-Paul Agon. “Será como os felizes anos 20, haverá uma festa com maquiagens e fragrâncias, usar batom será mais uma vez um símbolo de volta à vida ”, acrescentou. A ideia subjacente não está apenas longe de ser original, é tremendamente superficial e possivelmente errada. A metáfora dos "novos anos vinte", ao invés de esclarecer, contribui para obscurecer nossa compreensão do presente ou do passado. Presente contínuo. Uma das características atribuídas pelo filósofo americano Fredric Jameson à pós-modernidade, entendida como lógica cultural do capitalismo tardio, é a crise do pensamento histórico, ou seja, a crescente incapacidade de compreender historicamente os processos sociopolíticos. No pós-modernismo ou na lógica cultural do capitalismo avançado –que este ano marca o trigésimo aniversário de sua publicação–, Jameson chegou a dizer que o nosso é um regime de presente contínuo onde, desarticulado de todos os processos históricos, o passado foi desmontado. uma espécie de baú de memórias da qual as fantasias podem ser retiradas conforme sua conveniência. Trajes que, neste caso, foram confeccionados pelo departamento de fantasias da indústria cultural: Embora esses artigos não excluam que "os felizes anos vinte" terminaram com a crise de 1929, ela se apresenta como um acidente histórico e não como consequência das tensões criadas pelo Tratado de Versalhes, a hiperinflação alemã, a volta das economias ocidentais o padrão ouro e as políticas de Calvin Coolidge (1923-1929), um conhecido defensor do laissez-faire e do princípio da mínima intervenção governamental na economia. E é geograficamente limitado, em um novo exemplo de colonização cultural, aos Estados Unidos da América: embora a República de Weimar e mesmo a União Soviética tivesse seus próprios "felizes anos 20" - entre 1924-1929 e 1921-1928, respectivamente, graças ao Plano Dawes e ao Plano Jovem, no caso alemão, e à Nova Política Econômica (NEP), no da URSS–. Os anos 20 também foram o fermento de regimes autoritários com a proclamação do almirante Miklós Horthy como regente da Hungria (1920), a marcha de Benito Mussolini sobre Roma (1922), a ditadura de Miguel Primo de Rivera na Espanha (1923) ou o de Estado em Portugal e Polónia, ambos em 1926. Embora as consequências económicas do crash de 29 tenham precipitado os acontecimentos, a verdade é que todos os elementos que deram origem à violência política dos anos 1930 e ao surgimento do fascismo já estavam presentes na década anterior. Por outro lado, essa mesma interpretação dos anos 20, distorcida e passada pelo crivo da cultura de massa permite que ela gere menos rejeição por parte do público do que, digamos, a Rússia dos anos 90. Um período com o qual compartilha o mesmo relaxamento moral e rápidas transformações políticas e econômicas, convulsões sociais e capitalismo desenfreado. Nem é preciso dizer que, se questionados sobre isso, certamente muito poucos, senão ninguém, responderão que querem se assemelhar àquela Rússia caótica e em decadência social, que só se estabilizou com a virada do milênio, com a melhoria do 'democracia administrada' que marcou a chegada de Vladimir Putin ao Kremlin. A história da interpretação da história é tão fascinante quanto a própria história. Nos últimos anos, vimos conspirar no discurso político desde a República de Weimar até a Idade Média, um dos tropos preferidos da nova direita radical. Com a Covid-19 e a incerteza que vem com ela, esses espectros vagam mais do que nunca entre nós. A previsão para os "novos vinte anos" pode não ser a última dessas características. "Não podemos prever como nossa palavra responderá", escreveu o poeta russo Fyodor Tiutchev no século XIX. Você terá que limpar bem suas lentes para evitar que se embacem com a ideologia e estar atento, como sempre, à evolução dos acontecimentos.242



O que é importante é o debate histórico. É no debate que a ideologia se desmonta.

Marx começou O 18 de brumário corrigindo a ideia dé Hegel de que a história necessariamente se repete: “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa’[Karl Marx, “The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte”, em Surveys from exile (org. e intr. David Fernbach, Harmondsworth, Penguin, 1973), p. 146. (Ed. bras.: O 18 de brumário de Luis Bonaparte, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 25 ) ]. Esse acréscimo à noção de repetição histórica de Hegel era uma figura de retórica que havia anos perseguia Marx: está em Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel, em que ele diagnostica a decadência do ancien régime alemáo nas décadas de 1830 e 1840 como repetição farsesca da queda trágica do ancien régime francês:

'Para as nações modernas, é instrutivo assistir ao ancien régime, que nelas viveu sua tragédia, desempenhar uma comédia como fantasma alemão. Trágica foi sua história, porque ele era o poder pré-existente do mundo, ao passo que a liberdade, ao contrário, era uma fantasia pessoal; numa palavra, porque ele mesmo acreditou em sua legitimidade e nela tinha de acreditar. Na medida em que o ancien régime, como ordem do mundo existente, lutou contra um mundo que estava então a emergir, ocorreu de sua parte um erro histórico- -mundial, mas não um erro pessoal. Seu declínio foi, por isso, trágico. Em contrapartida, o atual regime alemão, que é um anacronismo, uma flagrante contradição de axiomas universalmente aceitos - a nulidade do ancien régime exposta ao mundo — imagina apenas acreditar em si mesmo e exige do mundo a mesma imaginação. Se acreditasse na sua própria essência, tentaria ele ocultá-la sob a aparência de uma essência estranha e buscar sua salvação na hipocrisia e no sofisma? O moderno ancien régime é apenas o comediante de uma ordem mundial cujos heróis reais estão mortos. A história é sólida e passa por muitas fases ao conduzir uma forma antiga ao sepulcro. A última fase de uma forma histórico-mundial é sua comédia. Os deuses da Grécia, já mortalmente feridos na tragédia Prometeu acorrentado, de Esquilo, tiveram de morrer uma vez mais, comicamente, nos diálogos de Luciano. Porque a história assume tal curso? A fim de que a humanidade se separe alegremente do seu passado. E esse alegre destino histórico que reivindicamos para os poderes políticos da Alemanha'. [Karl Marx, "A Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Right”, em Early Writings (intr. Lucio Colletti, Harmondsworth, Penguin, 1975), p. 247-8. (Ed. bras.: Sao Paulo, Boitempo, 2005)].

(…) O que nos leva de volta à paráfrase de Marx sobre Hegel. É preciso lembrar que, na introdução de uma edição da década de 1960 de O 18 de brumário, Herbert Marcuse deu mais uma volta no parafuso: às vezes, a repetição disfarçada de farsa pode ser mais aterrorizante do que a tragédia original [Herbert Marcuse, em Karl Marx, O 18 brumário de Luts Bonaparte (São Paulo, Boitempo, 2011), p. 9. (N. E.)].243




Uma pergunta precisa ser respondida: na medida em que se discute o peso, pesadelo, da tradição, no que se refere as escolhas da sociedade em frente ao novo, pode-se negar toda essa tradição, em bloco, “patrolar” o solo, de maneira indistinta, homogênea, nivelar tudo, “passar o pano” e esquecer do que não deve ser esquecido? Veja-se que se estabelece um muro entre o velho e o novo. Marx e Engels fizeram análises históricas precedentes sobre a luta dos oprimidos, como spartacus e a própria revolução francesa. Então, essa compreensão pura e simples de que se tem que explodir com o velho, não é bem assim. É e reconhecido valor certas debilidades de Marx e Engels no que se refere ao ofício de historiador. Por exemplo, tem uma visão civilizadora da escravidão moderna, o que é um acinte. No entanto, considerando a obra em geral, Marx e Engels, principalmente em O Capital, demonstram o quanto os argumentos, os fatos, as evidências, os documentos, são necessários para o ofício do historiador. Considerando o que já foi lido, Engels e Marx oscilam entre filosofia da história, à maneira de Hegel, com suas teleologias, e a teoria da história, considerando a importância que davam na análise política da sociedade. Aqui, novamente, a importância de se observar o todo da obra de Marx e Engels, e não apenas fragmentos.

Neste texto candente que ele escreveu antes de deixar a França ocupada e de escolher, na fronteira bloqueada dos Pirineus, o suicídio, Benjamin denuncia, também e antes de tudo, a cumplicidade entre o modelo dito objetivo do historicismo (ele cita Leopold von Ranke), nós diremos hoje o paradigma positivista, e um certo discurso nivelador, pretensamente universal, que se vangloria de ser a história verdadeira e, portanto, a única certa e, em certos casos, a única possível. Sob a aparência da exatidão científica (que é preciso examinar com circunspecção), delineia-se uma história, uma narração que obedece a interesses precisos. De uma certa maneira, Benjamin enuncia uma variante da famosa frase de Marx sobre a ideologia dominante como ideologia da classe dominante. Mas o que está em jogo não é apenas polêmico. De resto, pouco importa que os historiadores do historicismo sejam ou não de boa fé quando preconizam a necessidade de estabelecer a "história universal". O que é essencial é que o paradigma positivista elimina a historicidade mesma do discurso histórico: a saber, o presente do historiador e a relação específica que esse presente mantém com um tal momento do passado. "A história", acrescenta Benjamin, "é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas aquele preenchido pelo tempo-agora [Jetztzeit]".244



Nesse sentido, a reconstrução histórica, a “circularidade da cultura”, pode ser um trauma, na medida que essa reconstrução do passado pode ser aceita ou não, considerando a história “oficial”, “oficiosa”, os “heróis”, as versões da história. Não se trata de resgatar somente o que disse Marx, sobre o passado como pesadelo, sobre a ideologia que o passado carrega, mas também dar voz aos que não tem voz.

O nome psicanalítico desse pesadelo pode ser trauma. Em um sentido histórico-psicanalítico, o passado não está simplesmente perdido ou morto, mas morto - vivo - e é por isso que assombra o presente como um Alp, como escreve Marx na versão alemã. Um Alp é um elfo, uma figura da mitologia germânica que se acreditava causar pesadelos, Alpträume (literalmente: sonhos de elfo), sentado no peito da pessoa adormecida. Se transpormos esta imagem para o cenário da história coletiva e a lermos com Benjamin, poderíamos acrescentar que a 'tradição de todas as gerações mortas' continuará a assombrar o presente como um pesadelo, um Alptraum,enquanto seu modo morto de transmissibilidade reprime a "tradição dos oprimidos". Mesmo que as experiências de todas as tradições oprimidas sejam apagadas e achatadas na representação linear da 'história do vencedor', a história reprimida retornará em uma cena deslocada, em forma distorcida - como espectros.245




Nesse fragmento, Marx demonstra algum domínio da História, no sentido de estabelecer comparações, atitude que o historiador, na atualidade, deve usar com cautela, sob o risco, limite, de fazer generalizações, estabelecer padrões, que, no final, não existem. Um exemplo disso tudo é imaginar que uma história eurocêntrica vai se realizar, da mesma forma, maneira, em todo o planeta. A ideia de uma história unificada da espécie humana, é mais fruto da vontade do que dos fatos, é mais literatura do que ciência, sem, com isso, querer desvalorizar quem faz ou a própria literatura.

No caso, Marx faz uma estupenda análise do quanto a história funciona como ideologia, alienação, falsidade, quando se trata de dar um passo a mais, de construir o futuro, de buscar o novo. Do quando as pessoas, por vários motivos, procuram, no passado, os pilares de uma nova sociedade, quando esta, na verdade, precisa estar assente em outras vigas, bases, estruturas. Trata-se de uma análise política da sociedade francesa, e do quanto a história é usada, na política, para se buscar justificativas para atitudes no presente.

Observe-se um estudo de caso.

“Nós temos uma tendência inata para nos queixar. Nunca estamos satisfeitos. Se chove, queremos sol. Se faz sol, lamentamos a falta de nuvens no céu. Se não temos onde morar, projetamos a conquista da casa. Quando pronta, queremos outra melhor. Quando a falta de um carro é suprida, sonhamos com um zero-quilômetro. Ao colocarmos o automóvel novo na garagem, já imaginamos um modelo mais moderno. Se estamos desempregados, ao conseguirmos o emprego, o salário não é satisfatório. Ao colarmos grau, percebemos que não era este o curso ideal.

Um Século Atrás

Voltemos um século atrás. Nossos avós aqui chegaram, abrindo as picadas a facão. Hospital? Nem médico havia. Escolas? O mais ‘graduado’ era ungido mestre. O historiador Nelson Luersen, de Erval Seco, escreve que os desbravadores até de macacos se alimentavam. Os meios de transporte eram a carroça e o cavalo. Comunicações? Se ao menos dispusessem do celular... Para completar o quadro sinistro, a bandidagem, as revoluções, os maragatos, a Guerra de 14 e de 39. Mesmo dentro deste quadro bárbaro e sinistro, vigia uma relativa escala de valores246.



No caso, é evocado o passado como algo que foi muito pior, como uma tragédia, uma história plena de heróis, que até de animais selvagens se alimentavam para aplacar a fome, num passado não muito distante. Não se procura analisar porque se comia carne de caça, a adaptação dos colonos aos costumes locais, dos “caboclos”, mas que, na verdade, incluía mais grupos sociais, como os remanescentes de índios, por exemplo. O próprio consumo de carne de bugio, considerando quem testemunhou, não parecia ser um costume incômodo, no passado dos colonos.

“No princípio da colonização, os imigrantes se ocupavam com o trabalho nas lavouras, aonde, muitas vezes, ia toda a família, mesmo crianças pequenas. As mulheres faziam um tipo de abrigo com quatro varetas cravadas no chão, que nas pontas tinham um pequeno galho com formato de “V”, chamado de “forquilhas”. Essas varetas serviam de suporte para galhos com folhas, que se tornava um abrigo para as crianças pequenas e para as pessoas realizarem suas refeições durante o trabalho na roça. Nos períodos de preparo dos roçados, os colonos tomavam um café da manhã reforçado, pois sabiam que levaria bastante tempo para ocorrer a próxima refeição. Essa refeição no início do dia era composta por pão, café e comida salgada como o feijão, o arroz, às vezes carne; quase sempre tinha ovos, cardápio que não mudaria para a próxima refeição do dia. O que poderia mudar eram as frutas encontradas no meio do caminho e o horário de alimentar-se novamente acontecia quando “o sol estivesse bem a pico” (WERLANG, 1995. WERLANG, William. A colônia de Santo Ângelo: Agudo: Editora Werlang. 1995), eles só voltavam para casa quando a escuridão se aproximava. Para ajudar a compor a alimentação, os imigrantes utilizavam, muitas vezes, as carnes de caças, porque o uso de animais como o gado, no início da colonização, seria perder meio de transporte e o leite das crianças. Segundo Avé-Lallemant, era comum entre os primeiros imigrantes consumir a caça, alguns animais similares aos que conheciam na Europa, outros nem tanto. Como pode ser observado nas palavras do viajante: 'Constituem [...] artigo de caça [...] diferentes macacos, especialmente o bugio. Caçam-no para obtenção da carne, mas também porque são perigosos inimigos dos milharais. [...]. Ocorre também a saborosa paca, prato tão procurado quanto é detestado a capivara. Ocorre também, em pequenos bandos, o pequeno porco-do-mato de cerdas grossas [...] que é caçado e comido. Todavia não é muito estimado' (AVÉ-LALLEMANT, 1953, p. 349-51. AVE-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo sul do Brasil no ano de 1858. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1953).247

Já os primeiros alemães que se instalaram na Região Carbonífera, no entorno das Colônias Nova Veneza e Criciúma, nas localidades de São Bento Baixo e Forquilhinha, segundo Zanellato e Osório (2012 - ZANELATTO, João Henrique; OSÓRIO, Paulo Sérgio. Forquilhinha: do presente para o passado, outras memórias uma nova história. Forquilhinha, SC: Ed. UNESC, 2012. ), eram provenientes de São Martinho do Capivary. Chegaram tardiamente, por volta de 1912, e se depararam com famílias luso-brasileiras, também conhecidos como caboclos, que viviam na periferia das colônias italianas. (…) A vaca era tida principalmente para a produção de leite, já o porco abastecia o estoque de embutidos. A carne do animal não tinha comércio, por isso os colonos produziam salame, banha, carne seca ao sol e até sabão feito com a gordura do porco (BALDESSAR, 1991 - BALDESSAR, Monsenhor Quinto Davide. Imigrantes: Sua História Costumes e Tradições. S.l.: s.n.. 1991. ). O mesmo autor reforça que para os caboclos não havia comida sem carne que a caça, então abundante, fornecia, o que pode indicar que, o hábito brasileiro de consumir carne na maior parte das refeições, deriva dos costumes caboclos e da fartura de animais silvestres disponíveis para a caça, como catetos, pacas, tatus, cotia, quatis, macacos, bugios, além das aves que habitavam as matas em abundância, como os macucos, jacutingas, araquãs, urus, saracuras, jacupembas, perdizes, jacus, pato selvagem etc. (…) Há de se considerar que a atual nutrição desses descendentes de imigrantes se distancia em muito da dos pioneiros pela facilidade de compra dos produtos de consumo, no entanto, foi alcançado o objetivo proposto inicialmente de determinar as contribuições dos colonos e as influências que acarretaram mudanças ao longo de séculos de colonização, denotando que na região abordada prevalecem os traços da cultura italiana que se somaram aos costumes caboclos, mesclaram tradições gaúchas e que incorporaram o que já havia sido apreendido pelos portugueses.248




O relato continua. Não era suficiente relembrar a época em que se alimentavam de bugio, era preciso lembrar, resgatar o canibalismo, a antropofagia, dos judeus, durante um cerco.


Flávio Josefo, Lúcio Flavio e Eusébio de Cesareia

“Agora vamos retroagir dois mil anos, para dentro de Israel, a pátria de Jesus. O que segue não é literatura ou fantasia, mas vem referendado por historiadores acima de qualquer suspeição, como Flávio Josefo, Lúcio Flavio e Eusébio de Cesareia. O Salvador já profetizara:

'Ai daquelas que estiverem grávidas e estiverem amamentando... Que vossa fuga não aconteça no inverno... Porque haverá uma tão grande tribulação como jamais houve desde o princípio do mundo, nem tornará a haver jamais...249


Ó Israel, dias virão que teus inimigos te sitiarão e te apertarão de todos os lados e tu, Jerusalém, serás pisada pelas nações' (Mt 24,19-21).


“Os jovens de classe elevada foram escravizados. Os maiores de 17 anos foram levados para os trabalhos forçados.250


Os menores, aprisionados para serem vendidos. Ilimitado foi o número de famintos que sucumbiram na cidade. Se em alguma casa se visse uma sombra de alimento, havia guerra. Aqueles que mais se amavam, pelejavam para se arrancarem mutuamente os miseráveis meios de subsistência. Não se ouviam lamentações nem gemidos, pois a fome lhes tirara a sensibilidade.


Não se abstinham dos cintos e das sandálias. Arrancavam o couro dos escudos para roê-los. O pó do ferro-velho era alimento. Fibras vegetais eram vendidas por uma fortuna...251 Historiadores escrevem que pereceram de 500 mil a um milhão de judeus'.


“É horripilante o episódio que vou narrar. Havia uma mulher chamada Maria, filha de Eleazar, da aldeia de Bathezor, distinta de nascimento. Da Transjordânia, se refugiara em Jerusalém. Os tiranos arrebataram-lhe todos os bens. Homens armados todos os dias invadiam a propriedade, apoderando-se do mínimo alimento encontrado. Uma intensa cólera apoderou-se da mulher. Como a fome lhe traspassava as entranhas, seguiu a sugestão da ira e agiu contra a própria natureza. Tinha um filho lactante. Disse: “Infeliz de ti, criancinha! De que serve te conservar a vida? Se vivermos serás escravizada pelos romanos. Ou então seremos vítimas da fome que nos levará à morte. Serás alimento para mim, maldição para os sediciosos, mito para a humanidade, a última desgraça para os judeus”. Assim falando, matou o filho, e após cozê-lo, comeu a metade, escondendo o restante. Os revoltosos percebendo o cheiro de carne assada, ameaçaram estrangular a mulher se não revelasse o local da comida. Ela falou: “É meu próprio filho. Eu o matei. Comei, pois, eu também comi. Não sejais mais sensíveis do que uma mãe”. Então trêmulos, eles saíram. Pela cidade inteira propagou-se a horrorosa notícia...252.253



É difícil avaliar as cenas de antropofagia, durante a guerra, entre judeus e romanos. A situação envolve mãe e um nascido. Em vez de olhar o recém-nascido como filho, o olhar era outro, como carne qualquer. Até onde se leu, o canibalismo, a antropofagia, fazem parte de uma mecânica complexa de poder, principalmente em sociedades sem escrita. A ideia de mecanismo, de máquina, é no sentido de reprodução, de similaridade, de um tipo de comportamento, sem nunca abrir mão do estudo de caso. Embora associada ao comportamento das bruxas e similares, a ideia é sempre a mesma: o poder, através do terror, do medo. No Antigo Testamento, invoca-se sacrifícios humanos, como um ofertório de sangue, embora não tenha o tratamento adequado enquanto tal, como que tangenciando ao fato de que, efetivamente, o que poderia ter acontecido, se não houvesse a providencial intervenção divina, era sacrifício de sangue humano254. Por outro lado, não se pode esquecer que, em muito escritos antigos, a linguagém metáforica é parte do contexto da época. Fazer uma leitura literal, é certo que será um caminho equivocado.



10. Abraão teme a Deus. Qual é a atitude de Abraão, ao sacrificar seu filho? Releituras psicologizantes dessa cena procuram descobrir aí traços de resignação, desespero ou fanatismo. Entretanto, o relato bíblico não sugere nada disso; antes pelo contrário, se menciona explicitamente que Abraão demonstra que "teme a Deus" [v.12b). De acordo com o contexto, "temor de Deus" pode denotar temor do numinoso (conceito hierofânico), adoração (conceito cultual), atitude moral (conceito ético), observância da lei (conceito legal) ou fidelidade à aliança (conceito religioso)[Cf, J, BECKER. Gonesfurchr im Alten Testament. Roma 1965 (AnBib, 25). Ressaltamos aqui o conceito religioso de fidelidade à aliança divina; cf. p. 87-91] Trata-se aqui da atitude de fidelidade a Deus, ao qual Abraão está vinculado por aliança religiosa, cujas estipulações ele acata (=teme). Nessa acepção, o verbo "temer " é empregado como termo técnico que expressa a atitude de entrega aos desígnios do Deus da aliança (Dt 4,10; 6,13; 8,6). Cunhou-se, por isso, a expressão idiomática "temer a Javé"[THAT I, p. 774 ]. É de notar-se, porém, que o motivo de qualificar a atitude de Abraão com o temente a Deus não se baseia em ações passadas que o tornem apto para a renovação da aliança divina, mas no gesto de sacrificar Isaac a Deus. Pois o advérbio "agora" Carrá) introduz o termo-chave "eu sei " da frase que enuncia o motivo de Abraão ter-se tornado um temente de Deus [O advérbio "agora" ('attã) é um termo técnico, empregado na formulação da aliança, introduzindo a conclusão (Js 24,14; 1 Sm 12,13), o motivo (Js 9,6), a estipulação (Ex 19,4 etc.) ou o pedido (Gn 21,23 etc), e servindo de partícula de transição entre uma secção e outra, cf. P, Kalluveettil, op. cit, p. 115]. Esse motivo é o cumprimento do rito de sangue, mediante o qual Abraão mostra seu acatamento à vontade de Deus, que reivindica o titulo de posse sobre Isaac, seu direito, não sobre a filiação, mas sobre a herança; por isso aqui (v.12), com o também na declaração da aliança (v.16), se menciona o "filho " com o sinônimo de "herdeiro" . Por conseguinte,não é Abraão, mas é Deus que vai legar a Isaac a herança paterna: promessa de numerosa descendência e bênção para todas as nações ív.18).255



Um Deus que exige sangue humano, estaria mais para o paganismo do que para a tradição judaico-cristã. No caso dos primogênitos, no Antigo Egito, não foge à regra256.



Os dias que se seguiram aprofundaram as chagas provocadas pelo cerco: fome (BJ, VI: 193), abusos de toda natureza, brigas internas e até casos de antropofagia (BJ, VI: 201-211) confirmavam que YHWH abandonou sua cidade e estava apoiando os esforços romanos (BJ, V: 409). O cerco romano perdurou por quatro meses de duras batalhas para vencer as três muralhas de Jerusalém. No dia 17 de Tammuz (Junho/Julho) os sacrifícios diários oferecidos no Santuário foram interrompidos. No final de Julho os romanos já se encontravam na Esplanada do Templo e, segundo Josefo, Tito César reuniu seu Estado-Maior para deliberar o que fazer com a instituição (BJ, VI: 236-241). Entre os dias 9 e 10 de Av (Julho/Agosto) o Templo foi incendiado e saqueado, seus sacerdotes degolados e suas fundações ocupadas pelos estandartes e sacrifícios pagãos ministrados pelos legionários (BJ, VI: 316). Em 8 de Elul (começo de Setembro) os últimos focos de resistência na Cidade Alta foram debelados e a cidade foi finalmente conquistada.257







Espectro

O assunto “Espectro” é retomado, no Manifesto Comunista, o que seria interessante ver do que realmente se trata. Em outro texto, Marx também fez alusão ao assunto:

Anda um espectro pela Europa — o espectro do Comunismo. Todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro, o Papa e o Tsar, Metternich e Guizot, radicais franceses e polícias alemães. Onde está o partido de oposição que não tivesse sido vilipendiado pelos seus adversários no governo como comunista, onde está o partido de oposição que não tivesse arremessado de volta, tanto contra os oposicionistas mais progressistas como contra os seus adversários reaccionários, a recriminação estigmatizante do comunismo? Deste facto concluem-se duas coisas. O comunismo já é reconhecido por todos os poderes europeus como um poder. Já é tempo de os comunistas exporem abertamente perante o mundo inteiro o seu modo de ver, os seus objectivos, as suas tendências, e de contraporem, à lenda258 [Na edição de 1848: lendas. (N. Ed.)] do espectro do comunismo, um Manifesto do próprio partido.259


Analisando somente esses dois fragmentos, sem generalizar, observa-se que a tradução pode levar a dois caminhos. Primeiramente, remete ao mundo do espectro como mundo da “carochinha”260, que, em parte, remete ao mundo da magia, que é o mundo também de Shakespeare, outro caminho que pode ser seguido.

Shakespeare representaria o mundo gótico em face do mundo românico, o espírito dos “Nibelungen” ante o espírito da “Ilíada”, como afirmava Tobias Barreto? “A isso acrescia o mórbido terror d'um mundo subterrâneo de feiticeiros e de espectros”.261

Forma e conteúdo estrategicamente não são uma coisa só no "Manifesto", redigido com fogos retóricos muito distantes da linguagem sem adorno do "Capital". "Um espectro assombra a Europa...", "tudo o que é sólido desmancha no ar...", "a sociedade burguesa é como um feiticeiro que não é mais capaz de controlar os poderes do outro mundo que ele conjurou...": Shakespeare e Goethe dão-se as mãos nesse texto que, ao menos nisso, realiza o ideal de emergência de uma "literatura mundial" citado na primeira parte. Não seria justo fazer uma leitura literária de um instrumento de militância, nem é razoável ler Marx como poeta (ou como filósofo apenas, o que é mais comum) ; mas não seria justo, também, deixar de apontar o controle retórico desse discurso erudito, redigido para uso popular.262



Será que tudo é retórica, nesses fragmentos, para uso popular? Não é possível fazer também uma “leitura literária” dos textos de Marx? E qual o sentido de Marx em recorrer à literatura para demonstrar seus pensamentos? A literatura, esteticamente, é inferior a suposta leitura econômica, filosófica? Tomado de forma isolada, o “espectro” é apenas uma forma ou conteúdo retirado, deslocado, transposto, para mundo de Marx.

A introdução do Manifesto, a qual faz menção ao “espectro” do comunismo que ronda a Europa, é uma referência indireta a peça teatral de Shakespeare, a célebre Hamlet. Em toda sua obra, Marx utilizou-se de referências a literatura mundial, de Balzac aos gregos. Sua erudição e domínio literário eram de grandeza absurda.263



Do ponto de vista da ciência histórica, quando Marx resgata a ideia de “espectro”, demonstrando seu conhecimento, sua erudição, não está em reforçar a ideia da existência da magia, talvez um dos objetivos de Shakespeare, mas está uma verdadeira discussão sobre o passado, o tempo, a ideologia. Do quanto, a história está encantada com a magia, como num sonho, que alimenta as gerações presentes, com uma força que não pode ser desprezada. Não se trata de um “espectro” qualquer, que se coloca de lado, como contos de fada para crianças, no mundo dos ditos adultos. Trata-se, isto sim, da constatação de que a sociedade se alimenta do passado, para fugir as responsabilidades existenciais, principalmente, durante as crises.



É interessante discutir sobre o marxismo como espectro, algo que Marx, em seu tempo, talvez não imaginasse; embora suas preocupações com o anarquismo possam ser vistas exatamente como uma antevisão do problema, especialmente sobre o Estado. Na atualidade, fica mais claro essa possibilidade, quando o próprio marxismo é considerado anacrônico. A teoria marxista é suficiente para explicar a realidade em que se vive? Em parte. Especialmente para os teóricos do marxismo vulgar, visto que o economicismo deu com os burros n'água, porque não consegue mais interpretar a realidade, visto que a própria realidade econômica mudou, o que mais fazem esses intelectuais é atacar o próprio marxismo. Até onde leituras de marxistas vulgares tem utilidade a não ser a de atacar quem lhe deu origem?Até onde o marxismo transformou-se num tipo de tradição, de lugar comum dentro do próprio capitalismo, sendo absorvido, como um fetiche, pela sociedade? E isso não é decorrência do marxismo vulgar, que renegou Hegel, procurando negar a subjetividade do processo histórico, apostando ou profetizando mudanças do mundo pelo avanço das forças produtivas que, dentro de leis supostamente científicas, trarão o socialismo de presente, envelopado, com fitas? Essas possibilidades do capitalismo de se reinventar, fogem da explicação marxista; ou será do marxismo vulgar? Existe um fim da história? Por outro lado, essa suposta crise do capitalismo, não é a crise do capitalismo estadunidense, que foi incapaz, intelectual e teconologicamente, de estabelecer novas relações para a economia dita mundial? Ao tornar o marximo, um espectro, de que adianta condenar o capitalismo como barbárie? Parece, novamente, a situação em que, desistindo da luta, repassa a tocha para outros que, supostamente, deverão levar a chama até o altar-mor dos supostos e eternos defensores de um suposto marxismo imutável? Enfim, so restou o espectro do marxismo. Entregaram-se os pontos. O capitalismo ganhou. É o fim da história. E que se acabe o planeta. A questão é: até onde o marxismo vulgar não se transformou num modelo de gestão para o capitalismo? Na medida em que a sociedade industrial da época de Marx, sucumbiu a outras formações capitalistas, numa suposta reinvenção, os conceitos utilizados por Marx, perderam sua eficácia? Ou será que a compreensão sobre a teoria marxista estava, desde o ínicio, para o marxismo vulgar, completamente errada? A desploretarização da produção, significa o fim a teoria marxista?



Desde os meados dos anos 1980, o discurso pós-moderno imperou na discussão teórica global ao longo de quase duas décadas, principalmente na esquerda. A crítica da economia política foi substituída pela crítica da linguagem, e a análise das relações materiais objetivas, pela arbitrariedade da interpretação subjetiva; no lugar do economicismo tradicional de esquerda entrou um culturalismo de esquerda igualmente redutor e, no lugar do conflito social, a simulação midiática. Nesse meio tempo, porém, a situação se alterou radicalmente. A crise econômica atinge agora, mesmo no Ocidente, amplas camadas sociais, que até então haviam sido poupadas. É por isso que a questão social retorna no discurso intelectual. Mas as interpretações continuam com uma notória palidez e parecem francamente anacrônicas. A polarização entre pobres e ricos, exacerbando-se de forma irresistível, não encontrou ainda um novo conceito. Se o conceito marxista tradicional de "classe" tem uma súbita conjuntura favorável, isso é antes um sinal de desamparo. No entendimento tradicional, a "classe operária", que produz a mais-valia, era explorada pela "classe dos capitalistas" por meio da "propriedade privada dos meios de produção". Nenhum desses conceitos pode expor com exatidão os problemas atuais. A nova pobreza não surge por conta da exploração na produção, mas pela exclusão da produção. Quem ainda está empregado na produção capitalista regular já figura entre os relativamente privilegiados. A massa problemática e "perigosa" da sociedade não é mais definida por sua posição no "processo de produção", mas por sua posição nos âmbitos secundários, derivados, da circulação e da distribuição. Trata-se de desempregados permanentes, de destinatários de operações estatais de transferência ou de operadores de serviços nos domínios da terceirização, até chegar aos empresários da miséria, os negociantes de rua e os coletores de lixo. Essas formas de reprodução são, segundo critérios jurídicos, cada vez mais irregulares, inseguras e amiúde ilegais; a ocupação é irregular, e as rendas transitam no limite do mínimo necessário para a existência ou até caem abaixo disso.

Classe atropelada.

Inversamente, tampouco a "classe dos capitalistas" pode ainda ser definida no velho sentido, segundo os parâmetros da clássica "propriedade privada dos meios de produção". Na figura do aparelho estatal e das infra-estruturas tanto quanto na figura das grandes sociedades acionárias (hoje transnacionais) o capital aparece de certo modo como socializado e anonimizado; ele se revelou abstrato, deixando a forma personalizável da sociedade inteira. "O capital" não é um grupo de proprietários legais, mas o princípio comum que determina a vida e a ação de todos os membros da sociedade não só exteriormente como também em sua própria subjetividade. Na crise e através da crise, efetua-se mais uma vez uma mudança estrutural da sociedade capitalista, dissolvendo as situações sociais antigas, aparentemente claras. O cerne da crise consiste justamente em que as novas forças produtivas da microeletrônica fundem o trabalho e, com ele, a substância do próprio capital. Dada a redução cada vez maior da classe operária industrial, cria-se cada vez menos mais-valia real. O capital monetário foge rumo aos mercados financeiros especulativos, visto que os investimentos em novas fábricas se tornaram não-rentáveis. Enquanto partes crescentes da sociedade fora da produção pauperizam ou até caem na miséria, do outro lado se realiza tão-somente uma acumulação simulatória do capital por meio de bolhas financeiras. Pela lógica, isso não é nada novo, pois esse desenvolvimento já marca o capitalismo global faz duas décadas. Mas é novo que agora a classe média nos países ocidentais também seja atropelada. [A ensaísta norte-americana] Barbara Ehrenreich já havia publicado em 1989 um livro a respeito da "angústia da classe média diante da queda". Porém o problema foi adiado em seguida por uma década inteira, já que a conjuntura baseada em bolhas financeiras dos anos 1990, juntamente com o impulso da tecnologia de informação e da comercialização da internet, despertou mais uma vez novos sonhos de florescência. O colapso da nova economia e o estouro das bolhas financeiras na Ásia e na Europa, em parte também nos EUA, começam agora, desde o ano 2000, a efetivar de maneira brutal a queda da classe média, já temida anteriormente. Mas quem é essa classe média e que papel ela desempenha na sociedade? No século 19, o mundo das classes sociais era ainda simples e transparente. Entre a classe dos capitalistas, isto é, dos proprietários privados dos meios de produção social, e a classe dos trabalhadores assalariados, que nada possuem além de sua força de trabalho, encontrava-se a classe dos assim chamados pequeno-burgueses. Essa antiga classe média se destacava pela posse de pequenos meios de produção (oficinas, lojas de venda etc.) nos quais ela empregava principalmente sua própria força de trabalho e a de sua família para vender seus próprios produtos no mercado. A expectativa dos marxistas ortodoxos era de que esses "pequeno-burgueses" iriam desaparecer aos poucos devido à concorrência das grandes empresas capitalistas, afundando na classe dos trabalhadores assalariados industriais, até a sociedade ficar polarizada nas duas classes principais, a burguesia e o proletariado.

"Nem peixe, nem carne".

Mas já no começo do século 20 houve na social-democracia alemã o célebre debate entre [Eduard] Bernstein e [Karl] Kautsky sobre a "nova classe média". Eles se referiam a determinadas funções técnicas, econômicas e intelectuais que haviam resultado do processo de socialização capitalista. Com a cientificização crescente da produção e a expansão correspondente das infra-estruturas (administração, engenharia, formação, educação, sistema de saúde, sistema de comunicação, esfera pública midiática, instituições de pesquisa etc.) surgiu uma nova categoria social, que, segundo o velho esquema, não era "nem peixe nem carne". Não se tratava de capitalistas, porque não representava nenhum grande capital monetário; tampouco se tratava de pequeno-burgueses clássicos, porque não possuía os próprios meios de produção e em grande parte era formada de assalariados ou de autônomos meramente formais; porém tampouco se tratava de proletários, porque era empregada não como "produtores diretos" mas como funcionários do desenvolvimento capitalista das forças produtivas em todos os âmbitos da vida. Certamente houve, já no século 19, professores e outros funcionários públicos bem como aqueles funcionários da economia empresarial que Marx designara de "oficiais e suboficiais". Mas numericamente essas categorias sociais pesavam tão pouco que mal podiam ser chamadas propriamente de "classes". Foi só com os novos requisitos do capitalismo no século 20 que as funções correspondentes se tornaram de massa, a ponto de constituírem uma nova classe média. No debate marxista ligado ao começo dessa evolução, Kautsky buscou prensar as novas camadas médias no antigo esquema, incluindo-as de alguma maneira no proletariado, ao passo que Bernstein quis enxergar nesse fenômeno social uma estabilização do capitalismo, que possibilitaria uma política reformista moderada. De início, Bernstein pareceu ter razão por um longo tempo. A nova classe média se revelou cada vez mais claramente uma categoria social distinta da classe trabalhadora tradicional, não apenas segundo o conteúdo e o local da atividade mas também no aspecto econômico. Barbara Ehrenreich menciona como critério o fato de que para essas pessoas seu "status social se baseia antes na formação do que na posse de capital ou de outros valores materiais". Como sua constituição requer um longo tempo, até os 30 anos de vida ou além disso, e devora grandes recursos, a qualificação superior eleva o valor da força de trabalho bem acima das demais variações médias. Foi nesse contexto que se originou um conceito rico em conseqüências, a saber: o de "capital humano". Engenheiros empregados, especialistas de marketing, planejadores de recursos humanos, médicos autônomos, terapeutas, advogados, professores pagos pelo Estado, cientistas e assistentes sociais "são", sob um determinado aspecto, o capital de um duplo modo. De um lado, eles se relacionam estrategicamente com o trabalho de outras pessoas por meio de sua qualificação, dirigindo e organizando no sentido da valorização do capital; de outro, eles se relacionam em parte (sobretudo na qualidade de autônomos ou de funcionários diretores) com sua própria qualificação e, dessa maneira, com eles próprios na forma de "capital humano", como um capitalista no sentido da "autovalorização". A nova classe média não representa o capital no plano dos meios de produção de materiais externos ou do dinheiro, ela o faz no plano da qualificação organizadora ligado aos processos de valorização, em um alto nível de aplicação de ciência e tecnologia.

Maio de 68.

No decurso do século 20, formaram-se inúmeras novas funções dessa espécie, e a nova classe média aumentou cada vez mais em termos numéricos. Particularmente, o desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial trouxe, juntamente com as novas formas de produção fordista e as indústrias do lazer, um surto complementar que ia nessa direção; era perceptível que na maioria dos países a parcela dos estudantes aumentava de geração a geração. O movimento estudantil mundial de 1968 mostrou o significado maduro desse setor social; no entanto ele foi também um primeiro sinal da crise. Se até então a constituição da nova classe média tinha de fato estabilizado o capitalismo no sentido de Bernstein e esteve ligada a reformas progressistas, agora começava um processo de desestabilização. Certamente o novo desemprego estrutural em massa, na seqüência da terceira revolução industrial e da globalização do capital, atingiu de início principalmente os produtores industriais diretos. Mas já estava delineado que também a nova classe média não seria poupada. A ascensão dessa classe acompanhou em muitos aspectos a expansão das infra-estruturas públicas, do sistema de formação e da burocracia do Estado social. A crise da valorização industrial real levou a uma crise financeira do Estado cada vez mais profunda. De repente, muitos domínios que antes eram considerados conquistas soberbas começaram a parecer luxo desnecessário e peso morto.

Diaristas intelectuais.

O mote do "Estado enxuto" se propagou; as verbas para formação e cultura, para o sistema de saúde e numerosas outras instituições públicas foram cortadas; iniciava-se a demolição do Estado social. Também nas grandes empresas setores inteiros de atividade qualificada foram vítimas da racionalização. Dado o desabamento da nova economia, até mesmo as qualificações de muitos especialistas "high-tech" se viram desvalorizadas. Hoje não se pode mais ignorar que a ascensão da nova classe média não tinha uma base capitalista autônoma; pelo contrário, ela dependia da redistribuição social da mais-valia oriunda dos setores industriais. Da mesma maneira que a produção social real de mais-valia entra em uma crise estrutural devido à terceira revolução industrial, os âmbitos secundários da nova classe média vão sendo sucessivamente privados de seu solo fértil. O resultado não é somente um desemprego crescente de acadêmicos. A privatização e a terceirização desvalorizam o "capital humano" das qualificações inclusive no interior da parcela empregada e degrada o seu status. Diaristas intelectuais, trabalhadores baratos e empresários da miséria na figura de free-lance em mídias, universidades privadas, escritórios de advogados ou clínicas privadas não são mais exceções, mas a regra. Apesar disso, no final das contas também Kautsky não teve razão. Pois a nova classe média decaiu, é verdade, mas não para ser o proletariado industrial clássico dos produtores diretos, convertidos numa minoria que vai desaparecendo vagarosamente. De forma paradoxal, a "proletarização" das camadas qualificadas está ligada a uma "desproletarização" da produção.

Pessoas atomizadas.

Nisso a desvalorização das qualificações vai de par com uma expansão objetiva do conceito de "capital humano". Ao revés da decadência da nova classe média, realiza-se de certa maneira um inédito "pequeno-aburguesamento" geral da sociedade, quanto mais os recursos industriais e infra-estruturais aparecem como megaestruturas anônimas. O "meio de produção independente" se deteriora até atingir a pele dos indivíduos: todos se tornam seu próprio "capital humano", ainda que seja simplesmente o corpo nu. Surge uma relação imediata entre as pessoas atomizadas e a economia do valor, que se limita a reproduzir-se de maneira simulatória, por meio de déficits e bolhas financeiras. Quanto maiores se tornam as diferenças entre o pobre e o rico, tanto mais desaparecem as diferenças estruturais das classes na estruturação do capitalismo. Por isso não tem o menor sentido que os ideólogos da classe média em queda queiram reclamar para si a velha "luta de classe do proletariado", não mais existente. A emancipação social requer hoje a superação da forma social comum a todos. No interior do sistema produtor de mercadorias, só há a diferença quantitativa da riqueza abstrata, que, se existencialmente toca na questão da sobrevivência, não obstante permanece estéril em termos emancipadores. Um Bill Gates é tão pequeno-burguês quanto um empresário da miséria, ambos têm a mesma atitude para com o mundo e utilizam as mesmas frases. Com essas frases sobre o mercado universal e a "autovalorização" na ponta da língua, eles atravessam solenemente, juntos, o portão para a barbárie.264





A questão é até onde essa precarização do trabalho265, considerada “desproletarização”, não é uma releitura do lumproletariado266, que, em última instância, não revelava uma debilidade, uma insuficiência, uma fragilidade, uma fraqueza, de Marx e seguidores, em levar até os últimos termos, a sua própria teoria, encaixotando a teoria em formas adequadas e degustáveis para o moralismo da época, ignorando amplos estratos sociais, idealizando o trabalho de produção de fábrica, como o fim da história da humanidade? Ao negar o valor do trabalho do lumpezinato, como ausência de consciência de classe, não seria uma forma elitizante de ver a própria sociedade? Veja-se que o conceito de elite não se reduz a economia. Por isso que a produção teórica de Marx não pose ser lida fragmentariamente.


O capitalismo pós-industrial vem afetando em larga medida as condições de trabalho em todo mundo e a precarização da mão de obra passa a ser “senso comum”. O fenômeno da “desproletarização”[WACQUANT, Loic. Urban Outcasts. A comparative sociology of advance marginality. Ed.Polity. 2010] com abandono do Estado, resulta no aumento da mão de obra informal e de atividades criminosas, dentre outros efeitos perversos como a escravização da mão de obra. Investigar e combater o trabalho escravo contemporâneo passa, portanto, pelo entendimento dos fatores que levam a reprodução da pobreza e aprofundamento da desigualdade, determinantes socieconômicos da vulnerabilidade das pessoas ao trabalho escravo contemporâneo [CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Editora Paz e Terra. 1996. O conceito de Capitalismo informacional foi proposto na obra “Sociedade em Rede” e elege a tecnologia da informação como o paradigma das mudanças sociais que reestruturaram o modo de produção capitalista, a partir de 1980. Trata-se de uma teoria que observa a sociedade da virada do século XX para o século XXI, e assinala uma nova realidade de práticas sociais geradas pelas transformações decorrentes da “revolução tecnológica concentrada nas tecnologias de informação”] . O trabalho escravo contemporâneo é caracterizado na lei brasileira como aquele realizado em condições degradantes, jornada exaustiva e por meio de servidão por dívida. Atividades desenvolvidas em condições análogas à escravidão são violações aos Direitos Humanos, segundo o entendimento dos tribunais superiores no Brasil. A desocupação da mão de obra decorrente da transição do sistema fordista de produção para a produção flexível, provocou disrupções no mercado de trabalho com aumento da pobreza e desigualdade, transformando grandes contingentes de seres humanos em reservas de mão de obra escrava no campo e nas cidades.267



Aqui entra em discussão a concepção de materialismo histórico. Ou seja, se o desenho da sociedade não se encaixa no modelo supostamente proposto por Marx, a sociedade parece desmoronar, liquefazer-se, como esquecendo de que “tudo que é sólido, se desmancha no ar”.


Hoje, a esmagadora maioria da população dos países capitalistas se compõe de trabalhadores assalariados. O trabalho assalariado constitui a base do capitalismo, em escala muito maior que nos tempos de Marx. No entanto, as tendências atuais, com o aumento do número dos trabalhadores assalariados empregados fora da produção material propriamente dita, o aumento do número dos empregados, dos flexíveis, dos precários, dos temporários, dos atípicos em geral, o incremento da taxa de trabalho intelectual ou do falso trabalhador autônomo na composição do “operário coletivo”, são bem extensas para testemunhar a “desproletarização” da classe operária, ou da classe trabalhadora em geral.268




Até onde a narrativa da desproletarização não é nada mais que uma leitura do marximo vulgar, que, desencantado com a própria sociedade atual, quer reviver a teoria marxista, mas de maneira atravessada, desencontrada, separada de sua própria criação?

Inicialmente, décadas atrás, esses postos de trabalho eram prioritariamente preenchidos pelos imigrantes, como os gastarbeiters na Alemanha, o lavoro nero na Itália, os chicanos nos EUA, os dekasseguis no Japão, entre tantos outros exemplos. Mas hoje sua expansão atinge também os trabalhadores remanescentes da era da especialização taylorista-fordista, cujas atividades vêm desaparecendo cada vez mais, atingindo diretamente os trabalhadores dos países centrais que, com a desestruturação crescente do Welfare State e o crescimento do desemprego estrutural e da crise do capital, são obrigados a buscar alternativas de trabalho em condições muito adversas, quando comparadas àquelas existentes no período anterior. Essa processualidade atinge também, ainda que de modo diferenciado, os países subornidados de industrialização intermediária, como Brasil, México, Coreia, entre tantos outros que, depois de uma enorme expansão de seu proletariado industrial nas décadas anteriores, começaram a presenciar mais recentemente significativos processos de desindustrialização e desproletarização, tendo como consequência a expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informalizado etc. (…) O mundo do trabalho viveu, como resultado das transformações e metamorfoses em curso nas últimas décadas, particularmente nos países capitalistas avançados, com repercussões significativas nos países do Terceiro Mundo dotados de uma industrialização intermediária, um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho. (…) Começo afirmando que se pode observar um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, manual, especialmente (mas não só) nos países de capitalismo avançado. Por outro lado, ocorreu um processo intensificado de subproletarização, presente na expansão do trabalho parcial, precário, temporário, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado. Efetivou-se também uma expressiva “terceirização” do trabalho em diversos setores produtivos, bem como uma enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços; verificou-se igualmente uma significativa heterogeneização do trabalho, expressa pela crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário. Em síntese: houve desproletarização do trabalho manual, industrial e fabril; heterogeneização, subproletarização e precarização do trabalho. Diminuição do operariado industrial tradicional e aumento da classe-que-vive-do-trabalho. Darei alguns exemplos dessas tendências, desse múltiplo processo presente no mundo do trabalho. Começo pela questão da desproletarização do trabalho manual, fabril, industrial. Tomemos o caso da França: em 1962 o contingente operário era de 7.488.000. Em 1975 esse número chegou a 8.118.000 e em 1989 reduziu-se para 7.121.000. Enquanto em 1962 ele representava 39% da população ativa, em 1989 esse índice baixou para 29,6% (Bihr, 1990 apud Antunes, 1995: 42; e Bihr, 1991: 87 e 108). (…) As mutações no processo produtivo e na reestruturação das empresas, desenvolvidas dentro de um quadro muitas vezes recessivo, deslanchavam um processo de desproletarização de importantes contingentes operários, além da precarização e intensificação ainda mais acentuadas da força de trabalho, de que a indústria automobilística é um exemplo forte. Enquanto no ABC Paulista existiam, em 1987, aproximadamente 200.000 metalúrgicos, em 1998 esse contingente diminuiu para menos de 120.000, sendo que essa retração tem se intensificado enormemente. Em Campinas, outra importante região industrial no estado de São Paulo, existiam em 1989, aproximadamente 70.000 operários industriais, e em 1998 esse número havia sido reduzido para menos de 40.000. Também expressiva tem sido a redução dos trabalhadores bancários, em função do ajuste dos bancos e do incremento tecnológico: enquanto em 1989 existiam mais de 800.000 bancários, em 1996 esse número havia sido reduzido para 570.000 e essa tendência continua se acentuando (sobre as transformações no processo de trabalho no setor bancário ver Segnini, 1998; e Jinkings, 1995).269




No entanto, na mesma proporção, apareceram também as primeiras análises sobre os apelos midiáticos da sociedade do consumo. Embora não realize uma crítica ao consumismo da produção massificada, Packard (2007) menciona os esforços de grande escala feitos, “to channel our unthinking habits, our purchasing decisions, and our thought processes by the use of insights gleaned from psychiatry and the social sciences” (Ibid., p. 31)270. Ainda para ele, tais esforços ocorrem abaixo do nível da consciência, de modo que os apelos direcionados para o consumo são ocultos cujo resultado se dá na manipulação imperceptível nos padrões da própria vida cotidiana. [Cabe aqui destacar a importância dos estudos de Packard no trato da manipulação do consumidor, no entanto, este não foi pioneiro na crítica da manipulação capitalista. Pesquisadores marxistas já realizavam sobre os aspectos que subjugam o indivíduo ao judicie do ordenamento social da produção de mercadorias. Ainda em 1844, em seus primeiros estudos sobre a crítica da Economia Política, Marx já fizera isso ainda nos Cadernos de Paris quando apontou sobre a possibilidade de “criar no outro uma nova necessidade” (MARX, 2015, p. 359271), e novamente em 1867 quando evidenciou o caráter fetichista da mercadoria, que por si só, já denota uma infinitude de possibilidades manipulatórias. Em História e Consciência de Classe, Lukács aborda a reificação do indivíduo que também é, por pressuposto, a existência da subjugação do indivíduo. Em algumas passagens, até mesmo a retórica utilizada do marketing fica explícito o aspecto manipulatório dessa ferramenta, quando Kotler e Keller (2006272) dizem sobre fatores que influenciam o comportamento do consumidor, fica implícito o aspecto manipulatório do direcionamento ao consumo].273



É interessante que essa discussão entre o velho e o novo, lembre a “Querela dos Antigos e Modernos”274. Talvez, na atualidade, seja entre esquerda e direita, entre progressistas e reacionários275.


Um livro de apenas 94 páginas está dando o que falar na França _na imprensa, na televisão, nas universidades, nos meios intelectuais. Nas livrarias, está esgotado. Nos principais jornais, discuti-lo parece um assunto inesgotável. Num ato de grande perspicácia jornalística, mas tipicamente francês, o "Le Monde" fez do livro o tema da sua manchete, sim, da sua manchete de primeira página na edição de hoje do jornal. O livro se chama "Rappel à l'Ordre - Enquête Sur le Nouveaux Réactionaires" (Chamado à Ordem - Enquete sobre os Novos Reacionários). Seu autor é Daniel Lindenberg, professor de ciências políticas na Universidade de Paris 8 e membro do conselho editorial da prestigiosa revista "Esprit". "Panfleto" é uma das palavras mais frequentemente usadas pelos comentaristas para caracterizar a obra, que provocou a maior polêmica intelectual do país nos últimos tempos, reavivando o debate político, que parecia moribundo na França. O escândalo do livro é tanto maior porque Lindenberg, além de apresentar uma caracterização do que chama de "novo reacionarismo" da vida intelectual francesa, também resolveu dar nome aos bois, citando sem pudores aquelas pessoas que se enquadram em sua definição. Eis alguns dos "novos reacionários" citados pelo autor, alguns deles ex-marxistas e ex-libertários: Entre os escritores, Michel Houellebecq, Maurice Dantec, Renaud Camus e Philippe Muray; Entre os filósofos, Jacques Bouveresse, Alain Badiou, Christopher Lash, Alain Finkielkraut, Alain Renaut, Pierre Manent, Marcel Gauchet e Luc Ferry (que é o novo ministro da Cultura); Entre os sociólogos, Alain Besançon, Pierre-André Taguieff, François Richard e Paul Yonnet. Quando fala em "reacionarismo", Lindenberg não está empregando a palavra com o mesmo sentido que a vulgata esquerdófilo-marxista lhe atribui, para definir um tipo de aversão à luta de classes e à revolução do proletariado. Pior do que isso, ele quer se referir a pessoas que, de um modo ou de outro, têm manifestado em suas obras uma aversão crescente pela própria democracia liberal, pelos princípios do igualitarismo e do individualismo, pela cultura de massas, pela miscigenação promovida pela globalização, pelo islã. Segundo Lindenberg, as obras desses "novos reacionários" tomam "a forma de autênticas regressões e visam em seu íntimo, embora sem confessá-lo às vezes, atingir o projeto democrático ele mesmo e sua ambição igualitária". Para o autor, seria preciso tentar entender "como alguns bons espíritos puderam passar, em menos de uma geração, do marxismo doutrinário ao culto da soberania e das idiossincrasias nacionais, da contracultura dos anos 60 e 70 à nostalgia das humanidades, do franco-judaísmo universalista à defesa incondicional de Ariel Sharon, da leitura de Tocqueville à de Carl Schmitt". É Alexis de Tocqueville (1805-1859), e não Marx, que ressurge no centro desse debate atual. Lindenberg foi militante comunista na juventude, rompeu com o marxismo e hoje é membro do Partido Socialista. Está bastante afastado de grupos de esquerda mais radicais, como o dos intelectuais que se reúnem no jornal "Le Monde Diplomatique" e os que cercaram o sociólogo Pierre Bourdieu (uns e outros muitas vezes relacionados). Ele é conselheiro da "Esprit", revista criada pela intelligentsia católica e mais tarde convertida ao liberalismo. Seu grupo intelectual professa princípios de esquerda não-marxista, defende uma sociedade aberta e a primazia do liberalismo econômico. A outra grande surpresa do livro, portanto, como assinalou o "Monde", é que o autor ataca pessoas que são próximas do seu próprio campo de atuação intelectual e política, inclusive ex-colaboradores da "Esprit". Para Lindenberg, os "novos reacionários" estão desfigurando a obra de Tocqueville, que é um marco fundador do pensamento liberal francês, ao tomar dela principalmente as críticas que fez à nascente era democrática. Junto com Tocqueville, que foi o primeiro pensador a analisar em minúcias a sociedade americana, voltou também ao debate a obra de Benjamin Constant (1767-1830), outro ponto de partida do liberalismo. É curioso que no mesmo ano em que Lindenberg publica "Rappel à l'Ordre" tenham chegado às livrarias várias obras que denunciam e discutem as variadas manifestações do antiamericanismo francês _como "L'Obsession Antiaméricaine", de Jean-François Revel, e "L'Ennemi Américain: Généalogie de l'Antiaméricanisme Français", de Philippe Roger. Os Estados Unidos era o problema do aristocrata Tocqueville e parece ser ainda a questão engasgada na garganta da intelligentsia francesa. É como se neste país, onde recentemente a extrema-direita chegou bem perto do poder e Jacques Chirac foi reeleito com uma maioria imperial de 82% do votos, onde vestígios de aristocratismo impregnam o sistema político e a vida social continua repleta de limites às classes inferiores e aos milhões de filhos de imigrantes que vivem há décadas na França _como se neste país o debate político tivesse regredido ao século 19. Ou precisasse retornar até lá, para resolver um problema jamais resolvido, que não é outro que o da assimilação da democracia liberal e da sociedade aberta, de massas e multicultural.

CONSTANT E ADJANI, O RETORNO.

Benjamin Constant também está de volta à França graças ao filme "Adolphe", adaptação do único romance do pensador e político, uma obra-prima do romantismo e um dos "estudos" mais bonitos já realizados sobre o amor. O filme é ainda o retorno muito aguardado de Isabelle Adjani às telas, em grande estilo, depois de um longo período de reclusão da atriz e de um filme recente sem graça, que passou despercebido. Adjani domina a cena em "Adolphe", absolutamente magnética, no papel de Elléonore, representando mais uma vez uma mulher vitimada por uma paixão obsessiva. O filme é uma reconstituição histórica requintada, dirigida com correção por Benoît Jacquot, a pedido (e com produção) de Adjani, que desde a juventude tem adoração pelo livro de Constant. Por causa do filme, "Adolphe" voltou com destaque às lojas. A reedição deveria trazer como prefácio os dois interessantes ensaios de Ortega y Gasset (1883-1950) sobre o romance, "Leyendo el Adolfo, Libro de Amor" e "Para la Cultura de Amor" (em "El Espectador", volumes 1 e 2, respectivamente). O pensador espanhol, porém, permanece um ilustre desconhecido na França.

ORTEGA Y GASSET, O RETORNO.

Como também no Brasil Ortega y Gasset foi posto de lado, traduzo improvisadamente um trecho do seu livro "A Rebelião das Massas" (1930). É um convite à (re) leitura desse clássico, de escrita maravilhosa e com um assombroso arsenal de reflexões sobre a modernidade, que no entanto foi bastante estigmatizado pelas esquerdas, por seu conservadorismo e reacionarismo:

"A vida do homem médio está agora constituída pelo repertório vital que antes caracterizava apenas as minorias culminantes. (...) Se, pois, o nível médio se encontra hoje onde antes apenas chegavam as aristocracias, isso quer dizer que o nível da história subiu prontamente _depois de largas e subterrâneas preparações, mas em sua manifestação de uma só vez_, num salto, em uma geração. A vida humana, na totalidade, ascendeu.(...) Todo o bem, todo o mal do presente e do imediato futuro têm nesta ascensão geral do nível histórico sua causa e sua raiz”.

Mas agora nos ocorre uma advertência imprevista. Esse fato de que o nível médio da vida seja o das antigas minorias, é um acontecimento novo na Europa; mas foi o evento nativo, constitucional, da América. Pense o leitor, para ver claramente a minha intenção, na consciência de igualdade jurídica. Esse estado psicológico de se sentir amo e senhor de si e igual a qualquer outro indivíduo, que na Europa apenas os grupos sobressalentes lograram adquirir, é o que desde o século 18, praticamente desde sempre, acontecia na América. E nova coincidência, ainda mais curiosa. Ao aparecer na Europa esse estado psicológico do homem médio, ao subir o nível de sua existência integral, o tom e as maneiras da vida européia em todos os seus aspectos adquiriram imediatamente uma fisionomia que fizeram muitos dizer: 'A Europa está se americanizando'".276



Claire Fontaine mora em Paris. Seus “assistentes” são Fulvia Carnevale e James Thornhill, uma dupla de artistas ítalo-britânicos. Com um nome readymade - retirado de uma marca popular de papelaria francesa - Claire Fontaine também se descreve como uma artista readymade que se encontra trabalhando no contexto de uma sociedade contemporânea politicamente impotente. Como seus assistentes, Carnevale e Thornhill fazem seus objetos, pinturas, neons, vídeos e, no caso desta entrevista, respondem a perguntas sobre seu trabalho. Os textos escritos também estão no centro do seu trabalho e acompanham cada exposição. Esgotada pelas ruínas da autoria, do ativismo político, da rebelião de maio de 68 em Paris e das estratégias de oposição, Claire Fontaine prefere o que chama de “greve humana”, uma subjetividade que se livra de si mesma, uma singularidade qualquer. Ao exemplificar identidades prontas e estereotipadas impostas por superestruturas sociais ou culturais, ela se torna um recipiente vazio277. Apesar do estado de exaustão, Claire Fontaine cria uma arte que busca transformar a crise política em emancipação subjetiva. Ela entende que fazer arte não pode se opor, se rebelar ou subverter a condição política do capitalismo tardio, então se apresenta como uma artista em greve, uma subjetividade pronta, um buraco na paisagem por onde uma revolução pode rastejar, vinda de outro lugar.

Anthony Huberman: Já que estamos comemorando seu 40º aniversário, e porque vamos nos encontrar em Paris, vamos começar em maio de 1968. A rejeição da autoridade que era tão palpável nas ruas de então é um espírito que se esconde por trás do seu trabalho. Guy Debord é alguém que frequentemente associamos à revolução estudantil, mas seu Sony PSP de 2007 tocando La Société du Spectacle silenciosamente comprimiu sua magnum opus em um reprodutor portátil de PlayStation. E envolver a capa de seu livro em um tijolo o silencia mais uma vez.

Claire Fontaine: Guy Debord está morto. Ele era um cara engraçado e trágico, mas em nossa vida, só tivemos a chance de ver os efeitos da religião situacionista, esse purismo e moralismo extremo que não ajuda a mudar nada. Precisávamos zombar de uma posição tão paradoxal. Mas hoje, talvez seja como atirar em uma ambulância.

AH:Como você vê a relevância do legado de maio de 68 na arte de hoje e como ele informa (ou desinforma) o seu trabalho?

CF: O legado de arte de 68 é muito pobre. Geralmente odiamos comemorações, e o hábito convencional de impor essa obrigação pontual de lembrar o que aconteceu em 68 neutraliza as influências reais desses eventos, que continuam a ocorrer em nossos corpos e em nossa sociedade hoje. Sessenta e oito é uma ideia, uma fantasia deformada sobre a liberdade inconseqüente, sobre a rebelião sem retaliações: uma constelação de projeções muito irreal. Famílias revolucionárias raramente deixam uma fortuna para seus filhos, que muitas vezes têm que trabalhar mais do que seus pais. Pais rebeldes muitas vezes sacrificam a infância de seus filhos e filhas para prolongar sua vida até a idade adulta. Todos os problemas provenientes de uma revolução não alcançada e todas as identidades forjadas por esperanças que simplesmente desapareceram nunca são mencionadas. É interessante ver como as pessoas lidaram com o eclipse daquela ideia infantil de libertação depois de 68. Se preferir, o feminismo, a recusa do trabalho, a recusa da identidade imposta pelo Estado e pela família são temas que informam o nosso trabalho e vêm da Itália de 77 e da Itália daquela década em geral. Consideramos o que aconteceu nos anos 70 mais importante, mais radical, mais preciso. Mas é claro que esses eventos não teriam sido possíveis sem o '68.

AH: Vamos voltar e ser mais específicos, para quem não conhece o seu trabalho. Claire Fontaine278 é uma artista italiana e britânica, ambas radicadas em Paris, que usam o nome Clairefontaine, marca de papel disponível em qualquer papelaria francesa. Alguns conceitos-chave contidos em seus trabalhos são “artista pronto” e “ataque humano”. Você também escreveu textos extensos descrevendo essas noções. Seus trabalhos incluem letreiros de neon, esculturas de tijolos, bandeiras, moedas, picks, frases escritas em fumaça, vídeos em Playstations PSP e cópias estêncil de Warhol Marilyns, entre muitos outros. Você trabalha com as galerias T293, Chantal Crousel, Air de Paris, Neu e Reena Spaulings. Você atribui à política anarquista. Claro, tenho certeza de que é absolutamente horrível ser resumido de uma forma tão crua. De todas as categorias e caixas em que acabei de colocá-lo.

CF: O que mais nos irrita é qualquer classificação estúpida. Certamente é o mesmo para todos. Ser duramente criticado pode ser muito interessante e às vezes totalmente necessário, embora nunca seja uma experiência agradável. Isso não aconteceu muito conosco até agora. Há muito pouco envolvimento crítico com nosso trabalho e parece que ele não interessa a intelectuais e historiadores da arte. Eles podem pensar que nós mesmos realizamos o engajamento crítico com nossos próprios textos, o que é totalmente errado. O que nos deixa com raiva é quando as pessoas entendem mal nossa posição, quando não é um mal-entendido fértil, mas uma interpretação literal como "isso é coisa política" ou "isso é coisa oportunista e cínica". É embaraçoso como a recepção de nosso trabalho pode ser literal! Quando bancamos o idiota para apontar coisas que não fazem sentido na sociedade, as pessoas nos chamam de idiotas. Isso é mais deprimente do que ultrajante.

AH:Minhas obras favoritas são STRIKE , Ibis redibis non morieris in bello e os sinais de Foreigners Everywhere . Quais são as obras que você considera mais representativas da sua prática neste momento?

CF: Eu diria que as obras que são muito importantes para nós neste momento são as da série “Equivalents”, em particular Equivalent VIII e Diviser la division (Divide the division). Equivalente VIII é uma escultura que remete a uma obra com o mesmo título de Carl Andre de 1967. É composta por 120 tijolos de fogo alinhados no mesmo formato da obra original. Mas a peça de Claire Fontaine subverte o silêncio do objeto mínimo e cobre cada tijolo com uma varredura fotográfica da capa de um livro da série Folio. As capas foram transformadas: a lombada foi esticada para caber no tamanho do tijolo. Como os livros se transformaram em objetos sólidos com o mesmo peso e espessura, todos se tornaram equivalentes, assim como para o leitor inexperiente e dentro da lógica do mercado. Todos os fólio têm uma reprodução de uma obra de arte moderna em sua capa e ficamos intrigados com a falta de conexão entre os títulos e as imagens que os acompanham. Ao associar as capas desses livros petrificados escolhidos, obtivemos um quebra-cabeça de elementos visuais e verbais, uma espécie de história. Ao mesmo tempo, a escultura insiste no problema da ilegibilidade. Parece uma tumba para esses livros; diz algo sobre o valor de uso da cultura, sobre a acessibilidade comercial e a barreira intelectual em torno das mercadorias culturais. O outro trabalho, Diviser la division é um neon duplo que será mostrado na exposição Art Focus 2008 deste ano em Jerusalém Oriental. As traduções para o hebraico e o árabe da frase de São Paulo “Divida a divisão” ou “Divida o dividido” acendem e apagam alternadamente nas duas línguas, uma em cima da outra. Eles nunca coexistem. Claro, a violência da tradução está no cerne do nosso gesto: em árabe, a frase soa mais como "Break the division". Não nos referimos apenas à divisão de territórios, pensamos também na impossibilidade de estar politicamente de um lado e não de outro nesta terrível fase do conflito. Sentimentalmente, não se pode deixar de escolher um lado - isso é óbvio - mas, politicamente, é preciso recusar uma partição binária e buscar critérios mais brilhantes para a interpretação dos fatos. Hannah Arendt escreveu certa vez que não amava “nenhum povo ou coletivo - nem o povo alemão, nem o francês, nem o americano, nem a classe trabalhadora, ou qualquer coisa desse tipo. Na verdade, amo apenas meus amigos e o único tipo de amor que conheço e no qual acredito é o amor das pessoas”279. Os amigos, é claro, podem estar dos dois lados.

AH: Essa é uma citação relevante a ser mencionada porque Claire Fontaine parece ser composta por dois lados. Você, Fulvia, e você, James, são os assistentes de Claire Fontaine. Você disse: “Claire Fontaine é composta por assistentes, sua gestão é um centro vazio”. Por querer ser nada mais do que assistentes dela, do que você está fugindo? Isso se relaciona a uma espécie de forma preventiva de emancipação?

CF: Ser ajudante não é uma forma de fugir de algo, mas de uma posição mais honesta e forte. Representa uma posição explícita de cooperação, onde compromissos e discussões são muito importantes e onde o culto ao artista romântico, egocêntrico e inspirado é finalmente pulverizado. Esta é uma posição emancipadora: recusar-se a ser vítima de um estereótipo é sempre muito libertador.

AH: No entanto, os estereótipos são identidades genéricas, e chamar a si mesmo de Claire Fontaine é como chamar a si mesmo de Sr. e Sra. Smith ou Dupont e Dupond: um nome indistinguivelmente genérico. Isso aponta para o que você (e Giorgio Agamben) chamam de “qualquer singularidade”? Uma forma de dissolver sua própria identidade?

CF: Não, não diríamos isso. “Seja qual for a singularidade” é um conceito que não se relaciona com a falta de identidade ou identificação - pelo contrário! É a descrição fiel da situação política de ser sujeito no mundo contemporâneo. Ser comum é ser forte e desejável, não diluído na multidão. Nomear é uma convenção criada para unir criaturas, não para separá-las. Não precisaríamos de um nome se não precisássemos ser chamados, reconhecidos e amados por outras pessoas. Dar a nós mesmos outro nome abre um espaço onde coisas novas são possíveis; é um lugar positivo de dessubjetivação, não uma tentativa de esconder nossas "identidades reais". Os nomes podem coexistir. É possível ser chamado de Monsieur Fontaine e um democrata; para as mulheres, que mudam de nome com o casamento, tem sido assim há mais de 2.000 anos.

AH: Falando em ser duas coisas ao mesmo tempo, eu queria trazer à tona a questão da política anarquista e da relação da arte com o mercado. Você trabalha dentro do mercado: você mostra nas galerias, você vende arte, você está dentro do sistema ... Como você responde àqueles que fazem a fácil acusação de que você é cúmplice do capitalismo? Algum artista não é cúmplice do capitalismo? O que significa “cumplicidade”, na arte, hoje? A arte é de alguma forma um modelo de gestão contemporânea?

CF: Por dentro, por fora ... são coisas que não entendemos. Quem diz isso? Não existe mais um definido fora do capitalismo, e o interior está tão cheio de buracos que bilhões vazam dos bancos apenas devido a alguma negociação não autorizada por um corretor anônimo. Talvez em nossas latitudes a ideia de fora fosse uma ilusão infantil para começar, alimentada pelos dois blocos que se enfrentaram durante a Guerra Fria. Mas existe uma impossibilidade real de trabalhar fora de um sistema capitalista. A ideia de trabalhar contra o capitalismo nasceu da utopia de que poderia existir um tipo diferente de economia, regida por leis diferentes, onde o poder não produzisse opressão e repressão. A história mostra que os países socialistas não podem sobreviver sem uma revolução mundial. No entanto, quando esses países estão convencidos disso, já se tornaram ditaduras e / ou países ultracapitalistas. Nossa situação atual é altamente complexa; muitos bolsões do terceiro mundo existem dentro de países "ricos", e esses mesmos países ricos praticam alegremente a nova forma de colonialismo que algumas pessoas gostam de chamar de globalização. As classes sociais se multiplicaram, mas todos dentro delas estão muito mais isolados e estruturalmente competitivos. Os artistas são um bom exemplo dessa situação: são autônomos porque são trabalhadores e chefes de um só corpo (como Godard sempre diz). É impossível para eles federarem em um sindicato ou cooperativa, ou se o fizerem, torna-se imediatamente patético. Para as pessoas que não conseguem se identificar com seu próprio trabalho ou que se identificam muito com ele (como um ideal), as formas democráticas de luta não se encaixam muito. Muitos artistas que conhecemos têm dois ou três empregos porque não podem ou não querem ganhar dinheiro com sua arte. Portanto, dizer “Eu sou um artista” significa muitas coisas diferentes. Essa disfunção na identificação profissional é cada vez mais comum; é por isso que provavelmente será uma deserção de dentro que destruirá o capitalismo. Mas não somos profetas. E por falar nisso, não sabemos o que “cumplicidade” significa na arte hoje. Nem sabemos o que é “arte”. São muitos mundos diferentes, muitas pessoas diferentes….

AH: Godard, na verdade, deixou de fazer filmes em 1967, paralisado por sua incerteza sobre como proceder à luz da situação política na França. Em seguida, ele invadiu o Festival de Cannes em 1968, impedindo à força as cortinas de abrir, causando o cancelamento do evento. Ele finalmente voltou a fazer filmes (excelentes). A hesitação de Godard é algo que você sente que está enfrentando - parar de fazer arte para se envolver mais ativamente com a política?

CF: Não, nunca, porque nada está acontecendo agora. Nada como o gesto de Godard é mais possível. A ideia de que podemos ou devemos planejar todas as possibilidades de nossas vidas com antecedência é uma ideia muito contemporânea, mas talvez também reacionária. É simplesmente impossível. Ninguém sabe como reagiremos à próxima insurreição, se será o protagonista ou o inimigo dos rebeldes. Aqueles que pretendem fazer isso são prisioneiros de uma ideologia280. Não nos arrependemos agora, mas é claro que a situação pode e deve ser transformada. Na verdade, os momentos revolucionários são momentos em que as prioridades mudam automaticamente. Então você nunca terá que se perguntar: eu vou lá ou não? O que acontecerá comigo se eu fizer isso? Você simplesmente não pode evitar estar onde deve estar; nada pode impedir as pessoas de ficarem do lado que deve ser delas.

AH: Uma vez você disse que arte é o que você faz para ficar acordado enquanto espera que uma rejeição radical de nossa sociedade contemporânea chegue de outro lugar. E você falou sobre a arte como sendo um problema, como algo que adiciona problemas ao mundo, acompanhando o mundo enquanto ele se move lentamente em direção à mudança ... mudanças que virão de outro lugar. Você pode falar um pouco mais sobre isso e como se relaciona com sua própria prática artística?

CF: Existe uma forma fascinante de messianismo revolucionário de que gostamos. Consiste em pensar que tudo o que você faz todos os dias pode secretamente ajudar a preparar o evento que você espera. Na verdade, é uma expectativa ativa, muito melhor do que uma expectativa depressiva. Se desejar, você pode comparar o trabalho de Claire a essa atitude, embora eu não o resumisse desta forma. Temos diferentes tipos de trabalho que lidam com diferentes questões e problemas; não somos leninistas existenciais, se é isso que deseja saber. Mas espero que você já saiba disso! Consideramos que qualquer movimento revolucionário é aquele que visa mais prazer e não apenas um gesto desesperado para se livrar da dor, da opressão ou da pobreza. A arte lida com os desejos e coloca a questão do prazer de maneira impertinente - sob o ângulo do fetichismo extremo da mercadoria. Os anos 70 foram o período histórico do maior conflito entre a concepção social e a comercial dos prazeres. Por um lado, a ofensiva capitalista da época passou a pulverizar as condições humanas e políticas de partilha de prazeres. Por outro, colonizou os desejos e o corpo, transformando-os em ferramentas de acumulação e posse. Agora, esse processo atingiu seu auge e a arte contemporânea está em seu centro. Provavelmente porque a dolorosa indiferença para com nossos sentimentos que caracteriza qualquer mercadoria não existe em uma boa obra de arte. A obra de arte é algo que responde aos sentimentos de todos, que permite às pessoas que não são artistas perceber o mundo como os artistas, em um diálogo contínuo e difícil com objetos, memórias, sensações, possibilidades e interdições. Se essas “coisas” têm algum poder, além de seu preço louco, é um poder de comunicar confusamente algo sobre esse outro mundo onde a vida e a inteligência dá forma aos objetos, enquanto no capitalismo geralmente é o contrário.

AH: As obras de arte certamente têm esse poder! Você traz a ideia de uma expectativa ativa, um cenário para uma interrupção revolucionária de nossas vidas que virá de outro lugar. A própria obra de arte pode causar uma interrupção? Você pode descrever o seu conceito de “ataque humano”?

CF: A arte deve interromper a percepção usual. O problema é determinar como uma interrupção estética pode transformar nossas vidas, como essa lacuna pode ou não nos fornecer armas para combater nossos problemas. O ataque humano é a recusa em perpetuar um comportamento que parece natural, mas, na verdade, cria uma dinâmica tóxica. Claro que tem a ver com o ataque à autoridade, mas às vezes a autoridade também está enraizada em nós mesmos. Portanto, a greve humana é uma forma de nos mudarmos e, por meio disso, mudarmos todos os relacionamentos que as pessoas têm consigo mesmas. Os relacionamentos conseguem transformar o mundo, pois, sempre envolvem poder.

AH: Em termos de recusa a perpetuar um comportamento, vocês se veem fazendo arte ou estão fazendo documentários sobre um artista “qualquer que seja o readymade”, um passo distante da possibilidade de realmente fazer arte? Você pode descrever seu conceito de artista pronto?

CF: Essa ideia de fazer uma peça ficcional sobre um artista hipotético nunca nos ocorreu. É engraçado! Acho que o que fazemos é basicamente arte, pelo menos para algumas pessoas que compartilham uma ideia comum (embora contraditória) de "arte". A arte contemporânea é uma coisa muito estranha; é todo um espaço de problematização. Hoje, seu campo de ação quase coincide com sua crise. O artista readymade é um diagnóstico dessa mesma crise, um sintoma interessante. É um conceito que remete ao problema da subjetivação como artista, à dificuldade de acreditar que o que você faz é único e que sua inspiração e sua arte pertencem a um espaço mágico e sagrado. Mas é muito mais do que isso, e este pode não ser o contexto certo para uma elaboração mais longa.

AH: Ok, eu poderia sugerir aos leitores que eles se referissem aos muitos textos escritos por Claire Fontaine que discutem essas ideias em profundidade. Em vez disso, vou pedir que me fale sobre seu amor pelo comunismo.

CF: Bem, esta é uma questão muito pessoal, politicamente íntima. Podemos dizer que o comunismo não é uma liberdade sonhada ou um fantasma que só assombra espaços de exposição e produtos culturais. Para nós, o comunismo é uma redistribuição da pobreza mais do que riqueza; é uma relação específica com a insuficiência crônica que existe com todos nós - em relação ao nosso corpo, nossa infância, a urgência imediata de nossos desejos. Pensamos que o amor, o amor verdadeiro, só pode ser comunista, e é por isso que o amor não é totalmente possível em nossa sociedade. As pessoas que acreditam que ser comunista é ser uma pessoa exemplar estão totalmente erradas; ser comunista hoje é estar em conflito, oscilando continuamente entre a condição de vítima e a obediência.

AH: Como queremos ser governados? , o título de uma exposição coletiva recente, vem à mente.

CF: Preferiríamos não ...

AH: Isso é justo. E quanto a essas categorias de entrevistas? Que perguntas você prefere não responder? Quais são os aspectos do seu trabalho que você prefere deixar sem explicação?

CF: Este é um duplo vínculo! Mas tudo bem, aqui está algo que não queremos explicar, mas o faremos de qualquer maneira: muitas vezes relutamos em discutir a pesquisa formal envolvida em nosso trabalho e as pessoas podem suspeitar que somos tímidos demais para fazê-lo. Na verdade, a luta para encontrar a forma satisfatória é, na verdade, a maior parte do nosso trabalho. Permanecemos calados por uma questão de prioridades. Sempre temos que reconstruir as referências que usamos, o contexto político a que nos referimos e as circunstâncias de como as obras são produzidas e exibidas. Mas não encontramos tempo para explicar por que escolhemos uma apresentação ou formulário em vez de outro. Frequentemente, prometemos a nós mesmos que em nossa próxima aula descreveremos nossa prática em termos exclusivamente formais, mas nosso tempo se esgota e nunca conseguimos fazê-lo.

AH: Minha última pergunta é uma que gosto de fazer a muitos artistas com quem trabalho. Em um sentido tão geral ou específico quanto você deseja: sobre o que você está mais curioso, mas não entende?

CF: Estamos muito curiosos sobre o movimento em torno da recusa da tecnologia, a população neo-ruralista que migra e deixa as cidades por motivos políticos, e essa visão geral reacionária do progresso como catástrofe. Estamos curiosos porque pensamos que as próximas rebeliões serão de base ecológica: elas acontecerão quando as pessoas virem que suas vidas estão ameaçadas por seus hábitos e que, se o sistema não mudar, eles não terão escolha senão ficar doente e morrer. Os alertas são sempre lançados quando é tarde demais para reagir, mas que tipo de vida poderíamos inventar recusando venenos e visando uma saúde abstrata e a-histórica? “Saúde” hoje se tornou uma noção objetiva, uma forma de capital. A pergunta que nos fazemos é como essa recusa por parte de alguns pode ser mais do que apenas um gesto moral para com os muitos que não podem se dar ao luxo de estar envolvidos nesta secessão? Nesse tipo de posição, sobra muito pouco espaço para a participação e transformação do ambiente urbano, e as únicas pessoas que pensam sobre essas questões o fazem de forma verde e reformista que não vai muito longe, pois muitas vezes é patrocinado pelas mesmas empresas que contribuem para o desastre. Não podemos imaginar como seria possível imaginar uma secessão massiva e uma recusa regressiva da tecnologia - parece como fugir daquilo que é responsável por nos construir, ou ser moralmente envergonhado pelo estilo de vida de nosso tempo. Poluição e catástrofes são consequência da religião do lucro, de uma certa visão de criaturas vivas e de uma certa ideia de prazer e conforto. Essas são coisas a mudar, mas, claro, não sabemos como.281


A alienação do espectador em benefício do objeto contemplado se expressa da seguinte forma: Quanto mais [o espectador] contempla, menos vive; quanto mais ele aceita reconhecer-se nas imagens dominantes de necessidade, menos ele entende sua própria existência e desejos. - Tese 30


Quanto mais sua vida é agora seu produto, mais ele está separado de sua vida. - Tese 33282



Se, bem antes, a discussão era sobre o valor da Antiguidade e Modernidade, agora, é sobre o que?


O consumidor de ilusões. Já em 1967, o francês Guy Debord escreveu La Societé du Spectacule (A sociedade do espetáculo), antecipando as mazelas da fragmentação da cultura ocorrida nestas últimas duas décadas. Como bem lembra Vargas Llosa — que, de certo modo, “revisita” a temática 45 anos depois, em seu La Civilización del Espetáculo —, Debord qualifica de espetáculo o que Marx chamou de alienação decorrente do fetichismo da mercadoria. É quando o indivíduo se “coisifica”, entregando-se sistematicamente ao consumo de objetos, muitas vezes inúteis e supérfluos, destruindo sua consciência de classe. Com isso, o indivíduo se desproletarizaria. E não lutaria. Na proposição 212 de seu livro, Debord chama de espetáculo a ditadura efetiva da ilusão na sociedade moderna. Debord dizia que, na sociedade do espetáculo, a vida deixa de ser vivida para ser representada, vivendo-se “por procuração”, como os atores da vida fingida que encarnam uma peça: “O consumidor real se torna um consumidor de ilusões”. Guardadas as desafinidades ideológicas entre Debord e Llosa, é possível dizer que ambos têm razão. Ou, no mínimo, o que Debord dizia e o que diz agora Llosa têm tudo a ver com a sociedade “pós-moderna” (com todos os problemas que o termo acarreta) que vivemos. Llosa produz um livro em que denuncia a vulgarização da cultura, repetindo algo que T. S. Eliot já dizia, ou seja, que a cultura está a ponto de desaparecer; na verdade, talvez já tenha desaparecido. Llosa chama de “civilização do espetáculo” ou de um mundo em que o primeiro lugar na tábua de valores vigente é ocupado pelo entretenimento e em que se divertir, fugir do aborrecimento, é a paixão universal.

O novo lumpesinato cultural.

Llosa critica fortemente aquilo que chama de “literatura light”, que propaga o conformismo, a complacência e a autossatisfação. Diz também — isso em uma entrevista — que a internet democratizou a informação, mas não, a cultura. Foi uma grande revolução, muito positiva, do nosso tempo. Mas essa informação, se não há uma cultura que discrimine, pode também naturalizar completamente a informação, porque o excesso de informação pode ser um excesso de confusão. Por isso, a cultura é muito importante, pois permite distinguir o que é relevante do que não é relevante. Aí está. O retrato que Llosa apresenta, apenas diferente do de Debord pelo suporte ideológico de cada um, cabe como uma luva ao que se pratica no Brasil como jornalismo, ensino e práticas jurídicas (doutrina e jurisprudência – lato sensu falando). Trata-se da fabricação cotidiana de “lumpens pós-modernos”. Esse “indivíduo” fruto desse processo não reivindica. Não luta. Apenas reproduz. O que ele faz é alienar-a-sua-ação-ao-outro. Trata-se do novo homem, o que substitui o homo sapiens: É o homo simplifier ou o homo facilitator. Juristas, estagiários, publicitários, jornalistas e jornaleiros... Ninguém está livre desse novo homem. Tenho denunciado aqui nesta coluna — mas já há mais de uma década em Hermenêutica jurídica e(m) crise — o modo como os jornalistas fazem a cobertura dos noticiários. Nesta pós-modernidade (sic), a linguagem se aproxima cada vez mais da imagem. Isto é, “imagem é tudo”. E, portanto, tudo vira espetáculo. O repórter não consegue falar de um assunto sem mostrar a imagem. É como se construísse a cada momento uma “isomorfia” entre palavras e coisas. Ou seja: parte-se da premissa de que todos são imbecis e não possuem capacidade maior que a do Homer Simpson. Logo, só entendem o que é uma coisa se a coisa for mostrada. Eis o “poder da imagem”. Não há espaço para se pensar. A enchente é contada pelo repórter quando está com água pelos joelhos. O nascimento do primeiro bebê do ano somente “pode” ser mostrado se o repórter estiver vestido de enfermeiro. Já se sabe como será a reportagem. Ou de forma “dedutiva”, com um “conceito” do qual o repórter tirará o “particular”; ou de forma indutiva, entrando na casa da senhora com vários filhos na escola para discutir a notícia sobre o preço do material escolar: “Dona Fulana tem três filhos...” e a câmara mostra a casa, as crianças, close na lista de material escolar... e assim vai. As metáforas perdem sua função nessa sociedade do espetáculo, eis que a pretensa metaforização é mostrada isomorficamente. Por exemplo, para que metaforizar uma situação se, para explicar a “explicação”, demonstra-se a metáfora? Ou seja, se o repórter quer demonstrar que um time de futebol, quer jogar rápido e diz que “está voando”, a câmara mostra... um pássaro. Qual é, então, a função da metáfora? Nem vou falar nas metonímias e outras questões “representacionais”... Ora, se se quer dizer que um time de futebol está “na ponta dos cascos”, por qual razão o repórter tem de mostrar um cavalo se preparando para correr? “Gosto” de conceder entrevistas em que o entrevistador vai “anotando tudo o que eu falo”. Principalmente tratando de notícias jurídicas. O resultado é quase sempre mais que desastroso. A desculpa é que quem lê jornal não entende termos jurídicos. Nivelamos tudo por baixo. Logo, substitui-se a palavra por outra, que nada tem a ver com o conteúdo. Concedi uma entrevista sobre a teoria do domínio do fato... O que acham os leitores? Como explicar isso ao jovem repórter, para o qual tentei explicar isso durante mais de 15 minutos por telefone. Resultado: quatro linhas e meia, dizendo que se trata de uma teoria que estende a coautoria e alguns blá blá blá.

Nada está tão ruim que não possa piorar (?). A prova de que o iluminismo estava errado com relação à sua crença no progresso e na sua “pregação” quase religiosa de que o império da razão faria a humanidade melhor, talvez esteja no âmbito do lumpesinato cultural que se produz no campo do direito. Há determinadas posições que me fazem crer que o ser humano não melhora. Pelo contrário, a tendência é ficar patinando sobre erros do passado. Vejo por aí, no âmbito da teoria do direito, uma resistência de certos setores que tendem a manifestar — over and over again — coisas velhas e empoeiradas como se fossem algo natural no mundo do Direito. Transformam a filosofia em dogma. Alocam determinados pontos de partidas indiscutíveis, tidos necessariamente por verdades universais, para “facilitar as coisas” (eis o homo facilitador) para os candidatos nos mais variados certames da área do direito. A tarefa pedagógica do ensino jurídico — em tempos de sucesso absoluto da “metodologia simplificadora” (sic) — é encher os receptáculos das consciências dos candidatos, alunos etc. com conteúdos fáceis de memorizar (eis o homo simplifier) e que irão garantir sucesso nas provas. Esta semana, tive conhecimento — através de um e-mail enviado por um atentíssimo leitor, Raphael Peixoto, doutorando da UnB — de uma matéria veiculada pelo portal UOL, que retrata bem aquilo que estava pressuposto na minha fala do parágrafo anterior. Trata-se de notícia que apresenta uma alerta para aqueles que irão participar do 10.º Exame de Ordem Unificado: “professores alertam que o candidato deve se preparar nesse período que antecede a 10.ª edição”, destaca em negrito o texto. O “alerta” dos professores está dirigido para as questões de Filosofia — ou do que vem sendo, de forma até certo ponto acrítica, colocado como “formação humanística” — que passarão a incorporar o Exame a partir desta edição (para ler, clique aqui). A matéria afirma, ainda, que saiu à cata de posições abalizadas de notáveis professores que lecionam a referida matéria nos mais diversos cursinhos preparatórios existentes no país. É espantoso o que se lê ali. Num primeiro momento, tive a impressão de ser um cidadão transeunte do século XIX. A maior parte das teorias que os professores consideram inescapáveis de serem cobradas na prova não são contemporâneas e estão milhas e milhas distantes das discussões que povoam o ambiente da teoria e da Filosofia do Direito no nosso contexto atual. O ápice mesmo desse acontecimento da sociedade jurídica do espetáculo ocorre quando os professores entrevistados pela matéria pretendem explicar o positivismo jurídico, levando em consideração a obra de seu principal arquiteto: Hans Kelsen (vejam: não é culpa minha. Está na internet. Foram os professores que explicitaram o que vou relatar). Assim, segundo um dos professores “o positivismo jurídico tem como ápice a doutrina de Hans Kelsen que visa demonstrar uma fórmula de aplicação do direito que pura e simplesmente declare a vontade do legislador sem criar nada novo, reduzindo o seu conteúdo às leis escritas" (sic, sic e sic!!!). Já escrevi tanto sobre isso que um posicionamento como esse chega a me dar acídia. E não apenas eu. Luis Alberto Warat, Leonel Severo Rocha, Marcelo Cattoni, Tércio Ferraz Jr. também já trataram da questão. Faço, então, aqui um alerta do alerta. A posição externada pelos professores signatário das dicas no UOL não está no Hans Kelsen que li. O velho Hans não disse nada disso. Aliás, de tanto que já escrevi sobre isso e de tanto que Warat, Rocha e outros já escreveram explicando Kelsen e sua complexidade, permito-me não explicar aqui, remetendo o leitor a, no mínimo, Verdade e Consenso (Saraiva, 4ª edição), além dos livros e textos de Warat e dos antes citados. Minha curiosidade é: de onde os professores encarregados das dicas tiraram essa explicação sobre Kelsen? Talvez eu saiba. Simples. O senso comum teórico dos juristas sempre fala mais alto. E o pior: constrói mitos sobre autores. Vejam o mito que se criou em torno de Kelsen e de sua afirmação de um direito puro, ou de que Kelsen propõe uma teoria da aplicação do direito estritamente escrito. E que história é essa do “sem criar nada”? O que é isto — “reduzindo o seu conteúdo às leis escritas”? Como vai mal o ensino jurídico de terrae brasilis. Mal. Muito mal! Ah: ia esquecendo da explicação sobre a diferença entre Constituição e Norma Fundamental (kelseniana). Diz um dos professores que a Constituição é uma norma posta “porque estabelecida (imposta) conforme a norma pressuposta. Exemplo: a Constituição Federal de 1988 foi imposta ao povo brasileiro (promulgação, a imposição aceitável), mas a norma fundamental que a antecede, por exemplo, é a pressuposição de que havia se encerrado o ciclo da ditadura militar no país". Não vou falar muito sobre isso. Apenas lembro que a Grundnorm é uma construção epistemológico-metodológica e, como tal, só pode ser postulada retrospectivamente, sob a condição de eficácia geral do ordenamento jurídico. Em outras palavras, só se pode pressupor a norma fundamental a um ordenamento em pleno funcionamento. Não é uma Constituição que é imposta com base na norma fundamental, mas a norma fundamental que é pressuposta a uma Constituição eficaz. Em outras palavras, a "antecedência" é da Constituição, não da norma fundamental. Assim, ao contrário do que constou na dica... Portanto, muita calma nessa hora... E quanto à hermenêutica? Bem, quanto a esta especialidade basta dizer que — vingando as teses, constante na(s) dica(s) — ficaremos ainda com os pés grudados nos lamaçais teóricos do século XIX. Diz um dos professores que a hermenêutica “é a ciência que estuda a interpretação, que se dá no próprio trabalho do juiz intérprete ao exprimir a sua decisão. Dentro desses contextos, o candidato deve estudar as espécies clássicas de interpretação, em gramatical, sistemática, lógica, histórica, teleológica e sociológica, e seus modos: declarativo, restritivo e extensivo.” Sério?! Assim? Uma mistura do velho Frederico Carlos von Savigny (sendo professor do velho Carlos Marques, ou melhor dizendo, Karl Marx) e algumas invenções metodológicas como “declarativo, restritivo...”? Diretamente das pantectas aos nossos dias? É mesmo isso que os Exames de Ordem irão exigir dos candidatos? É assim que se pretende avaliar a “formação humanística” (sic) dos nossos futuros advogados? Se assim for, vou afirmar solenemente: melhor que tais conteúdos fiquem fora do exame. Essas questões todas retratadas na matéria do UOL são mitos teóricos. Muitos já sepultados. Métodos de interpretação? Aqueles do Savigny, que, ,...), era contra a codificação? Não preciso nem falar de Gadamer ou Heidegger para desconstruir isso. Falemos de jusfilósofos como Dworkin; Alexy (com todas as diferenças que tenho com a sua teoria); Friedrich Muller, entre outros... No final, se as provas do Exame de Ordem cobrarem os conteúdos do modo como foram explicados nas dicas, penso que aquilo que está ruim poderá/deverá piorar. Ah!.. o iluminismo e sua vã utopia de progresso. Coisas do humanismo, esse Outro tão incompreendido... o que faz o ser humano melhor? O que faz a humanidade melhorar? Perguntas sem respostas, indeed. Mas, com relação ao Exame de Ordem – e me perdoem pelo meu pessimismo realista –, parece que as coisas tendem mesmo a piorar. Não é implicância minha. Não tenho culpa se o Direito é um fenômeno bem mais complexo do que se pretende que ele seja. Faço estas críticas longe de qualquer fulanização. Trata-se de uma questão acadêmica. Imaginemos se estivéssemos tratando de medicina ou de química. Não dá para dizer que o antibiótico X se destina a tratar a dengue, quando o remédio adequado é outro; e não se pode dizer que o ácido sulfúrico não é H2SO4. Embora o Direito não seja uma ciência desse mesmo jaez, trata-se de uma ciência social aplicada. E não se pode, sobre ela, fazer um livre exercício adivinhatório.

As expropriações de sentido.

Sob saraivadas de críticas, chamo a atenção da comunidade jurídica para essa “cultura da facilitação”. Mas, mais do que das facilitações (não preciso lembrar da literatura fast food que é vendida hoje até em supermercados e aeroportos), há um imaginário que se contenta com os “restos de sentido” dessa civilização do espetáculo. Quando vou a congressos e seminários, por vezes assisto a algumas conferências. E constato que, para além do escrito, há um falatório desenfreado que mistura conceitos e produz “expropriações de sentido”, sem qualquer indenização significativa-significante. Quando falamos sobre um texto — e recordo-me de recente artigo que discuti com meu Amigo, Professor Ernildo Stein — fazemos desapropriações de sentido. É o que, com Harold Bloom, podemos chamar de “desleituras”. Mas o perigo é quando, a pretexto de falar sobre doutrinas e autores, o palestrante faz uma expropriação, uma “mais valia” da significação minimamente condizente com aquilo que devemos ter como uma “tradição autêntica acerca do que significa a doutrina”. Assim, por exemplo, a crítica ao “juiz boca da lei” não pode faltar nas conferências mais requisitadas de terrae brasilis. Faz-se um espetáculo contra essa “maldita” figura. O que se ouve (vejam, estou só falando de congressos, agora; não estou me referindo ao que dizem os livros, mormente os simplificadores e quetais)? Devemos rejeitar o juiz boca da lei e, no lugar dele, temos a ponderação de princípios feitos por um “novo juiz”. Outra coisa que “adoro” — e tenho visto muito isso por aí — é quando o conferencista enche o peito para dizer que “regras é no tudo ou nada” e “princípios é na ponderação”, e citam de boca cheia Dworkin e Alexy, como se ambos fossem sócios da teoria. Enfim, são os tempos de espetacularização. Tempos de Power Point. De animação gráfica. Do “doctor Google”, que substitui qualquer possibilidade de cultura por um conjunto de informações, no mais das vezes de quinta categoria. No Direito, então, essa questão assume ares de dramaticidade. Basta entrar no Google para ver o que quer dizer, por exemplo, “juiz boca da lei”. E ali aparece a Revolução Francesa e, depois... o juiz dos princípios. No Google, também descobri que o Judiciário ganhou autonomia com a Revolução Francesa. Uau. Há artigos no Google misturando Gadamer com nada mais, nada menos que Hans Kelsen. Sim. Meninos e meninas, eu vi. Li um artigo em um site jurídico, no qual alguém fala de Gadamer e emenda Kelsen quando este abre o flanco para o decisionismo. “Tudo a ver” essa mistura de Gadamer com Kelsen. Pois é. Algaravias conceituais passaram a ser lugar-comum. Outro dia passei os olhos em um livro simplificado (ou algo do gênero, ou espécie) de Direito Administrativo. Poucas fontes. Poucas citações. Ao final, uma lista dos livros que seriam as fontes. Mas, no interior do livro, passagens que esquecem as fontes originais. Ora, se, por exemplo, alguém fez uma pesquisa sobre os tribunais da Relação, mas aquele que quer falar sobre isso, não quer ir a essas fontes e se encher de pó e alergias, deve citar a fonte do infeliz que se esfalfelou fuçando nas velhas bibliotecas. Perdemos o DNA (que eu chamo de mínimo “é”) entre as palavras e as coisas. Como dizia minha poetisa Hilde Domin (cito de cabeça), “antes palavras e coisas dormitavam juntas; depois se separaram”. E eu me permito acrescer: e nunca mais de “ajuntaram”. Perdemos a noção de cópulas significativas mínimas para, digamos assim, a reprodução, portanto, a sobrevivência do homo culturalis. O homo juridicus é, agora, o homo simplifier, o homo standard, perdendo-se no entremeio de extorsões de sentido, expropriações sem qualquer “indenização de sentido”. As palavras vão perdendo o seu significado de base (para lembrar, aqui, algumas noções sempre oportunas da velha filosofia da linguagem). Claro que um texto não carrega o seu significado. Não dá para fazer uma Auslegung dele (arrancar de dentro dele o sentido; afinal, interpretar não é fazer lipoaspiração!). Mas, como bem diz Gadamer, se queres dizer algo sobre ele (o texto), deixe que ele te diga algo. O que quer dizer a palavra “princípio”? O que quer dizer “positivismo”? Façam o teste com seus colegas (alunos e professores). Cada um dirá algo diferente. E, pelo andar da carruagem, um alto percentual estará equivocado. O quer dizer “protesto”? É ir à rua reivindicar? Ou fazer “onda” pelas redes sociais? O que é “amizade”? É olhar nos olhos do “amigo”(a) ou ter milhares de “amigos” pelo “face”? Um registro alvissareiro: de tanto que tenho reclamado sobre a algaravia que se formou sobre “a ponderação”, o “placar” no Google tem se modificado substancialmente. Para termos uma ideia, há um ano havia cerca de 30 mil incidências para “princípio da ponderação” e menos de 600 para “regra da ponderação”. Com satisfação noto que a coisa vai mudando... Hoje a “regra da ponderação” ganhou alguns milhares de “alimentações” no Google. Já passa de 14 mil, embora a incidência do “princípio” esteja quase em 37 mil. Penso que, em mais um ano, finalmente a correção será feita. E constaremos que a correta acepção da ponderação como regra terá mais incidência no Google do que como algo que ela nunca foi, isto é, “princípio” (despiciendo lembrar o que penso sobre a tal “ponderação”... nem vou repetir aqui o que penso sobre isso para não me irritar e nem causar irritação naqueles meus leitores fiéis que já sabem de tudo o que penso sobre essa “pedra filosofal da interpretação” e os malefícios que produziu aqui em terra de Vera Cruz-Santa Cruz). No apagar das luzes da feitura da coluna, recebi e-mail informando que há, no mercado, nova literatura. Trata-se de um resumo de Direito Constitucional descomplicado. Ora, se a matéria já está descomplicada, por que o resumo? Hein? Efetivamente, a criatividade é tanta em termos de simplismo que, em breve, não duvido surja o “Mapa mental do resumo descomplicado de direito X, Y ou Z” e depois, uma espécie de “resumo fundamental”. Isto é, um resumo do resumo do resumo..., para aqueles que não entenderam o primeiro e o segundo resumos... Nem vou explicar, aqui, que estou tentando fazer uma blague com a questão do fundamento de validade (por exemplo, o Trilema de Münschausen)... Corro o risco de fazer como o repórter que explica a metáfora. Mas, vai lá: falo do fundamento do fundamento do fundamento... Ou seja: no andar da carruagem, se se fizer sempre um resumo do resumo, a pergunta que fica(rá) é: qual é o resumo fundamental, isto é, o Grundresumo? Mas tem mais. Em tempos de prevalência de simplificações, até mesmo fazer ironias em terrae brasilis pode se configurar no semeio de nefasta semente. Me recordo que, em 2010, na bela cidade de Natal, durante o evento da Ebec (Escola Brasileira de Estudos Constitucionais), sugeri jocosamente que ainda veria criado uma espécie de “Direito twittado”. Até escrevi aqui! Só não pensei que isso seria levado “a sério”! Com efeito, um orientando high tech me mostrou (advirto: não tenho Twitter; meu mundo não cabe em 140 caracteres) um exemplo disso. Conhecido professor anuncia “bomba: durante a semana postarei no twitter 100 dicas sobre controle de constitucionalidade. A cada meia hora, uma nova dica.” Bingo! 100 dicas, cada uma em 140 caracteres. Boa sorte. É o tipo da notícia que dispensa maiores elaborações... quase como as palavras cruzadas já à venda nas boas casas do ramo. Não penso que necessito comentar a notícia, pois não? O próprio professor disse que era uma “bomba”.

A proibição de anamnese.

A leitura de Llosa e Debord é lancinante. Cortante. Abre sulcos na significância ao mesmo tempo em que vai expondo a(s) insignificância(s). Soco no estômago, para ser mais direito. Devemos refletir sobre tudo isso. O que os autores denunciam — em épocas tão diferentes — pode ser visto no Jornalismo, no Direito, na Publicidade, nas escolas etc. Vivenciamos tempos duros de perda de sentidos (na ambiguidade da expressão). Neste novo “princípio epocal” (de epoché – e refiro-me a Heidegger), há uma espécie de “proibição de anamnese dos fenômenos”. Nesse novo “princípio”, vive-se o império dos simples, do standard, transformado em d(en)ominador comum do “real”, proporcionando, assim, um domínio soberano desse mundo de ficções. O homo simplifier veio para ficar. Acho, sinceramente, que fomos derrotados.283



É interessante a resistência em usar o conceito de ideologia. A materialização do conceito de ideologia, enquanto falseabilidade do real, está também em tudo que envolve o kitsch, que é uma tentativa de resgatar o passado, apresentando como algo novo, o velho. Enquanto kitsch, é a forma de mercantilizar o próprio passado. A ideia de desumanização do kitsch, como ideia mercantilizada do mundo, só fortalece a ideia, ideológica, que em algum lugar do passado, há algo melhor, nas formas puras, negando a própria vida. Seja lixo ou não lixo, são apenas formas ideológicas de disputar a realidade. A ideia de que o padrão, o trabalho em série, a linha de montagem, a esteira rolante, a divisão do trabalho, trabalho em cadeia, mecanização, fordismo, fazem parte do lixo, acaba por mascarar a realidade da lógica capitalista, existe uma negação da realidade em prol de uma idealização do modo de produção. Da mesma forma, no campo da política, o que acontece, na prática, ao tratar todos com o mesmo nome, sem diferenciar, acaba por redundar na negação da própria política, enfim, numa categoria de niilismo que não aponta para a rebeldia prometeica.



Dizia: Gosto muito de você, porque você é o contrário do kitsch. No reino do kitsch você seria um monstro. Não existe roteiro de filme americano ou russo em que você não fosse outra coisa senão um caso repugnante. (…) Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituida nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode considerar que a merda seja imoral! A objeção à merda é de ordem metafísica. Defecar é dar uma prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e, nesse caso, não precisamos nos trancar no banheiro), ou Deus nos criou de maneira inadmissível. Segue-se que o acordo categórico com o ser tem por ideal um mundo no qual a merda é negada e no qual cada um de nós se comporta como se ela não existisse. Esse ideal estético se chama kitsch. (…) A primeira revolta interior de Sabina contra o comunismo não tinha uma conotação ética, mas estética. O que a repugnava não era tanto a feiúra do mundo comunista (os castelos convertidos em estábulos), mas a máscara de beleza com que ele se disfarçara, isto é, o kitsch comunista. O modelo desse kitsch era a chamada festa de 1º de maio.(...) O senador tinha apenas um argumento a favor de sua afirmação: a sensibilidade. Quando o coração fala, não é conveniente que a razão faça objeções. No reino do kitsch, impera a ditadura do coração. E preciso evidentemente os sentimentos suscitados pelo kitsch possam ser compartilhados pelo maior número possível de pessoas. Portanto, o kitsch não se interessa pelo insólito, ele fala de imagens-chave, profundamente enraizadas na memória dos homens: a filha ingrata, o pai abandonado, os garotos correndo na grama, a pátria traída, a lembrança do primeiro amor. O kitsch faz nascer, uma após outra, duas lágrimas de emoção. A primeira lágrima diz: como é bonito crianças correndo no gramado! A segunda lágrima diz: como é bonito ficar emocionado, junto com toda a humanidade, diante de crianças correndo no gramado! Somente essa segunda lágrima faz com que o kitsch seja o kitsch. A fraternidade entre todos os homens, não poderá nunca ter outra base senão o kitsch. Ninguém sabe disso melhor do que os políticos. Assim que percebem uma máquina fotográfica nas proximidades, correm para a primeira criança que veem para levantá-la nos braços e beijá-la no rosto. O kitsch é o ideal estético de todos os homens políticos, de todos os partidos e movimentos políticos. Numa sociedade em que coexistem várias correntes políticas e em que suas influências se anulam ou se limitam mutuamente, é possível escapar da inquisição do kitsch; o indivíduo pode proteger sua originalidade e o artista pode criar obras inesperadas. Mas nos lugares em que um só partido detém todo o poder, somos envolvidos sem escapatória pelo reino do kitsch totalitário. Se digo totalitário é porque, nesse caso, tudo aquilo que ameaça o kitsch é banido da vida: toda manifestação de individualismo (toda discordância é uma cusparada no rosto sorridente da fraternidade), todo ceticismo (quem começa duvidando de detalhes acaba duvidando da própria vida), a ironia (porque no reino do kitsch tudo tem que ser levado a sério), e também a mãe que abandona a família ou o homem que prefere os homens às mulheres, ameaçando assim o sacrossanto amai-vos e multiplicai-vos . Sob esse ponto de vista, aquilo a que chamamos gulag pode ser considerado como uma fossa sanitária em que o kitsch totalitário joga seus detritos. (…) A explicação convencional desses filmes, hoje em dia, é a seguinte: eles descreviam o ideal comunista enquanto a realidade comunista era bem mais sombria. Essa interpretação revoltava Sabina. A idéia de que o universo kitsch soviético podia tornar-se realidade e que ela podia ser obrigada a viver nessa realidade dava-lhe calafrios. Preferia, sem hesitação, a vida no regime comunista real, com todas as suas perseguições e suas filas na porta dos açougues. No mundo comunista real era possível viver. No mundo do ideal comunista realizado, naquele mundo de cretinos sorridentes com os quais ela não poderia ter o menor diálogo, teria morrido de horror em uma semana. Parece-me que o que Sabina sentia em relação ao kitsch soviético era semelhante ao medo que Tereza sentia no sonho em que desfilava com outras mulheres nuas em torno de uma piscina e era obrigada a cantar alegres canções. Cadáveres boiavam na superfície da água. Não havia uma só mulher a quem Tereza pudesse dirigir a palavra ou fazer uma pergunta. Só teria ouvido como resposta as palavras da cantiga. Não havia ninguém a quem ela pudesse dirigir um discreto piscar de olhos. Imediatamente teriam feito sinal ao homem em pé na cesta sobre a piscina, e ele a fuzilaria. O sonho de Tereza revela a verdadeira função do kitsch: o kitsch é um biombo que dissimula a morte. No reinado do kitsch totalitário, todas as respostas são dadas de antemão e excluem qualquer pergunta nova. Vai daí que o verdadeiro adversário do kitsch totalitário é o homem que interroga. A pergunta é como uma faca que rasga o pano de fundo do cenário para se ver o que está por detrás. É assim que Sabina explicou a Tereza o significado de seus quadros: na frente, a mentira inteligível; por detrás, a verdade incompreensível. (…) Respondeu enraivecida: meu inimigo não é o comunismo, meu inimigo é o kitsch! Daí em diante, passou a falsear dados de sua biografia, e quando foi morar na América conseguiu até ocultar o fato de ser tcheca. Era um esforço desesperado para escapar do kitsch que queriam fabricar com sua vida. (…) Toda a sua vida afirmou que seu inimigo era o kitsch. Mas será que ela não o carrega, no fundo do seu ser? Seu kitsch é a visão de um lar cheio de paz, doce, harmonioso, onde reinam uma mãe amada e um pai cheio de sabedoria. Essa imagem nasceu dentro dela quando seus pais morreram. Como sua vida foi bem diferente desse belo sonho, ela é ainda mais sensível a seu encanto, e, mais de uma vez, assistindo a um filme sentimental na televisão, seus olhos ficaram úmidos diante da cena de uma filha ingrata abraçando um pai abandonado, enquanto brilham no crepúsculo as janelas de uma casa onde vive uma família feliz. (…) Essa canção a comove, mas ela não leva essa emoção a sério. Sabe que a canção não passa de uma bela mentira. No momento em que é reconhecido como mentira, o kitsch entra para o contexto do não-kitsch. Perde seu poder autoritário e, mesmo comovente, torna-se igual a qualquer outra fraqueza humana. Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana. (…) A origem do kitsch é o acordo categórico com o ser. Mas qual é o fundamento do ser? Deus? A humanidade? A luta? O amor? O homem? A mulher? A este respeito, existem várias opiniões, assim como existem várias espécies de kitsch: o kitsch católico, protestante, judeu, comunista, fascista, democrático, feminista, europeu, americano, nacional, internacional. Desde a Revolução Francesa, metade da Europa se intitulou de esquerda e a outra metade recebeu a classificação de direita. E praticamente impossível definir uma ou outra destas noções através dos princípios teóricos em que elas se apóiam. Não há nisso nada de surpreendente: os movimentos políticos não se baseiam em atitudes racionais, mas em representações, em imagens, em palavras, em arquétipos, cujo conjunto constitui esse ou aquele kitsch político. A ideia da Grande Marcha, com a qual Franz gosta de se embriagar, é o kitsch político que une as pessoas de esquerda de todos os tempos e de todas as tendências. A Grande Marcha é essa soberba caminhada para a frente, essa caminhada em direção à fraternidade, à igualdade, à justiça, à felicidade, e mais longe ainda, a despeito de todos os obstáculos, pois os obstáculos são necessários para que a marcha seja a Grande Marcha. A ditadura do proletariado ou a democracia? A recusa da sociedade de consumo ou o aumento da produção? A guilhotina ou a abolição da pena de morte? Isso não tem a menor importância. O que faz um homem de esquerda ser um homem de esquerda não é essa ou aquela teoria, mas seu poder de fazer com que toda teoria se torne parte integrante do kitsch chamado a Grande Marcha para a frente. Franz não é, evidentemente, um homem do kitsch. A idéia da Grande Marcha representa na vida dele aproximadamente aquilo que a cantiga sentimental sobre janelas iluminadas representa na vida de Sabina. Em que partido político ele votará? Receio que ele não vote em nenhum, e que no dia das eleições prefira fazer um passeio nas montanhas. Isso não quer dizer que a Grande Marcha tenha deixado de comovê-lo. E bonito imaginar que fazemos parte de uma multidão em marcha que caminha através dos séculos, e Franz nunca esqueceu esse belo sonho. (…) Já disse que o que faz com que a esquerda seja a esquerda é o kitsch da Grande Marcha. A identidade do kitsch não é determinada por uma estratégia política, mas sim por imagens, metáforas e um certo vocabulário. É possível, portanto, transgredir os hábitos, e desfilar contra os interesses de um pais, comunista. Mas não é possivel substituir certas palavras por outras. Pode-se ameaçar com o punho fechado o Exército vietnamita. Mas não se pode gritar: Abaixo o comunismo! Pois Abaixo o comunismo! é a palavra de ordem dos inimigos da Grande Marcha, e aquele que não quer perder a integridade deve permanecer fiel à pureza de seu próprio kitsch. Só digo isso para explicar o mal-entendido entre o médico francês e a artista americana, que acreditava, em seu egocentrismo, ser vítima de invejosos e misóginos. (...), o médico francês dera provas de uma grande sensibilidade estética: as palavras o presidente Carter, nossos valores tradicionais, a barbárie comunista, faziam parte do vocabulário do kitsch americano e nada tinham a ver com o kitsch da Grande Marcha. (…) E assim por diante, e assim por diante. Antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento.284



O fato de isolar do fenômeno, num gueto estético, não resolve a questão dos motivos pelos quais o Kitsch é produzido.


O vocábulo Kitsch, de origem germânica foi generalizado à cultura global e nomeia o que na linguagem corrente, vernácular, designa o verdadeiro mau-gosto, “foleiro”, “parolo”, “piroso”, “possidónio”, “fatela”, “pindérico”, “pechisbeque”, “fancaria”, falso, extra-estético, não-belo. Os ingleses chamam-lhe funky. Portanto, a nomeação de fenômeno que, por evidente falta de qualidade artística, não é enquadrável em superlativos sistemas estéticos. 285




A uma tentativa de fazer apologia do Kitsch, de normalizar um suposto mau-gosto, mas que pode ser “sublime”.

O uso deste termo alemão será melhor trabalhado no capítulo seguinte. Por hora, vamos associá-lo apenas àquilo que, na música, pode ser identificado como o lado do “mau-gosto”. (…) Ainda outro ponto nos chama a atenção antes de partirmos para a análise: Cazuza foi chamado por alguns críticos de sua época como o poeta da dor-de-cotovelo, isso porque o próprio artista dizia gostar de cantar as mazelas do kitsch. Segundo Borges286, no campo da cultura de massa, o kitsch seria uma fronteira entre o vulgar e o sublime. Exatamente aquilo que, na música, pode ser identificado como “brega”, de mau gosto.287


O termo kitsch vem sendo tratado por vários pensadores contemporâneos, em assuntos acerca da vida cotidiana marcadas pelas intervenções do capitalismo e a sociedade moderna e os bens de consumo. De acordo com Abraham Moles (1971288) um dos pioneiros do conceito de Kitsch, a palavra origina-se do alemão kitschen/verkitschen que quer dizer “fazer moveis novos com velhos”, ou seja, recriar. Moles, lista alguns princípios de Kitsch: o primeiro é o princípio de inadequação, ou seja, um distanciamento com a funcionalidade do produto, ele faz uma leitura que toda modificação do produto tem dois lados o lado bom e ruim, perdendo a originalidade e seus princípios. Traduzindo para o fenômeno do Turismo seria uma forma de alterar a realidade para a construção do imaginário. O segundo princípio é o de acumulação que é marcado pelo ―sempre mais ―, pelo exagero, a relação com o turismo seria sobre a procura do algo a mais que o turista sempre irá procurar considerando o ciclo de vida de qualquer produto turístico. Eco (2007289) que para uma arte pré produzida, seria uma mentira, como uma forma de embalagem que se caracteriza em um padrão de beleza para a sua recriação, ou seja, realizar uma maquiagem para o que está velho e acabado para uma forma de enganação da realidade. O autor Umberto Eco (2007) conceitua a palavra kitsch a partir do seu surgimento na segunda metade do século XIX quando os turistas americanos em Munique queriam comprar suvenir (lembranças a um preço mais baixo), pediram um desconto (sketch), assim apareceria a expressão citada. O sociólogo francês Edgar Morin em 1962290, conceituou a palavra kitsch como a arte que não instigava a imaginação e a crítica no indivíduo que se dispusesse a consumi-la, em sua obra ―Espirit Du Temps”. Segundo o autor tal modelo consiste em digerir previamente a arte para o consumidor essa era na visão do Morin (1962)a forma de transformar o interesse cultural pelo fenômeno de kitsh, através de toda a produção da cultura de massa.

'A cultura de massa, mitologiza a realidade empírica; não obstante, mais profundamente ainda, incorpora a seus ritos profanos (...) a própria idéiamãe das grandes religiões- a idéia de salvação individual. A felicidade propiciada pelo consumo é um avatar dessublimizante dos impulsos soteriológico e salvacionistas da alma moderna. Abandonando à religião as angústias existenciais, acomondando-se na cultura de massa de forma a entregar à busca da felicidade terra a terra ( MORIN, 1962, p.28)'.

Para Eco (2007) o kitsch é uma arte celebrativa que se pretendia ser popular, o autor considerava essa arte contemporânea, o mesmo acredita de quem aprecia o kitsch considera que está usufruindo uma experiência qualitativamente alta. De acordo com Christina Pedrozza Sêga (2008291), a grande responsável por sua propagação foi a indústria cultural, que reproduzia em séries de arte. Assim a arte em oposição ao kitsch seria um intermediário entre a cultura de massa e o retorno de obras de arte a parte da sua origem. O fenômeno do kitsch foi criado para preencher um vazio, a demarcação do tempo de lazer fora do horário de trabalho fixo, com a sua promessa simples de diversão para todos, para o prazer concentrado dentro desse tempo, constituindo uma força empurrada para a formação de culturas adaptada as necessidades dos novos clientes que precisam consumir, seja os residentes que não conhecem a própria história da cidade e consequentemente para atrair o turista.

'muitos atribuem ao kitsch o conceito de mau gosto. Entretanto, nem sempre esse mau gosto é evidente aos olhos do consumidor do indivíduo que recorre ao kitsch, principalmente se o objeto for uma réplica do original e tiver a mesma função do objeto anterior'. (SEGA, 2008, p.19).

O conceito de kitsch com relação cultura de massa consegue transformar arquétipos em estereótipos292, submetendo padrões da moda por meio da repetição desses modelos até serem aceite e consumidos pela sociedade. O kitch foi usado por diferentes pensadores em situações diferentes, Adorno (2002293) afirma que a indústria cultural é parte de um plano onde a arte é controlada e planejada de acordo com as necessidades do mercado. 294



O problema é que se constrói um conceito a partir de conceitos que parecem pairar no ar, livres de questionamentos ideológicos. Se o lixo, é fácil de identificar, e o que não é, o tratamento é o mesmo?

Leitores mais críticos ou atentos provavelmente estão se perguntando que raios de postagem é esses, com uma análise musical e literária de uma música que, de tão bem que funcionou, virou kitsch (Adendo: como conta Milan Kundera, a origem do kitsch tinha a ver com negar a merda, ou seja, negar o que é humano. O kitsch era algo sublime, um ideal estético. Para ele, "antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento". E, em alemão, kitsch significa pura e simplesmente lixo). 295



É uma forma de alienação porque são outros, o Estado, a indústria cultural, o mercado, que determinam o que se deve gostar, admirar, contemplar, e não fruto do livre-arbítrio. O sujeito se submete ao gosto do mercado, do Estado, da indústria cultural, porque imagina que isso é o normal, normose, quando é exatamente o contrário. É uma negação do sujeito enquanto produtor de arte, atribuindo a outrem o que deve gostar ou não gostar.

A indústria cultural propaga o Kitsch [“Kitsch é, (...), a etiqueta alemã para os objetos, obras de arte ou espetáculo de mau gosto, franca ou tacitamente ‘comerciais’, mas com pretensões de exibir valores ‘sublimes’. O vulgar que aspira a parecer refinado, a cafonice (inconsciente) que bota banca de ‘beleza’. O espanhol tem um nome para isso: ‘cursi’. O português, o francês, o italiano se resignaram a adotar a palavra alemã, kitsch, que de resto não traz nenhuma conotação nacional e designa ao contrário, uma forma de produção artística fortemente internacionalizada.” (MERQUIOR, 2015, p.44296)], que é uma reação controlada como percepção estética, a sua especialidade “consiste em digerir previamente a arte para o consumidor. A obra Kitsch já contém as reações do leitor ou espectador, dispensando maiores esforços perceptivos e interpretativos.” (MERQUIOR, 2015, p.49-50, grifo do autor). E esta reação controlada tem como primeira finalidade a distração e por fim a alienação. O Kitsch copia os efeitos das obras de arte, é o sentido culinário que interessa, aquilo que é agradável fazendo “cosquinhas na boa consciência do indivíduo ‘médio’, que detesta pensar [...]” (MERQUIOR, 2015, p.52), tudo nele é comercial, incutindo o bonito para que o consumir possa se deleitar, por isso ele é digestivo, aniquilando qualquer possibilidade de imaginação, de crítica e de uma experiência estética efetiva. 297



Conclui-se que o desejo de leveza para a vida humana é meramente idílico e que, após a morte, permanece o kitsch como condição estética para evitar o esquecimento dos falecidos298. É, graças à beleza proporcionada pelo kitsch, que a condição humana tem a sensação de imortalidade. É esta falsa sensação que possibilita aos escritores e demais artistas o impulso estético criativo para com a busca pela eternidade299 do próprio ser. Desse modo, enquanto houver leitores de A Insustentável Leveza do Ser, haverá vida longa para Milan Kundera na memória dos vivos. (…) No ensaio A Cortina, Milan Kundera apresenta a origem e o contexto histórico da palavra kitsch, destacando a relação entre o conceito e o período do romantismo já que o kitsch é resquício da arte alemã do século XIX:

'A palavra kitsch nasce em Munique em meados do século XIX e designa o resíduo xaroposo do grande século romântico. Mas talvez Hermann Broch, que via a ligação do romantismo com o kitsch em proporções quantitativamente inversas, estivesse mais próximo da realidade: segundo ele, o estilo dominante no século XX (na Alemanha e na Europa Central) era o kitsch, sobre o qual se destacavam, como fenômenos de exceção, algumas grandes obras românticas. (...) há muito tempo o kitsch se tornara um conceito bastante preciso na Europa Central, onde representa o mal estético supremo' (KUNDERA, 2006, p. 52, grifos do autor).

(...)No livro Verbetes da Epistemologia do Romance (2019), apresentamos em síntese a história do conceito kitsch:

'Kitsch: Palavra que não possui tradução literal para o português e de etimologia incerta, sua origem é geralmente ligada ao termo alemão kitschen, cuja semântica varia entre o entendimento comum sobre “recolher lixo” ou “comprar de baixo preço”, ou até mesmo relacionado ao “clichê” e ao inautêntico. (CARCHIA; D’ANGELO, 2009, p. 223). Na arte e no design, o kitsch pode ser atribuído ao objeto vulgar ou sem valor artístico (2007, p. 285) ou àquilo que é de fácil reprodução e assimilação, ligado à cultura de massa. Para a Epistemologia do Romance, a palavra kitsch é associada ao pensamento de Milan Kundera acerca do que ele chama de necessidade da mentira embelezante para satisfação de si (KUNDERA, 2009, p. 126). A ER ampara-se, ainda, à ideia kunderiana de ocultação da “merda” como um ideal estético do ser (KUNDERA, 2008), em que o kitsch, como forma estética da negação de questões da condição humana, lida com aquilo que Hermann Broch (2014) define como ausência de reflexão ética no contexto da estética, fomentado pela necessidade do efeito estético agradável. Para a ER, o kitsch é a forma estética do idílio (CAIXETA e GONÇALVES, 2019, p. 99, grifos nossos)'. (…) Para Hermann Broch, por sua vez, o kitsch é uma estética sem ética, pois é cúmplice da mentira, da falsidade. (…) Ao se originar na Alemanha do século XIX, durante o período da ascensão burguesa da Revolução Industrial, o termo inicial, dirá Abraham Moles (1920 – 1992), não era kitsch, mas verkitschen, que quer dizer “trapacear, receptar, vender alguma coisa em lugar do que havia sido combinado” (MOLES, 1972, p. 10). O autor destaca que, posteriormente, surgiu no sul da Alemanha a palavra kitschen, “que quer dizer atravancar e, em particular, fazer móveis novos com velhos” (MOLES, 1972, p. 10). Ao evocar Edgar Morin e Hemann Broch, Moles indica que kitschen consolidou o conceito de kitsch, por volta de 1860, cujo entendimento “está ligado à arte de maneira indissociável, assim como o falso liga-se ao autêntico” (MOLES, 1972, p.10). Desse modo, para ele, o kitsch é um conceito estético que significa, em um primeiro momento, falseamento da beleza, tendo em vista o seu caráter trapaceador de transformar aquilo que é original em cópia. (…) 'É preciso evidentemente que os sentimentos suscitados pelo kitsch possam ser compartilhados pelo maior número possível de pessoas. Portanto, o kitsch não se interessa pelo insólito, ele fala de imagens chave, profundamente enraizadas na memória dos homens: a filha ingrata, o pai abandonado, os garotos correndo na grama, a pátria traída, a lembrança do primeiro amor' (KUNDERA, 2017, p. 269, grifos nossos). É a sensação de identificação das experiências ou expectativas entre as pessoas que fará por consolidar o sentimento de pertença às mesmas causas fraternas e sociais. A comunhão kitsch ocorre devido à interpretação dos envolvidos ao se sentirem conectados com os mesmos anseios e memórias com os demais do grupo social. O autor tcheco ridiculariza o conflito entre liberais e conservadores ou entre jacobinos e girondinos: 'Desde a Revolução Francesa, metade da Europa se intitulou de esquerda e a outra metade recebeu a classificação de direita. E praticamente impossível definir uma ou outra destas noções através dos princípios teóricos em que elas se apoiam. Não há nisso nada de surpreendente: os movimentos políticos não se baseiam em atitudes racionais, mas em representações, em imagens, em palavras, em arquétipos, cujo conjunto constitui esse ou aquele kitsch político' (KUNDERA, 2017, p. 275). Kundera satiriza os movimentos sociopolíticos e os conceitua como kitsch político. Em sua concepção, tanto a esquerda como a direita, estão ontologicamente fundadas no mesmo princípio. Os adeptos de ambos partidos acreditam no fundamento do acordo categórico do ser. (…) Isto significa que faz parte de todo o ser humano querer evitar os sofrimentos e ser feliz, e que em A Insustentável Leveza do Ser toma a forma estética do kitsch, ou seja, do falseamento da beleza. (…) A narrativa apresenta que o ideal idílico não é um sonho somente dos comunistas ou da União Soviética. Pois “o kitsch é o ideal estético de todos os políticos, de todos os movimentos políticos” (KUNDERA, 2017, p. 270). (…) Sabina não se incomodava tanto com “a feiura do mundo comunista (os castelos convertidos em estábulos), mas a máscara de beleza com que ele se cobrira, isto é, o kitsch comunista” (KUNDERA, 2017, p. 267). (…) O mal, para Sabina, chama-se kitsch, pois induz aos militantes, de quaisquer grupos que seja, a crença na existência de uma única voz. (…) A mãe de Tereza tinha o hábito de se contemplar no espelho. Admirava a própria beleza refletida no vidro. A cópia de si estetizada numa imagem. Isso era uma atitude estética kitsch, pois o ser dela não se resumia naquela imagem efêmera do corpo espelhado. Teve um momento em que se deu conta da falta de harmonia do seu corpo. Tomou consciência que não era mais bonita. Agora que não era mais jovem, reconheceu que não tinha como negar a miséria de corpo que tem. (…) A personagem, por um instante, conscientizou-se do falseamento estético de todo o seu pudor escatológico, mas logo em seguida retoma às posturas de ocultação da merda ao limpar o ânus e dar descarga. Nesta sua postura, revela-se o eterno retorno inevitável do kitsch. (…) Toda interpretação dada aos episódios do acaso é uma tentativa kitsch de ocultar o caos que é a vida, a realidade, as relações e os encontros inesperados. (…) De forma simbólica, o livro de Tolstói nas mãos de Tereza representa a estética kitsch por ocultar o papel de ticket que lhe permite ser a entrada da moradia de seu amante. (…) Uma atitude ontologicamente kitsch, pois a mãe de Tereza queria ignorar, ocultar de si mesmo, a responsabilidade de seus próprios atos, tendo em vista que fora ela que escolhera livremente o nono pretendente e posteriormente o segundo marido. (…) De modo kitsch, falseava para si, ser vítima de Tereza, acreditando que o peso de toda a sua vida estava no fato de ser mãe alegando à filha que é sacrificante a maternidade. Com isso, de forma kitsch criava para a Tereza o mito heroico que é ser progenitora. Entretanto, Tereza constata a repetição do destino da mãe na vida dela. (…) O narrador kunderiano ironiza o conceito filosófico de alma, provocando o entendimento de que no final da Idade Moderna se tornara um elemento kitsch, devido à alma ser um nome que embeleza a obscuridade da massa cinzenta cerebral. Porém, a palavra alma pode ser entendida na narrativa kunderiana como sinônimo de ego. 'A unicidade do “eu” se esconde exatamente no que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar o que é idêntico em todos os seres, o que lhes é comum. O “eu” individual é o que se distingue do geral, portanto o que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, o que precisa ser desvendado, descoberto, conquistado no outro' (KUNDERA, 2017, p. 213). Tomas questiona sobre a essência do ego. Somente a partir do eu é que se poderia entender a individualidade dos sujeitos, mas o ego experimental kunderiano fica sem respostas cientificamente válidas para as suas questões filosóficas. Tomas, que durante os últimos dez anos de atividade médica vinha tratando exclusivamente do cérebro humano, sabia que não havia nada mais difícil do que identificar o “eu”. Entre Hitler e Einstein, entre Brejnev e Soljenítzin, há muito mais semelhanças do que diferenças. Se quiséssemos expressar essa ideia aritmeticamente, poderíamos dizer que existe entre eles um milionésimo de dessemelhança e novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove milionésimos de semelhança (KUNDERA, 2017, p. 213). Há dez anos, Tomas faz pesquisas sobre o funcionamento neurológico do cérebro humano. Coincide com o mesmo tempo de vida de solteiro. Tanto na vida profissional, como na sexual, Tomas busca entender o “eu” das pessoas. Com as amantes, ele procura a mais sutil peculiaridade de cada mulher. Na clínica, ele constata que este “eu” humano é um mistério não desvendado cientificamente. Questiona a distinção que haveria entre o eu de um cientista ou artista com o eu de um político tirano. Esse questionamento do narrador kunderiano é respondido pelo autor Kundera em entrevista a Philip Roth: “Mas o que é esse eu? É o somatório de tudo aquilo que lembramos. Assim, o que nos apavora na morte não é a perda do futuro, e sim a perda do passado. O esquecimento é uma forma de morte que está sempre presente na vida” (KUNDERA, 2017, p. 107). (…) Este é um dos pesos ontológicos do ego experimental Tomas. Sua atividade médica, mesmo com toda a parafernália positivista, tem uma motivação metafísica. Uma curiosidade espiritual, imaterial sobre o ser que possa estar habitando na nebulosa massa cinzenta de cada cérebro de sua espécie. 'Ser cirurgião é abrir a superfície das coisas e olhar o que se esconde dentro delas. Talvez tenha sido esse desejo que despertou em Tomas a vontade de ver o que havia além do “es muß sein!”; em outras palavras, de ver o que sobra da vida quando o homem se livra de tudo o que considerara até então como missão' (KUNDERA, 2017, p. 210). O médico Tomas suja as próprias mãos ao tocar na profundidade do corpo humano. Não se contenta com a pele como único órgão que revele o fenômeno da corporeidade. Ele age de forma antikitsch ao abrir com bisturi os pacientes. Mas por ironia do narrador kunderiano, ele é kitsch quando imagina haver um ser imaterial. A crença no ser invisível habitando em alguma região neuronal é o que o faz crer na unidade metafísica da personalidade de seus doentes. A expressão alemã es muß sein é alusão ao “último movimento do último quarteto de Beethoven” (KUNDERA, 2017, p. 40) e que significa: “tem que ser assim!” (KUNDERA, 2017, p. 40). Este “tem que ser assim”, para Tomas, denota a necessidade essencial de certos fatos científicos. No caso do cérebro humano, em que tanto estuda, compreende que o “eu” tem que ser assim: um além (uma metafísica). Uma essência não capitada, ainda, pela ciência. (…) A narrativa ironiza o personagem cirurgião de cérebros. Tomas que passara mais de uma década estudando e operando o cérebro de seus pacientes, ele que tanto ansiava por encontrar o ser imaterial e metafísico que pudesse explicar a constituição do ego e individualidade das pessoas, sofreu de autoengano pela armadilha cerebral que cria a estetização kitsch do mundo. É esta zona específica cerebral e desconhecida pelo próprio protagonista médico que será responsável a criação do sentimentalismo dele para com a sua nova Isolda. (…) Tereza teve coragem de sair de casa devido à crença de ter encontrado seu idílio no amor-romântico, através da imaginação, interpretativamente kitsch, que construíra a confiança em Tomas. Sentia-se segura nele, como um cristão em Jesus. O narrador do romance deixa claro que a beleza é condição inevitável para a literatura. “O romance não pode, portanto, ser censurado por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos” (KUNDERA, 2017, p. 60). O serio ludere joga com o eterno retorno da beleza para tecer e interligar os acontecimentos entre os egos experimentais. A repetição poética, dos mesmos acontecimentos, é abordada em A Insustentável Leveza do Ser por diferentes perspectivas. Neste eterno retorno, ocorre a beleza polifônica da narrativa kunderiana. Destarte, o narrador ironiza os leitores que ignoram a força da memória poética. “Podemos, com razão, censurar o homem por ser cego a esses acasos na vida quotidiana, privando assim a vida da sua dimensão de beleza” (KUNDERA, 2017, p. 60). A vida sem kitsch é como a memória sem poética. (…) Este ocultamento não tinha a mesma exuberância estética de quando se pronunciava em público, mas é um gesto kitsch tal qual todo rito que pretende esconder os próprios excrementos. É, neste clima do kitsch político, que se encontra todos os egos experimentais de A Insustentável Leveza do Ser. A narrativa kunderiana aborda o kitsch político como dimensão histórica da existência humana. Destarte, o conjunto de obra romanesca de Kundera não se trata de ilustrar uma situação histórica ou política da URSS. A literatura romanesca de Kundera apresenta obras que pensam, questionam. Nunca foi tema central, nas narrativas do autor tcheco, criticar exclusivamente o regime comunista. No entendimento do romancista, todos os regimes políticos são alicerçados por uma estética kitsch. Em O Livro do Riso e do Esquecimento, afirma: “É esse período que é chamado normalmente de Primavera de Praga: os guardiões do idílio (...). Foi uma incrível alegria, um carnaval!” (KUNDERA, 2008, p. 22). O eixo central da obra kunderiana é o idílio como forma estética kitsch. É a ontologia do idílio que fomenta a criação de movimentos sociais. 'A ditadura do proletariado ou a democracia? A recusa da sociedade de consumo ou o aumento da produção? A guilhotina ou a abolição da pena de morte? Isso não tem a menor importância. O que faz um homem de esquerda ser um homem de esquerda não é essa ou aquela teoria, mas seu poder de fazer com que toda teoria se torne parte integrante do kitsch chamado a Grande Marcha para a frente' (KUNDERA, 2017, p. 276, grifos nossos). Na SEXTA PARTE: A Grande Marcha, de A Insustentável Leveza do Ser, temos longas digressões do narrador-escritor sobre o kitsch. Podemos compreender a Grande Marcha como sinônimo de desfiles, procissões, passeatas. Seja na ideologia liberal, marxista, católica, ecológica ou feminista, o que torna a Grande Marcha de estes movimentos como estética kitsch não são as ideias racionais e sim o sentimento de pertencimento aos membros do grupo, a idealização de ter um consenso unitário para o futuro da humanidade. E “aquele que não quer perder a integridade deve permanecer fiel à pureza de seu próprio kitsch” (KUNDERA, 2017, p. 280). Ser íntegro é devotar nas verdades do grupo em que pertence: 'No reinado do kitsch totalitário, todas as respostas são dadas de antemão e excluem qualquer pergunta nova. Vai daí que o verdadeiro adversário do kitsch totalitário é o homem que interroga. A pergunta é como uma faca que rasga o pano de fundo do cenário para se ver o que está por detrás' (KUNDERA, 2017, p. 272). O totalitarismo não se restringe aos regimes políticos. Aqui, trata-se do kitsch totalitário, algo que não diz respeito somente ao Estado, mas que significa imposição estética de uma verdade absoluta, pois no kitsch totalitário ocorre a ditatura de censura às perguntas. O questionamento, para Kundera, é a condição de possibilidade de fazer rasgar todos os sistemas fundados no kitsch e, assim, descobrir o que está por detrás dos bastidores. A dúvida, o ceticismo, é o que permite desocultar as merdas de todos os kitsch totalitários, inclusive dos grupos que pretendem rebelar contra os regimes totalitários: '[...] os que lutam contra os regimes ditos totalitários não podem lutar com dúvidas e interrogações. Necessitam também de certezas e verdades simples que possam ser compreendidas pelas multidões e provoquem lágrimas coletivas' (KUNDERA, 2017, p. 272). (…) O idílio dos diferentes kitsch totalitário são propostas paradisíacas. Logo, ilusões e expectativas para a sustentável leveza de todos os seres. Quem reconhece a insustentável leveza do ser ignora as propostas idílicas dos mais variados kitsch totalitários. (…) O romance nos faz pensar se o kitsch não é realmente ontológico, pois, por mais que Sabina quisesse lutar contra o kitsch, seu ser estava em vários momentos da vida embrenhada nesta estética. (…) 'No momento em que é reconhecido como mentira, o kitsch entra para o contexto do não-kitsch. Perde seu poder autoritário e, mesmo comovente, torna-se igual a qualquer outra fraqueza humana. Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana' (KUNDERA, 2017, p. 275, grifos nossos). O kitsch não tem autoridade totalitária na vida de Sabina, tendo em vista que ela reconhece o caráter falso dos momentos idílicos. Entretanto, a narrativa kunderiana afirma a impossibilidade de negar o kitsch, porque é intrínseco à existência do ser humano. A insustentável felicidade humana está no fato de que para sustentar o idílio, é necessário que haja repetições das experiências harmônicas, “a felicidade é o desejo da repetição” (KUNDERA, 2017, p. 318). Sabina sabe que não poderá nunca mais repetir seus momentos eróticos com Tomas, de que não poderá trair nunca mais seu pai e que um dia deixará de viver com o casal de velhinhos do campo. A vida é uma só e não há eterno retorno do vivido. Esta é a ironia kunderiana com o pensamento idílico de Nietzsche. “O tempo humano não gira em círculos, mas avança em linha reta. Por isso o homem não pode ser feliz, pois a felicidade é o desejo da repetição” (KUNDERA, 2017, p. 319). A existência humana é inevitavelmente trágica, sem controle e sem previsão do que ocorrerá no futuro. É insustentável o ser da condição humana, pois é efêmero. Cairá no vazio mais cedo ou mais tarde. E o pior de tudo, ficará esquecido para sempre. Haverá um momento em que ninguém saberá quem foi a Sabina de Kundera e a partir deste dia não haverá ninguém que diga se a obra A Insustentável Leveza do Ser foi bela ou não. (…) Tempo depois, Tomas e Tereza estão morando no campo e Simon continua ansiando pelo contato com o seu pai: 'O olhar que ele aspira ter sobre si é o de Tomas. Comprometido na campanha pelas assinaturas da petição, foi expulso da universidade. A moça que namorava era sobrinha de um padre do interior. Casou-se com ela, tornou-se motorista de caminhão numa cooperativa, católico praticante e pai de família. Soube que Tomas também estava morando no interior e alegrou-se com isso. Graças ao destino, suas vidas tornavam-se simétricas! Foi o que o incentivou a escrever-lhe uma carta. Não pedia resposta. Só desejava uma coisa: que Tomas pousasse o olhar sobre sua vida' (KUNDERA, 2017, p. 289, grifos nossos). O narrador compara sutilmente com as coincidências que há entre Tomas e Simon. Lembrando ao leitor que há uma repetição de geração para a outra. Um possível eterno retorno entre pais e filhos assim como houve entre Tereza e sua mãe. Tomas está casado e morando numa fazenda, seu filho também. Ambos são motoristas de caminhão. No campo, ele recebe cartas de Simon e guarda-as em sigilo. Não as responde. Tereza desconfia que sejam cartas de alguma amante. Tomas, então, compartilha o segredo com sua amada ciumenta: 'Recebo ocasionalmente cartas que não gosto de comentar com você. É meu filho que me escreve. Fiz tudo para evitar qualquer contato entre minha vida e a dele. Veja como o destino se vingou de mim. Foi expulso da universidade há alguns anos. E motorista de trator numa cidadezinha do interior. É verdade, não existe contato entre minha vida e a dele, mas elas se desenrolam lado a lado na mesma direção, como duas linhas paralelas' (KUNDERA, 2017, p. 327-328). Tomas havia sido expulso do hospital em que trabalhava e Simon da universidade em que estudava. O pai fica surpreso com as semelhanças entre a vida dos dois. Não somente no enredo dos acontecimentos na existência deles: casamento e vida no campo. Como também do espelho fisionômico que Simon lhe representa. Na época em que Simon, com o jornalista, lhe pedira para assinar o requerimento contra a URSS, 'Tomas percebeu que seu filho, quando olhava atentamente, levantava ligeiramente a parte esquerda do lábio superior. Conhecia esse ricto, pois já o vira em seu próprio rosto quando verificava com cuidado no espelho se estava bem barbeado. Não pôde reprimir um sentimento de desagrado ao percebê-lo agora no rosto de outro' (KUNDERA, 2017, p. 232, grifos nossos). A citação acima relata o incômodo de Tomas em constatar que o rosto e os gestos faciais de seu filho é a cópia dos dele. Esta passagem nos lembra do desconforto de Tereza em reconhecer ser cópia da mãe. Uma das traduções da palavra kitsch é cópia ou imitação. Estaria o narrador sugerindo haver uma estética kitsch na natureza genética entre pais e filhos ou mães e filhas? Ou seria uma reelaboração sobre a ideia nietzscheana de eterno retorno, já que Tereza parece repetir a vida de sua mãe ao se casar com um homem infiel e Simon repetir o ciclo do pai ao ter o mesmo emprego que o dele e morar no interior do país? Tomas, conta para Tereza a estranheza que é se ver no rosto do filho: “Ele se parece comigo”, disse Tomas. “Quando fala tem o mesmo cacoete que eu, no lábio superior. Olhar minha própria boca falando do Reino de Deus, isso me parece um pouco esquisito demais” (KUNDERA, 2017, p. 329). 300



A sociedade burguesa desenvolve-se na cultura kitsch [A definição de kitsch para esse momento se condensa no efeito dado pelo acúmulo de estilos recorrentes nas fachadas ecléticas de meados do século XIX. O kitsch pode ser lido como o fenômeno do consumo estético das classes burguesas em direção a uma arquitetura de diferenciação social, por hora, de efeito fantástico. Tal definição será melhor desenvolvida em capítulo posterior], afirmando a estética do excesso e da acumulação de estilos e objetos. (…) Se dissimular é fingir não ter o que se tem, simular é fingir ter o que não se tem; o primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência301. O simulacro é, de certo modo, a atualização da cultura de massas; os novos modos de produção conjuraram a epidemia do kitsch e dos gadjets. A lógica do souvenir é abreviar a experiência pela promessa de um momento eterno. As imagens, que primordialmente são o reflexo de uma realidade profunda, na lógica capitalista tornam-se mascaradas e deformadas, até perderem a relação com qualquer realidade; elas são, portanto, o “seu próprio simulacro puro”. Baudrillard, sobre a ausência da realidade no simulacro, profetiza que

'[...] seria interessante ver se o aparelho repressivo não reagiria mais violentamente a um assalto simulado que a um assalto real. É que este apenas desorganiza a ordem das coisas, o direito de propriedade, enquanto o outro atenta contra o próprio princípio de realidade. A transgressão, a violência são menos graves porque apenas contestam a partilha do real. A simulação é infinitamente mais perigosa, pois deixa sempre supor, para além do seu objeto, que a própria ordem e a própria lei, poderiam não ser mais que simulação' 302 .

A subversão da antiga dicotomia entre o autêntico e o falso é o simulacro. Diferente da dissimulação, que deforma a realidade, simular é uma ausência de realidade. Fingir ou dissimular ainda mantém a realidade como referencial ou ponto de partida, a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto a simulação põe em causa a diferença do verdadeiro e do falso, do real e do imaginário303. Entre a luz branca e a sombra negra304, a arquitetura pode ser estudada pelos seus recursos de dissimulação e simulação, a partir das convenções que estabelecem o que é alto ou baixo nos sistemas de classificações. A tensão imanente entre obra e enunciado representa a tensão entre verdade e representação; ambas podem ser exploradas pela hipótese de que a verdade geralmente não se manifesta, ou seja, é dissimulada. A negação da verdade pode revelar traços da verdade. O conceito de verdade proposto aqui é amplo, incluindo a sua antítese, a não-verdade, e também o autêntico e o não- autêntico, o verdadeiro e o falso, o oculto e o aparente. O que é dissimulado – e a própria dissimulação – são tratados como coisas reais305. Nesse sentido, o ouro falso é tão real quanto o verdadeiro306, pois a sua aparência dissimula a sua verdadeira natureza que é não ser ouro. (…) A história da burguesia moderna pode ser recontada a partir do surgimento do kitsch. O termo tem um sentido depreciativo desde a sua aparição, por volta de 1860, na Alemanha. Trazia a ideia, inicialmente, de tomar por verdadeiro algo que era falsificado307; numa variação de kitschen, a ideia de atravancar ou fazer móveis novos com velhos308, ou verkitschen, de trapacear, vender algo fora do combinado [MOLES, Abraham Antoine. O Kitsch: a arte da felicidade. Trad. Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2012]. Alguns autores apontam a origem da palavra a uma derivação de sketch, como a prática dos turistas americanos do século XIX pechinchando pinturas em Munique; ou definem o verbo kitschen para “varrer a lama ou o lixo das ruas” e verkitschen para “vender barato”[ECO, 2015, p. 394]. (…) O kitsch é o desejo do retorno da aura que se perdeu. 309



Uma das principais características pelas quais o kitsch pode ser identificado é seu desejo de retornar ao passado almejado, o que Broch chama de "regressão ao histórico"porque o que já aconteceu é melhor que o presente; portanto, não é de se estranhar que as tendências em roupas usadas nas décadas de 70 e 80 sejam em 2011 “a última tendência da moda”. (…) "Já foi levantado o ponto de que o desejo de escapar da realidade adversa ou simplesmente monótona é talvez o principal motivo do grande apelo do kitsch." (Calinescu, M: 2003, 234310) No primeiro caso, foi um meio importante de ascensão e domínio revolucionário, " fornece ao homem a segurança do que existe para resgatá-lo da escuridão ameaçadora ..."(Broch.H: 1974, 428311), trazendo para o presente as tendências e seguranças do passado dando o prazer da beleza a quem a usa ou reproduz, os esquemas pré-fabricados permitem que o homem e a mulher kitsch evitem introspecções ou momentos de internalização intelectual , é desfrutado com o que é concedido, não é necessário esforço, oferece uma fuga rápida da dura realidade para mundos de finais felizes e poucas exigências mentais onde o gozo e a satisfação são os objetivos primordiais. O kitsch fornece a segurança do útero, da sociedade patriarcal de diversão infantil, sem repercussões ou responsabilidades. Substitua a realidade histórica por clichês.312



Um diagnóstico, o de Greenberg, não muito diferente do duro confronto, realizado há quase quarenta anos, de Adorno contra o kitsch, ou melhor, contra o sinônimo cunhado e utilizado pelo filósofo alemão, a indústria cultural. Enorme e penetrante sistema de mistificação, a indústria cultural representa a maneira como o kitsch se revela como um dispositivo de legitimação ideológica nos processos de tecnologização da estética. Cinema, rádio, jornais, televisão, convergem para fornecer ao homem de massa nada mais que substitutos, clichês, banalidades. Já em um fragmento inédito de 1932, intitulado Kitsch, Adorno coletou a essência social e não apenas estética do fenômeno:

'O momento social é [kitsch] essencialmente constitutivo. Em efeito, o kitsch, fornecendo aos homens estruturas formais do passado como se fossem atuais, tem uma função social: enganá-los sobre sua verdadeira situação, mistificar sua existência, fazê-los aparecer em um brilho fantástico, objetivos que gratificam certos poderes. Todo kitsch é essencialmente ideologia' (Adorno 1932: 792313).314










As funções sociais e políticas da distinção entre obra e texto remetem a uma querela bastante em voga durante a primeira metade do século XX, a qual, a partir de práticas culturais como a pop art dos anos cinquenta e sessenta, foi problematizada: tratase da oposição entre kitsch e vanguarda [Cf. Adorno e Horkheimer, 1985: 113-156315; Broch, 1973a: 49-67316; Broch, 1973b: 68-76317; Eco, 1970: 33-128318; Greenberg, s/d: 121- 134319] . O kitsch é um fenômeno cultural vinculado, diretamente, ao surgimento da Indústria Cultural: são artefatos culturais fabricados em escala industrial, ligados, por isso, à sociedade de consumo. Costuma-se caracterizá-lo pela redundância composicional, pois visa efeitos e significações precisos e previsíveis; redundância esta vinculada à diluição de procedimentos da arte “séria” ou culta/erudita. Surgido na virada do século XIX para o XX nos Estados Unidos [é o que testemunham Tocqueville, 1977: 350-359320 e Poe, 1956321: 214-221. Já Moles (1975322), por um viés bastante estruturalista, concebe o kitsch como categoria meta-histórica, isto é, recorrente a várias épocas e culturas, independentemente das condições sócio-históricas. Aqui, concebe-se o kitsch como fenômeno identificado ao Capitalismo e à Indústria Cultural, o que se dá, apenas, a partir do final do século XIX], o kitsch é um fenômeno característico do Capitalismo e identificado à classe média recém-emergente. Essa classe-média não tem acesso a uma educação formal de padrões aristocráticos/europeus que lhe garanta o gosto pela arte culta/erudita. Mas, ainda assim, tem grande poder aquisitivo. O kitsch é feito para suprir as necessidades estéticas e lúdicas dessa classe e, paralelamente, para movimentar a indústria e o mercado cultural. Pela breve descrição fornecida acima, nota-se que não é difícil identificar o kitsch ao consumo, à alienação e ao esteticamente retrógrado e préfabricado. E é se valendo desta predicação que as vanguardas se lhe opõem. 323







4 Licenciado em História(UFSM). Mestre em História do Brasil(PUCRS). Historiador.

5 O QUE É TEORIA DA HISTÓRIA? TRÊS SIGNIFICADOS POSSÍVEIS. Ricardo Marques de Mello. História e Perspectivas, Uberlândia (46): 365-400, jan./jun. 2012. http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/19457 . http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/download/19457/10452/ .

6 NETTO, José Paulo. Capitalismo e Reificação. São Paulo: ICP, 2015a

7 ANDERSON, Perry. Considerações Sobre o Marxismo Ocidental. Porto: Afrontamento, 1976.

8 UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade. Danne Vieira Silva. O MARKETING: Uma Análise a Partir da Crítica da Economia Política. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, tendo requisito para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Júnior. Teófilo Otoni, 2017, p. 30. http://acervo.ufvjm.edu.br/jspui/bitstream/1/1692/1/danne_vieira_silva.pdf .

9 Ver: CHAUÍ, Marilena. A história no pensamento de Marx. In: BORON, Atílio; AMADEO, Javier; GONZALEZ, Sabrina. A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. 2007. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/marix.html . Acesso: jan. De 2011]. O QUE É TEORIA DA HISTÓRIA? TRÊS SIGNIFICADOS POSSÍVEIS. Ricardo Marques de Mello. História e Perspectivas, Uberlândia (46): 365-400, jan./jun. 2012. http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/19457 . http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/download/19457/10452/ .

10 DO MITO DA CAVERNA DE PLATÃO ÀS “NOVAS PRISÕES” DO CONHECIMENTO ENFRENTADAS NA PÓS-MODERNIDADE: A NECESSIDADE DA LIBERTAÇÃO [Artigo Científico elaborado no Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) para a disciplina: “Direitos Humanos e Processo Penal” sob a orientação do Prof.º Gilberto Giacóia]. Daniela Martins MADRID [Discente do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Professora Universitária, Supervisora de Prática Profissional e Supervisora de Monografia/TC das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente e advogada]. http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=00ec53c4682d36f5

12 NORBERT ELIAS. A SOCIEDADE DOS INDIVÍDUOS. Organizado por MICHAEL SCHRÖTER Tradução: VERA RIBEIRO Revisão técnica e notas: RENATO JANINE RIBEIRO. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

13 LOS CUADERNOS DE CINEMA23 | EL ABRAZO DE LA SERPIENTE | GUIONES NÚM. 6 © 2016 LA INTERNACIONAL CINEMATOGRÁFICA, IBEROCINE, A.C. www.cinema23.com Director de Cinema23 | Diretor de Cinema23 | Ricardo Giraldo Editora en jefe | Editora-chefe | Paula Villanueva Rabotnikof Traducción al portugués | Tradução para portugués | Claudia Dias Sampaio Diseño de portada y formación | Desenho da capa e diagramação | Another Company Basado en el diseño editorial de | Baseado no desenho editorial de Cítrico Gráfco LOS CUADERNOS DE CINEMA23, idea de Alejandro Lubezki © El abrazo de la serpiente: Ciudad Lunar © Fotografías e imágenes: Ciudad Lunar Agradecimientos | Agradecimentos: Cristina Gallegos, Ciro Guerra, Ciudad Lunar e Interior XIII. ISBN LOS CUADERNOS DE CINEMA23 978-607-96423-0-3 ISBN GUIONES NÚM.6 978-607-97230-1-9 Publicación gratuita, prohibida su comercialización. Queda estrictamente prohibida la reproducción total o parcial de los contenidos e imágenes de esta publicación sin previa autorización del editor. CINEMA23 celebra las diferentes opiniones de sus integrantes. Publicação gratuita, proibida a comercialização. A reprodução total ou parcial dos textos e imagens contidos nesta publicação é proibida salvo prévia autorização do editor. CINEMA23 celebra, as diferentes opiniões expressas por seus integrantes. Impreso en México | Impresso no México | 2016. https://cinema23.com/wp-content/uploads/2016/07/El-abrazo-12-jul.pdf . “El abrazo de la serpiente es una película coproducción de Colombia, Venezuela y Argentina,​ de drama y aventura del año 2015, dirigida por Ciro Guerra. La película ganó el Premio Art Cinema en la sección Quincena de Realizadores del Festival de Cine de Cannes 2015​ y fue nominada a mejor película de habla no inglesa en la edición 88 de los Premios Óscar”. https://es.wikipedia.org/wiki/El_abrazo_de_la_serpiente .

14 Satizábal, Carlos. 2016. “El abrazo de la serpiente o la poesía del viaje sagrado”. Fuera de Campo. Vol. 1, No. 1 (2016): 53-65. Carlos S. atizábal Universidad Nacional de Colombia Bogotá, Colombia cesatizabala@unal.edu.co . https://www.academia.edu/34941137/El_Abrazo_de_la_Serpiente_o_la_Poesia_del_Viaje_Sagrado_Por_Carlos_Satiz%C3%A1bal_pdf .

15“O capítulo 39 do Livro de Jó foi interpretado como uma afirmação da divindade da Bíblia Hebraica como Mestre dos Animais. Doak, Brian R., Considere Leviathan: Narratives of Nature and the Self in Job , 2014, Fortress Press, ISBN 145148951X , 9781451489514 .https://en.wikipedia.org/wiki/Master_of_Animals . https://answersingenesis.org/extinct-animals/unicorns-in-the-bible/ . http://www.columbia.edu/itc/mealac/pritchett/00routesdata/bce_500back/indusvalley/unicorn/unicorn.html . https://history2701.fandom.com/wiki/The_Unicorn_Seal . https://bibliaportugues.com/isaiah/11-6.htm .

18 RELATÓRIOS. Jose Gallego Espina. Hitler morava em 1954 nesta casa em Bogotá? O relatório oculto da CIA. Os documentos apareceram em 3.000 desclassificados para saber mais sobre o assassinato de John F. Kennedy. O Führer teria mudado seu sobrenome e se intitulado Adolf Schrittelmayor; 4 de novembro de 2017; 02:08. https://www.elespanol.com/reportajes/20171103/259225024_0.html .

19 “Hitler estava vivo na Colômbia em 1955”. Mas uma foto lança sombras sobre o documento desclassificado da CIA. O ex-oficial da SS Philippe Citroen ao lado do suposto Hitler na foto anexada ao documento da CIA. Em despacho de 3 de outubro de 1955, o agente Cimelody-3 comunicou que obteve a informação de uma de suas fontes que entrou em contato com um ex-oficial da SS, mas na imagem anexa o homem indicado como ditador tem o mesmo olhe como sempre. E ele também manteria seu primeiro nome: Adolf Schrittelmayor sua nova identidade; 30 DE OUTUBRO DE 2017. https://www.repubblica.it/esteri/2017/10/30/news/documento_cia_hitler_sudamerica-179801445/ .

20 Lugar donde habitualmente la gente se reúne para hacer tertulia o conversar.

21 COLÔMBIA NAZI. Como foi a guerra de espionagem nazista e do FBI na Colômbia e como isso afetou o governo e a sociedade da época; 28/09/1986. https://www.semana.com/enfoque/articulo/colombia-nazi/8142-3/ .

26 POR CP CAVAFY. TRADUZIDO POR EDMUND KEELEY. CP Cavafy, "Waiting for the Barbarians" de CP Cavafy: Collected Poems . Traduzido por Edmund Keeley e Philip Sherrard. Tradução Copyright © 1975, 1992 por Edmund Keeley e Philip Sherrard. Reproduzido com permissão da Princeton University Press. Fonte: CP Cavafy: Collected Poems (Princeton University Press, 1975). https://www.poetryfoundation.org/poems/51294/waiting-for-the-barbarians

27 DIREITO & LITERATURA. À espera dos bárbaros, de John Maxwell Coetzee; 11 de maio de 2012, 6h10. Direito e Literatura: do Fato à Ficção é um programa de televisão apresentado pelo procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e professor da Unisinos Lênio Streck, onde se discute, com convidados, uma obra literária e seu diálogo com o Direito. A obra desta edição, que a ConJur reproduz a seguir, é À espera dos bárbaros, de John Maxwell Coetzee. Participam do debate a doutora em Direito e professora da Unisinos Deisy Lima Ventura, e a professora doutora em Letras da Uniritter, Rejane Pivetta de Oliveira. https://www.conjur.com.br/2012-mai-11/direito-literatura-espera-barbaros-john-maxwell-coetzee .

29 Kristeva, H. (1988). Poderes de la perversión. Buenos Aires: Catálogos/Século XXI.

30 Melendi, M. A. (2004). Memórias da abjeção: anotações e esboços sobre arte, corpo e memória. Revista Fólio, v. 1, p. 15-24. https://issuu.com/revistafolio/docs/revistafolio_anoin01 .

31 Direito ao funeral: colecionismo e gestão da memória sobre restos mortais em museus brasileiros. Clovis Carvalho Britto. [Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professor do Curso de Museologia da Universidade de Brasília. E-mail: clovisbritto@unb.br ]. http://seminariohispano-brasileiro.org.es/ocs/index.php/viishb/viishbucm/paper/viewFile/323/21 .

32 O autor, propositalmente ou não, mistura civilização e raça. O conceito de raça, na atualidade, é considerado anacrônico e não científico.

33 Imaginar Raimondo de Sangro como feiticeiro, é generalizar demais, é incluir o mestre de Cagliostro num lugar-comum, no clichê.

34 ITALO CALVINO. “O MUSEU DOS MONSTROS DE CERA”. 1980. In; COLEÇÃO DE AREIA. [Collezione di Sabbia]1ª edição. Tradução: MAURÍCIO SANTANA DIAS. Companhia das Letras, 2010.

35 Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=54

36 Extensão de terras indígenas preocupa militares.

37 MAGNOLI, Demétrio. A União Europeia: história e geopolítica. São Paulo: Moderna, 2000. p. 55

38 Silva, Kalina Vanderlei Dicionário de conceitos históricos / Kalina Vanderlei Silva, Maciel Henrique Silva. – 2.ed., 2.ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2009. https://efabiopablo.files.wordpress.com/2013/04/dicionc3a1rio-de-conceitos-histc3b3ricos.pdf .

40Serviço de Proteção aos Índios.

42 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA. LUIZA VIEIRA SÁ Rondon: O Agente Público e Político.Tese apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor. Orientador: Prof.ª Dr.ª Nanci Leonzo São Paulo, 2009. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-22102009-160459/publico/LUIZA_VIEIRA_SA_REVISADA.pdf .

43 Eugenio Diniz. Um diálogo de surdos: o projeto calha norte. Lua Nova (34) • Dez 1994. https://doi.org/10.1590/S0102-64451994000300007 . https://www.scielo.br/j/ln/a/gDQQpMSHG4j58LMsdcyB5nQ/?lang=pt .

44 “Rondon nasceu em Mimoso (MT) no dia cinco de maio de 1865. Descendente, por parte de mãe, dos índios terenas e bororo, e por parte de pai, dos índios guanás, logo ficou órfão, sendo criado pelo avô. Depois de sua morte, transferiu-se para o Rio de Janeiro e ingressou na Escola Militar. Ainda estudante, participou dos movimentos abolicionista e republicano e foi aluno de Benjamin Constant. Depois de se formar bacharel em Ciências Físicas e Naturais e tornar-se tenente, em 1890, foi transferido para o setor do Exército que implantava linhas telegráficas por todo o país”. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/01/18/brasil-recorda-50-anos-da-morte-do-marechal-candido-rondon . “Cândido Mariano da Silva Rondon nasceu na cidade de Santo Antônio de Leverger, no estado do Mato Grosso, em 5 de maio de 1865. Descendentes de três povos indígenas (bororo, terena e guaná), Rondon era órfão. Seu pai, Cândido Mariano da Silva, morreu antes do nascimento do filho, e a mãe, chamada Claudina Lucas Evangelista, faleceu em 1867. Rondon foi criado pelo seu tio, Manoel Rodrigues da Silva Rondon. O sobrenome “Rondon”, inclusive, foi uma homenagem feita pelo futuro marechal ao tio, que faleceu em 1890. https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/marechal-rondon.htm . “Cândido Mariano da Silva (o sobrenome Rondon foi acrescentado posteriormente) nasceu em 5 de maio de 1865 em Mimoso, um distrito localizado no município de Santo Antônio de Leverger, no estado de Mato Grosso. Seu pai, Cândido Mariano da Silva, descendia de portugueses e espanhóis miscigenados com indígenas guanás, enquanto sua mãe, Claudina Freitas Evangelista, era descendente de índios terenas e bororos. Cândido Mariano (pai) morreu de varíola, em 1864, antes de seu filho nascer; Claudina faleceu em 1867, quando o filho tinha dois anos de idade. O menino foi criado pelo avô, José Mariano da Silva, e, após a morte deste, por um tio paterno, Manuel Rodrigues da Silva Rondon, que havia modificado o próprio nome, adicionando o sobrenome de sua mãe, Maria Rosa da Silva Rondon (a avó de Cândido), para não ser confundido com um homônimo "cujas falcatruas andavam pelos jornais" - conforme o próprio Marechal Rondon explicaria, anos mais tarde. Foi esse tio quem cuidou dele até aos dezesseis anos, quando o rapaz ingressou no Exército Brasileiro. Posteriormente, em homenagem a esse tio, Cândido Mariano acrescentaria o Rondon ao próprio nome. https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_Rondon .

45 AERONÁUTICA EXPLORA MINA DE BRITA CLANDESTINA EM TERRA INDÍGENA HÁ UMA DÉCADA. Militares querem proteger a Amazônia – mas são responsáveis por mineração ilegal em terra de povos indígenas. Hyury Potter, Eduardo Goulart de Andrade; 7 de dezembro de 2020, 5h00. https://theintercept.com/2020/12/07/aeronautica-mina-clandestina-terra-indigena/ .

47 Legado de Marechal Rondon está ameaçado por governo Bolsonaro, diz biógrafo do explorador. Ingrid Fagundez. Da BBC News Brasil em São Paulo; 18 maio 2019. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48290603

48 Clarissa Neher. “A expedição que popularizou a Amazônia no Terceiro Reich”. Data: 16.03.2020. https://www.dw.com/pt-br/a-expedi%C3%A7%C3%A3o-que-popularizou-a-amaz%C3%B4nia-no-terceiro-reich/a-52696502 .

50 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL. NÚCLEO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA ORAL. Ana Maria Dietrich. Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. José Carlos Sebe Bom Meihy. São Paulo, 2007. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/outubro2013/historia_artigos/dietrich_t.pdf

51 [O nome de Edinaldo Pinheiro Nunes Filho estava escrito errado. https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/7759/1/arquivo7673_1.pdf . http://repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/11105/1/Tese_CondicoesEcologicasOcupacao.pdf ]. https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/colonizacao-nazista-na-amazonia-expedicao-jari.phtml .

52 Atualizado às: 27 de outubro, 2008 - 10h47 GMT (08h47 Brasília). Livro revela planos para 'colônia nazista amazônica' em 1935. Marcelo Crescenti. De Frankfurt para a BBC Brasil. Livro conta a história de expedição nazista à região. Um livro alemão revela que, pouco antes da Segunda Guerra, militares nazistas planejavam estabelecer uma colônia no meio da selva amazônica.https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/10/081027_nazistasamazoniamc_ba

53 Uma tumba na floresta amazônica do Brasil, um vestígio de um plano secreto nazista. Simon Romero; 12 de dezembro de 2016. https://www.nytimes.com/es/2016/12/12/espanol/america-latina/una-tumba-en-la-selva-amazonica-de-brasil-vestigio-de-un-plan-secreto-nazi.html .

55 “Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea brasiliensis para a Inglaterra. Sem ter entendimento do que faziam, os donos dos seringais amazônicos deram livremente a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional. Na Inglaterra, (...) milhares de sementes foram plantadas nas estufas do Jardim Botânico Real, sendo que apenas duas mil germinaram. Mas bastou essa quantidade e o conhecimento científico para que os ingleses mudassem o jogo comercial. Ao replantarem a Hevea brasiliensis no sudeste asiático, os britânicos começaram a abalar o monopólio da borracha na Amazônia”. https://www.museu-goeldi.br/noticias/seringueira-a-planta-que-sustentou-uma-regiao-1 . https://revistapesquisa.fapesp.br/as-sementes-da-discordia/ .

56 CARONE, Edgard. A República Velha. DIFEL.

57 SILVA, André Felipe Cândido. Raça, medicina tropical e colonialismo no Terceiro Reich: a expedição de Giemsa e Nauck ao Espírito Santo em 1936. Estud. hist. (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 26, n. 52, p. 347-368, Dec. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21862013000200005&lng=en&nrm=iso>. access on 06 May 2021. https://doi.org/10.1590/S0103-21862013000200005.

58 GOODRICK-CLARKE, Nicolas. Sol negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2014, p. 155.

59 "The question of cultm·al identity", in: S. Hall, D. Held e T. McGrew. Modernity and its fatures. Politic Press/Open University Press, 1992. Hall, Stuart A identidade culttffal na pós-modernidade Stuart Hall; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro-11. ed. -Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

61 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva & Guaciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014. Max Lânio Martins Pina, da Universidade Estadual de Goiás - Porangatu – Brasil. Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.4, n.1, p.213-218, Jan./jun. 2015. maxilanio@yahoo.com.br . Max Lânio Martins Pina - Mestrando em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-Goiás. Especialista em Formação Socioeconômica do Brasil, pela Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, graduado em História pela Universidade Estadual de Goiás - UEG. Atualmente é professor na Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Porangatu. https://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/3562/2531

62

63 Frontera Verde / Green Border (2019): Amazônia das redes sociais à Netflix. por Julia Brown. dtierney / Outubro 6, de 2019. Hoje no Mediático temos o prazer de apresentar uma análise da nova série da Netflix Frontera Verde / Green Frontier de Julia R. Brown, que explora como o programa de TV sustenta e expande a conversa pública iniciada pela campanha #prayforAmazônia, levantando preocupações de ordem social. e justiça ambiental. Julia é Ph.D. Candidato em Literaturas Hispânicas pela University of California, Santa Barbara. Ela ministrou cursos de língua espanhola, literatura e cinema e também atuou como assistente editorial e editora-chefe da Mexican Studies / EstudiosMexicanos. Contate-a em juliabrown@umail.ucsb.edu . https://reframe.sussex.ac.uk/mediatico/2019/10/06/frontera-verde-green-frontier-2019-amazonia-from-social-media-to-netflix/#_ftn10 . https://reframe.sussex.ac.uk/mediatico/2019/10/06/frontera-verde-green-frontier-2019-amazonia-from-social-media-to-netflix/?pdf=2451 .

65 Relação do Xilema e do Floema com o sistema circulatório humano. Reure Macena; 12/11/20200. Texto de: Douglas Sacchi Barbosa, retirado do portal Casa da Ciência. https://florestalbrasil.com/2020/11/relacao-do-xilema-e-do-floema-com-o.html . https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/vasos-condutores-seiva-lenho-liber.htm .

73 Fantomas.

78 Aparentemente, essa afirmação não é confirmada na proposta de Ciro Guerra, pela presença da transfusão. E pela comparação ou analogia entre o sangue humano e a seiva. https://florestalbrasil.com/2020/11/relacao-do-xilema-e-do-floema-com-o.html . https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/vasos-condutores-seiva-lenho-liber.htm .

79 Ou seja, qualquer um pode ser conectado.

80 Semelhante ao demiurgo.

81 Um dos significados da magia.

82 Uma visão imediatista de Deus.

83 Um coração que bombeia sangue.

84 “Os membros da família Dasypodidae recebem nomes diferentes, sendo o mais comum o 'armadillo' ; eles também são chamados (às vezes dependendo da espécie) quirquincho (do Quechua kirkinchu ) na Argentina, Bolívia , Chile, Colômbia e Peru; cuzuco na Costa Rica, El Salvador, Honduras e Nicarágua; mulita na Argentina e Uruguai; tatú (tatú, tatú carreta) na Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai; peludo na Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai; piche na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Paraguai; cachicamo na Colômbia e Venezuela; gurre em Tolima, Caldas e Antioquia, Colômbia; jerre-jerre na costa caribenha da Colômbia; Jueche no sudeste do México; toche no estado de Veracruz, México ); e carachupa no Peru” . https://es.wikipedia.org/wiki/Dasypodidae

85 Frontera Verde ^ Análisis y Explicación. Publicado el agosto 19, 2019 por Carlos Mario Castro. https://sabanerox.com/2019/08/19/frontera-verde-analisis-y-explicacion/ . “Carlos Mario Castro é um escritor colombiano, crítico de cinema e criador de vídeos educacionais. É autor de três romances - El Motaxi, El Penúltimo Espejismo e La Fortaleza Rota - e vários contos. Atualmente, ele trabalha como professor de matemática em uma escola pública de seu país, bem como crítico de cinema e editor em seu próprio site El Sabanero X. Ele também cria vídeos educacionais para seu canal no YouTube CNX Network. https://www.amazon.com/Carlos-Mario-Castro/e/B00NJ1TBD4%3Fref=dbs_a_mng_rwt_scns_share .

86 HÉLIO SCHWARTSMAN. Um em cada 4 brasileiros, crê em Adão e Eva. Para 59%, ser humano é resultado de uma evolução guiada por Deus; somente 8% não acreditam em interferência divina. As informações obtidas pela pesquisa realizada no Brasil contrastam com as colhidas nos EUA, mas se aproximam dos resultados na Europa. São Paulo, sexta-feira, 2 de abril de 2010. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0204201010.htm . https://pt.wikipedia.org/wiki/H%C3%A9lio_Schwartsman .

88

89 JUAN GALONCE. Resenha: 'Fronteira Verde', mistério na Amazônia. Netflix apresenta a primeira produção colombiana da plataforma; 26 DE AGOSTO DE 2019. https://fueradeseries.com/critica-frontera-verde-misterio-en-el-amazonas-cf18fd6820f2/ . [Produtor e Roteirista]. https://es.linkedin.com/in/juan-galonce-01620113 .

92 [CORRÊA, Rossini. Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Paulo: SIOGE, 1993]. Citado por: BARROS, A. Evaldo A. O Pantheon Encantado: culturas e heranças étnicas na formação de identidade maranhense. 2007. 317 p. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (PÓS-AFRO), Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Salvador, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2007. https://www.yumpu.com/pt/document/view/35207110/universidade-federal-da-bahia-faculdade-de-filosofia-e-pas-afro .

93 UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. BRUNA TERNES LENNERT. DESIGN DE PERSONAGEM: A ADAPTAÇÃO DO MITO DO WENDIGO PARA UM PÚBLICO INFANTOJUVENIL. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Design da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Design. Orientador: Prof. Cláudio Henrique da Silva, Dr. Florianópolis, 2020. https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/10303/TCC%20Bruna%20a.pdf?sequence=1&isAllowed=y .

94 David Soares à(s) 21:03:00. “O heroísmo das pessoas fracas”. Cadernos de Daath. Weblog. segunda-feira, 6 de abril de 2020. https://cadernosdedaath.blogspot.com/2020/04/o-heroismo-das-pessoas-fracas.html .

95https://pt.wikipedia.org/wiki/Niilismo .

96https://en.wikipedia.org/wiki/Nihilism .

97

100 “Redneck é um termo depreciativo principalmente, mas não exclusivamente, aplicado aos americanos brancos considerados grosseiros e pouco sofisticados, intimamente associados aos brancos rurais do sul dos Estados Unidos . Seu uso é semelhante no significado de cracker (especialmente em relação ao Texas, Geórgia e Flórida), caipira (especialmente em relação aos Apalaches e os Ozarks), e lixo branco (mas sem as sugestões do último termo de imoralidade ). Na Grã-Bretanha, o Dicionário de CambridgeA definição afirma: "uma pessoa pobre e branca sem educação, especialmente alguém que vive no interior do sul dos Estados Unidos, que se acredita ter idéias e crenças preconceituosas. Esta palavra é geralmente considerada ofensiva." Pessoas do sul branco às vezes chamam a si mesmas de "caipiras" como humor interno. .Na década de 1970, o termo se tornou uma gíria ofensiva, e seu significado se expandiu para incluir racismo, grosseria e oposição aos métodos modernos. Patrick Huber, em sua monografia A Short History of Redneck: The Fashioning of a Southern White Masculine Identity , enfatizou o tema da masculinidade na expansão do termo no século 20, observando: "O caipira foi estereotipado na mídia e na cultura popular como um homem branco sulista pobre, sujo, sem educação e racista”. https://en.wikipedia.org/wiki/Redneck .

101 Não funciona do ponto de vista do que se considera normal, corriqueiro, cotidiano, padrão. Nesse sentido, poderia se falar numa exceção à regra? Ou um outro mundo? Uma outra realidade, outra dimensão, outras regras? Ou tudo isso é para afirmar a irracionalidade, a metafísica, a superstição, o charlatanismo, a crendice, como regras?

102 A sociedade tradicional.

103 O progresso, o avanço, o desenvolvimento, a evolução, a mudança?

104 É a racionalidade, no roteiro?

106 Existe o Estado, a nação?

107 Esse ambiente gótico é exatamente o que motivava Marx a alertar sobre o espectro e seu peso na mudança das consciências das pessoas.

109 EN LOS BOSQUES DE LA LOCURA; por admin | Jun 25, 2019 | MORTINATOS, REVISTA | EN LOS BOSQUES DE LA LOCURA. Black Spot: cuando el policiaco y el folk horror van de la mano. Miguel LupiánMiguel Antonio Lupián Soto. Ex alumno de la Universidad de Miskatonic, feligrés de la iglesia Cthulhiana y devoto de San Lemmy. mortinatos.blogspot.mx http://mortinatos.blogspot.com/ @mortinatos . “MIGUEL LUPIÁN. (Cidade do México, 1977) Diploma-se em "Literatura Fantástica e Ficção Científica" na Universidade do Claustro de Sor Juana. Ex-aluno da Sogem, EME e da Universidade de Edimburgo. Suas histórias foram traduzidas para o inglês, francês e italiano. Foi jurado em concursos literários, coordenou antologias e proferiu conferências, tanto a nível nacional como internacional, sobre o fantástico, o terror e a obra de Emiliano González e HP Lovecraft. Ele é o diretor da Penumbria, uma revista fantástica para ler ao pôr do sol e seu livro mais recente é Anímula, pequenas histórias sonhadas por Madame Vulpes (BUAP, 2018). https://www.tierraadentro.cultura.gob.mx/author/miguel-lupian/ . Escritor, editor y tallerista mexicano. Estudió el Diplomado en Creación Literaria en la Escuela Mexicana de Escritores, el Diplomado de Creación Literaria en la Sociedad General de Escritores de México sogem y el Diplomado Universitario en Literatura Fantástica en la Universidad del Claustro de Sor Juana ucsj. Ha asistido a diferentes talleres y cursos sobre cine y creación de literatura fantástica y de horror, así como de literatura infantil y juvenil y minificción. Imparte talleres de literatura fantástica, de terror, de redacción y de creación literaria. Cofundaor y director de Penumbria. Autor de una decena de libros. Obra suya forma parte de casi dos decenas de antologías. Entre los premios que ha obtenido destacan el primer lugar del i Concurso de Minificciones Universos Diminutos; el lix Concurso Las Historias; segundo lugar del Tuit de Horror del Internacional Microcuentista; mención honorífica del Gran Desafío Cuentuitero 2013; y quinto lugar de las vi Jornadas de Detectives y Astronautas.http://www.elem.mx/autor/datos/121672 .

110 PEREIRA, Kylmer Sebastian de Carvalho; CHAVES, Wilson Camilo. Freud e a religião: a ilusão que conta uma verdade histórica. Tempo psicanal., Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 112-127, jun. 2016 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382016000100008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 maio 2021.

“Foi um dos inventos mais extraordinários que os manuais não registram: isso costuma acontecer com os inventos mais extraordinários. Antes dele, aqueles homens e mulheres viviam mais ou menos felizes. Ou preocupados, irritados, apavorados, mas sem o peso da culpa. Naqueles dias as coisas aconteciam e ninguém sabia por quê: a vida era assim ou, no máximo, eram assim caprichosos esses deusinhos que pululavam na árvore, na água, na lua distante ou no poderoso sol. E então aconteceu. Não se sabe quando, quem, como, mas em algum momento, há quatro ou cinco mil anos, alguns homens e mulheres no Iraque, no Irã ou na Síria começaram a acreditar que a culpa era deles. Que se a sua colheita estava ferrada ou o quinto filho morresse, ou o jumento estivesse mancando, não era por causa desses acasos da vida, mas, porque fizeram algo para merecer isso. E tudo, então, começou a mudar: surgiu, escreveu Bottéro, a ideia do pecado. (Jean Bottéro nasceu pobre e provençal em 1914, estudou com os padres, foi ordenado dominicano, se dedicou a ensinar e foi demitido por não querer dizer que o Gênesis era um fato histórico. Então, dedicou-se à Mesopotâmia, aprendeu seus idiomas, casou-se, traduziu o Código de Hamurabi, foi sábio e, ainda assim, publicou vários livros). Quando apareceu, disse Bottéro, o pecado não era uma transgressão que o pecador cometia em sua vida cotidiana. Não era um conceito moral, era administrativo. Um sacerdote errava a invocação a um deusinho e o deusinho se zangava. Uma família sacrificava a cabra errada para uma pequena deusa, e a deusa se vingava. O sacerdote e a família talvez não soubessem: acreditavam haverem feito tudo certo e, de repente, aquela seca ou aquela tempestade, ou aquela guerra lhes provavam que não. As desgraças chegavam como castigos a erros que seu autor ignorava. Assim, a vida se tornou uma contínua ansiedade por não saberem se agiram bem ou mal. E a prova de que se fez algo errado —não algo ruim, algo errado— era que algo ruim estava acontecendo com você. A culpa era sua, claro. A invenção mesopotâmica do pecado foi a forma de transferir a culpa do poder para o impotente: eram os homens —cada homem— que estavam enganados, eram eles que causavam as desgraças e deviam saber como e por quê. Os deuses eram como aqueles pais que batem no filho enquanto dizem que ele já sabe por quê. O cristianismo foi um avanço: quando recorreu à ideia de pecado para impor um código de conduta, devolveu a seus fiéis uma certa autonomia. Pelo menos poderiam escolher quando e como quebrar as regras, pelo menos te castigavam por algo que você sabia que não deveria ter feito, mesmo que você não soubesse por que não deveria ter feito. Ou se você soubesse: não deveria porque o padre dizia que o deus era quem dizia —e isso bastava. E a culpa continuava sendo sua. A culpa foi inventada para ser sua: garantidamente, sua, e que você batesse no peito e grite minha culpa, minha máxima culpa e todas essas asneiras. Funcionava: tudo de ruim acontecia devido aos seus erros, pelos sues desvios, porque o poder —o deus ou o que fosse— era justo, infinitamente justo. Até que, com o fim da cultura verdadeiramente religiosa, esse grande truque de poder foi desarmado. Aprendemos a pensar o contrário: que a culpa não é nossa, que é dos grupos, das sociedades, das estruturas. Que o inferno são sempre os outros. É curioso: para se livrar da forma (...) brutal de opressão, daquelas regras escritas ou não escritas que nos mantinham no terror, tivemos que começar a assumir que não somos responsáveis por aquilo que nos acontece. Mas agora o mal sempre é culpa deles: os políticos, os economistas, os ricos, os imigrantes, os infiéis, os outros. Agora somos tão pobres que temos nem sequer a culpa.

“A culpa, o instrumento de controle das religiões”. Martín Caparrós.18 JAN 2019 - 18:51 CET. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/18/eps/1547833302_076496.html . https://elpais.com/elpais/2019/01/07/eps/1546863563_564035.html . “O tema da culpa está muito presente nas religiões desde sempre, em especial no cristianismo. O sentimento de culpa é tão forte e desagradável que as pessoas logo desde a infância procuram remeter a culpa para os outros, de forma instintiva, sacudindo a água do capote. Jean Bottéro, antigo padre dominicano que estudou profundamente a Mesopotâmia, investigou os mecanismos do pecado e da culpa. Nas religiões primitivas parece que os seres humanos andariam apavorados face aos fenômenos atmosféricos que não compreendiam nem controlavam, com medo dos perigos e do desconhecido, lutando diariamente pela sobrevivência, mas não sabiam o que era o peso da culpa. Até que, há cerca de quatro ou cinco mil anos, começou a ser introduzido no imaginário colectivo o sentimento de culpa. Se o indivíduo perdia a colheita, se lhe morresse um filho ou se o seu animal de carga adoecia tal não seria devido às vicissitudes da vida, à má fortuna ou aos caprichos dos deuses, mas, porque fez qualquer coisa errada para merecer tal punição. Acabara de surgir a ideia de pecado. Inicialmente o conceito de pecado não se referia a uma transgressão do pecador na sua vida de cada dia, nem tinha uma carga moral. Resultava apenas de algum erro inconsciente na invocação dos deuses. O indivíduo associava então a violência dos elementos e a adversidade a algum erro eventualmente cometido na liturgia do animal previamente sacrificado. Era um pecado inconsciente, mas o adorador interiorizava uma culpa própria. Essa invenção mesopotâmica resultou na transferência de culpa dos poderes divinos para os homens. Martín Caparrós diz que os indivíduos descobriram então que estavam enganados “eram eles que causavam as desgraças e deviam saber como e porquê. Os deuses eram como aqueles pais que batem no filho enquanto dizem que ele já sabe porquê”. Sendo assim, o cristianismo deu um passo em frente ao propor um código de conduta associado à ideia de pecado. Daí resultou autonomia pessoal, já que agora os indivíduos poderiam decidir se queriam ou não quebrar as regras, como e quando. A culpa continuava a ser própria, mas o castigo passava a fazer sentido e a ser associado a uma causa perceptível à consciência. Todo o mal resultava sempre dos pecados dos homens, pois Deus era infinitamente justo. Foi o que aconteceu na justificação do terramoto de Lisboa em 1755, uma catástrofe que chocou o mundo, quando o coração do Império Português ficou reduzido à insignificância. O padre Malagrida convocou o povo e a corte ao arrependimento, tomando a catástrofe como resultado da ira divina contra a corrupção da sociedade. Porém, agora nem da culpa somos donos. As religiões perderam o seu principal instrumento de controlo e o indivíduo passou a atribuir a sua culpa aos grupos, ao sistema, à sociedade, aos políticos, aos economistas, aos ricos, aos imigrantes, aos “infiéis”. O diabo são os outros, a culpa nunca encontra com quem casar e acaba por morrer solteira. Depois ainda há o caso de alguns grupos neopentecostais que infantilizam a pessoa atribuindo a culpa de todos os males à possessão demoníaca. É simples. Se o pai é alcoólico é porque está oprimido pelo “demônio do álcool”, se o marido agride a mulher é porque está possuído pelo “demônio da violência” e tem que ir a uma reunião de culto na igreja para o pastor fazer uma oração de modo a expulsar tais entidades. Infantilização e controlo. Paul Tournier entende que a culpabilidade está ligada à relação com os outros, às críticas alheias, ao desprezo social e ao sentimento de inferioridade, sem esquecer as questões religiosas que suscita. O psiquiatra estabelece um elo entre remorso, constrangimento, consciência pesada, vergonha, timidez e até modéstia, partindo do princípio de que o sentimento de culpa é inerente ao ser humano, como um alerta de que algo foi feita de forma errada e contrapõe a graça de Deus como uma resposta: “a consciência culpada é a constante da nossa vida. Toda a educação, (...), constitui um cultivo intensivo do sentimento de culpa, mesmo a melhor educação que se recebe de pais preocupados”. Passamos assim duma culpa difusa a uma culpa com sentido e depois a uma inocência a toda a prova, fazendo coro com o mito do “bom selvagem” de Rosseau. As pessoas são boas, a sociedade é que não presta. Como se a sociedade não fosse todos nós. Sabemos que a melhor maneira de retirar conteúdo a uma palavra ou conceito é vulgarizá-lo. A banalização da culpa por religiões castradores e inquisitivas desembocou num humanismo sem alma, artificial e infantil, onde ninguém é responsável por coisa nenhuma. A resistência em assumir a responsabilidade ou mesmo a culpa pelos erros cometidos retira aos indivíduos a oportunidade do perdão (pedir e receber), essa função social e espiritual altamente libertadora, e impede uma correcção dos procedimentos no futuro. (...). Só os burros é que não mudam. E mesmo assim tenho dúvidas.

“A culpa não é minha!”. OPINIÃO; 27.02.2019 às 08h25. JOSÉ BRISSOS-LINO.https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2019-02-27-a-culpa-nao-e-minha/ .

“Devemos a santo Agostinho a primeira inversão da proposta de Jesus de salvação universal em culpabilização universal, ou seja, o pressuposto já não é mais a possibilidade do perdão das dívidas, mas a elevação a um estado permanente de devedores perante Deus. Segundo Paul Ricoeur, no esforço de combater a gnose, Agostinho acabou por deixar-se conduzir pelo próprio terreno da gnose, assim “a anti-gnose tornou-se uma quase-gnose” (RICOEUR, 2008, 5). O gnosticismo do século II é um conjunto de sincretismos que tenta helenizar o cristianismo nascente a partir de algumas teses neoplatônicas. Uma delas é a de que o mundo não fora criado por Deus, mas pelo Demiurgo, este teria usado a matéria corruptível para formá-lo e, desta feita, o mal teria penetrado na Criação. O homem teria duas naturezas: a alma incorruptível e o corpo, feito de matéria corruptível, estando assim, condenado ao pecado. Desta forma, o pecado não é resultado de uma falta moral do homem, mas algo natural, uma maldição lançada sobre nós pelo erro do Demiurgo que nos criou.

'De igual modo, o pecado que o homem confessa é menos o acto de malfazer, da mal-feitoria, que o estado de estar-no-mundo, que a infelicidade de existir. O pecado é destino interiorizado. Por causa disto também a salvação vem ao homem de “outro lado”, de “lá do alto”, por uma pura magia libertadora, sem ligação com responsabilidade, nem mesmo com a personalidade do homem'. (RICOEUR, 2008, 8).

(…) Retomando o percurso realizado até aqui, podemos afirmar que, embora Benjamin não tenha desenvolvido completamente as intuições presentes em Capitalismo como religião, elas tampouco foram abandonadas no decorrer de sua obra, reaparecendo em suas reflexões associadas aos temas da culpa, mito, eterno retorno, modernidade e progresso, só para citar alguns. No decorrer deste artigo, buscamos seguir as pistas deixadas por Benjamin para compor um quadro em que fosse possível articular a ideia de capitalismo como um culto culpabilizador associada ao desenvolvimento do cristianismo ortodoxo que se afasta de suas origens históricas para tornar-se um mito. É sob a forma de mito que o cristianismo pode compor o éthos, ou melhor, a religião, em sua forma secularizada, do capitalismo. A expressão desse universo mítico culpabilizador aparece na compreensão da história ora como eterno retorno, ora como progresso indefinido rumo ao futuro, entendido como um processo mecânico. Ambas as versões partilham de uma concepção de tempo vazio e homogêneo que se desdobra em um contínuo como círculo ou espiral. Enquanto Capitalismo como religião permanece como um diagnóstico sombrio de nossa época, talvez sob o peso da influência de Weber, nas Teses sobre o conceito de história Benjamin formula um conceito em simultâneo, crítico e capaz de romper com as amarras do mito do progresso que serviu de ideologia tanto ao fascismo quanto ao materialismo vulgar. Tal conceito nos coloca novamente como sujeitos da história, como seus produtores e responsáveis, não só pelas gerações futuras, mas também de redimir o passado e todos aqueles que morreram na luta contra a opressão. Dessa forma, podemos romper com o fetichismo do mercado capitalista que se apresenta como um deus a controlar o futuro humano. A forma de romper com o mito está em reconhecer que não existe nenhum atavismo que nos obrigue a continuar com as estruturas culpabilizantes que nos impõem sempre novos sacrifícios em nome de falsas promessas sempre renovadas. Para tanto, basta ouvirmos o apelo que nos dirige o passado. O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois, não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos das vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disso' (BENJAMIN, 1987, 222).

RICOEUR, Paul. O pecado original: estudo de significação. Tradução de José M. S. Rosa. Covinhã: LusoSofia, 2008, disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/ricoeur_paul_pecado_original_estudo_de_significacao.pdf . BENJAMIN, Walter. Capitalismo como religião, São Paulo: Boitempo, 2013. _____. Destino e caráter. Tradução de João Barrento. Covinhã: LusoSofia, 2011, disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/benjamim_walter_destino_e_caracter.pdf. _____. Gesammelte Schrifiten. Volume I, Tomo I. Organizado por Rolf Tiedemann ed Hermann Schweppenhäuser, Frankfurt am Main: Suhrkam, 1991. _____. Para una crítica de la violencia. Buenos Aires: Editorial Leviatán, 1995. _____. Teses sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1987, pp. 222-232. https://www.gewebe.com.br/pdf/cad23/texto_08.pdf . O CAPITALISMO COMO RELIGIÃO: A CULPA. Josué Cândido da Silva. Doutor em Filosofia pela PUC-SP e professor titular da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Brasileiro, residente em Ilhéus – Bahia. Email: josil@uesc.br. Cadernos Walter Benjamin 23.

116 https://en.wikipedia.org/wiki/Pashupati_seal . “Na mitologia, é dito que Lord Pashupatinath começou a viver no Nepal na forma de um cervo porque ficou encantado com a beleza do Vale de Kathmandu”. https://en.wikipedia.org/wiki/Pashupati

117 A cabra e o veado. Por Jeff Cullen. Data de postagem: 4 de abril de 2021. https://jeffcullenartistry.com/the-goat-and-the-stag/ . “Jeff Cullen é um artista autodidata localizado em Chicago, Illinois, especializado em assuntos de ocultismo e esotérico. Inspirado por sua mãe e duas irmãs, ele começou sua jornada no paganismo no verão de 1998 após uma longa infância fascinado pela bruxaria. Tendo sido criado nas colinas arborizadas do centro de Nova York, ele passou muito tempo em comunhão com a Natureza e seus espíritos. Ele e suas irmãs lançariam feitiços e teceriam magia nas florestas profundas, criariam ferramentas e pedras rúnicas com os elementos dela e construiriam templos em árvores caídas. Ao fazer isso, ele foi iniciado em seus mistérios através de rituais secretos e pessoais. Depois de anos aprendendo o ofício na floresta, ele se mudou para Chicago, onde começou a buscar orientação em muitos dos perigos da vida na cidade. Hekate, Deusa da Encruzilhada e Rainha das Bruxas atendeu ao chamado e ele soube que ela era o guia secreto por trás de muitos dos eventos de sua vida. Guiado por seus deuses patronos, Hekate e Pan, bem como trabalhos menores com outras divindades e espíritos, Jeff se tornou um adepto da bruxaria e adivinhação através da arte de lançar runas. À medida que cria sua arte, ele canaliza a divindade ou espírito em sua forma mais primitiva e sagrada, o que resulta em uma criação sombria, porém única. https://jeffcullenartistry.com/about/

118 QUEM É CERNUNNOS? Uma exploração das evidências da Europa antiga. © Alexa Duir 2004. http://www.were-wolf.com/02art_cern.html .

120 Civilização do Vale do Indo: religião do povo. http://indiansaga.com/history/religion_indusvalley.html

121 KARL ROSENKRANZ. ESTÉTICA DE LO FEO. Colección Imaginarium n. 5.Traducción y edición de Miguel Salmerón. ISBN: 84-7896-036-8 D.L.: M-17.231-1992 Impresión: ANDEMI, S. L. JULIO OLLERO EDITOR. © Miguel Salmerón, 1992 © Julio Ollero Editor, S.A., 1992, p. 14.

122 “Refrão: Eu me encolho de admiração ao olhar para você. [695] Tenho medo de falar na tua presença devido ao meu antigo receio de ti”. http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0012%3Acard%3D694 . “O CORO: não me atrevo a contemplar você, não me atrevo a falar com você: meu antigo respeito por você me perturba”. http://remacle.org/bloodwolf/tragediens/eschyle/perses.htm . “CORO: não me atrevo a olhar para você, a falar com você cara a cara, devido ao antigo medo que você me instilou”. https://web.archive.org/web/20131211040021/http://www.cayocesarcaligula.com.ar/grecolatinos/esquilo/los_persas.html . https://web.archive.org/web/20130221034554/http://www.esquilo.org/los_persas.asp .


123 KARL ROSENKRANZ. ESTÉTICA DE LO FEO. Colección Imaginarium n. 5.Traducción y edición de Miguel Salmerón. ISBN: 84-7896-036-8 D.L.: M-17.231-1992 Impresión: ANDEMI, S. L. JULIO OLLERO EDITOR. © Miguel Salmerón, 1992 © Julio Ollero Editor, S.A., 1992, p. 14.

124 KARL ROSENKRANZ. ESTÉTICA DE LO FEO. Colección Imaginarium n. 5.Traducción y edición de Miguel Salmerón. ISBN: 84-7896-036-8 D.L.: M-17.231-1992 Impresión: ANDEMI, S. L. JULIO OLLERO EDITOR. © Miguel Salmerón, 1992 © Julio Ollero Editor, S.A., 1992, p. 14.

126 p. 643. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

127 Montagne (a montanha) - representantes na Constituinte e posteriormente na Assembleia Legislativa de um bloco de democratas e socialistas pequeno-burgueses agrupados em torno do jornal La Réforme. Eles se autodenominavam Montagnards ou a Montanha por analogia com os Montagnards na Convenção de 1792-94. p. 643. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

128 Brumário: mês do calendário republicano francês. Em 18 de Brumário (9 de Novembro) de 1799, Napoleão Bonaparte levou a cabo um golpe de Estado e estabeleceu uma ditadura militar. Por"segunda edição do 18 de Brumário" Marx entende o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851. Karl Marx. Capítulo I . O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Disponível em: https://pcb.org.br/portal/docs/o18brumario.pdf. Acesso em: 15/02/2021. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/4/o/brumario.pdf Acesso em: 15/02/2021. https://teoriadoespacourbano.files.wordpress.com/2013/04/marx-karl-o-18-de-brumc3a1rio-de-louis-bonaparte.pdf .

129 p. 643. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

130 p. 103. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

131 p. 643. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

132 Republicano em luvas amarelas. p. 105. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

133 p. 643. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 . .

134 p. 644. http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%2011_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

135 https://www.marxists.org/archive/marx/works/subject/hist-mat/18-brum/ch01.htm#:~:text=The%20nation%20feels%20like%20the,with%20a%20long%20whip%2C%20and . KARL MARX FREDERICK ENGELS Volume 11 Marx and Engels 1851-53 2010 Lawrence & Wishart Electric Book. Digital Edition Copyright © Lawrence & Wishart 2010 Digital production: Electric Book ISBN 978-1-84327-955-6 .

137 Pomeroy, E., Bennett, P., Hunt, C., Reynolds, T., Farr, L., Frouin, M., . . . Barker, G. (2020). New Neanderthal remains associated with the ‘flower burial’ at Shanidar Cave. Antiquity, 94(373), 11-26. doi:10.15184/aqy.2019.207. Antiquity , Volume 94 , Issue 373 , February 2020 , pp. 11 – 26. DOI: https://doi.org/10.15184/aqy.2019.207 . https://www.cambridge.org/core/journals/antiquity/article/new-neanderthal-remains-associated-with-the-flower-burial-at-shanidar-cave/E7E94F650FF5488680829048FA72E32A# .

138 Origens, Edições Melhoramentos/Editora Universidade de Brasília, 3 a edição, 1981, pág. 125. LEAKEY, Richard E. & LEWIN, Roger. Origens. 4º ed. São Paulo, Melhoramentos, 1982, p. 125. http://bvespirita.com/As%20Faculdades%20Espirituais%20do%20Ser%20(Djalma%20Argollo).pdf

139 ROSSI, Aparecido Donizete. Manifestações e configurações do gótico nas literaturas inglesa e norte-americana: um panorama. Ícone, São Luís de Montes Belos, v. 2, n. 1, p. 55-76, jul. 2008.

140 VASCONCELOS, André Luiz Olzon. Ouvir o cinema contemporâneo: particularidades sonoras no filme-ensaio. 2017. 140 f. Tese (Doutorado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackensie, São Paulo, 2017.

141 KORNBLUH, Anna. On Marx’s Victorian novel. Meditations, Chicago, v. 25, n. 1, p. 15-25, 2010.

142 NEOCLEOUS, Mark. The political economy of the dead: Marx’s vampires. History of Political Thought, Exeter (Inglaterra), v. XXIV, n. 4, p. 668-684, 2003.

143 RYMER, James Malcolm. Varney the vampire or the feast of blood. The Project Gutenberg eBook, 2005.

144 CÂMARA, Bira. Prefácio. In: POLIDORI, John William; NODIER, Hoffmann Charles; MERIMÉE, Prosper; FÉVAL, Paul; TURGUENIEV, Ivan et al. História de vampiros. São Paulo: Bira Câmara Editor, 2009. p. 5-16.

145 POLIDORI, John William. O vampiro. In: POLIDORI, J. W. et al. Histórias de vampiros. Tradução de Bira Câmara. São Paulo: Bira Câmara Editor, 2009. p. 23-62.

146 KORASI, Fabricio Pereira. O vampiro romântico, uma questão estética: uma história das representações através do mito. 2014. 219 f. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

147 BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Carlos Sussekind e outros. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2000. 261- 288.

148 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.

149 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. In: REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). O Manifesto Comunista 150 anos depois. Rio de Janeiro/ São Paulo: Contraponto/ Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 7-41.

150 FRANÇA, Júlio. As sombras do real: a visão de mundo gótica e as poéticas realistas no Brasil. In: CHIARA, Ana; ROCHA, Fátima Cristina Dias (org.). Literatura brasileira em foco VI: em torno dos realismos. Rio de Janeiro: Casa Doze, 2015. p. 133-147.

151 TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2007.

152 BALZAC, Honoré de. Melmoth apaziguado. In: ______. A comédia humana: estudos filosóficos. Tradução de Gomes da Silveira e Vidal de Oliveira. Rio de Janeiro/ Porto Alegre/ São Paulo: Editora Globo, 1954. v. XV, p. 261-306.

153 LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural na literatura. Tradução de João Guilherme Linke. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.

154 WHEEN, Francis. O Capital de Marx: uma biografia. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

155 MARX, Karl. O capital. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 10. ed. São Paulo: Difel, 1985a. Livro 1, v. I, II.

156 MARX, Karl. O capital: crítica da Economia Política (livro II). Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014.

157 SILVA, Francisco de Assis. Marx: literatura e crítica da Economia Política em “O Capital”. Salvador, 2018. 208 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Programa de PósGraduação em Filosofia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

158 PAULA, João Antônio. A ideia de nação no século XIX e o marxismo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, n. 62, p. 219-235, 2008a.

PAULA, João Antônio de. O “outubro” de Marx. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 2, n. 18, p. 167-190, maio/ago. 2008b.

159 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Sandra Soares Della Fonte. MARX E A OBRA DE ARTE LITERÁRIA EM O CAPITAL. Versão final. Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito à obtenção do título de Doutora em Filosofia, na Linha de Pesquisa Estética e Filosofia da Arte. Orientador: Dr. Rodrigo Antônio de Paiva Duarte Belo Horizonte, 2020, pp. 126- 197-198. https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/33953/1/Marx%20e%20a%20obra%20de%20arte%20literaria%20em%20O%20capital.pdf .

162 Marx, Karl, 1818-1883 A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846) / Karl Marx, Friedrich Engels ; supervisão editorial, Leandro Konder ; tradução, Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. - São Paulo : Boitempo, 2007, pp. 42-43.

163 100 anos de McLuhan / organizadores Janara Sousa, João Curvello, Pedro Russi – Brasília, DF: Casa das Musas, 2012. https://artecontemporaneaeahc.files.wordpress.com/2016/10/100anosmcluhan-ebook.pdf

164 Marshall McLuhan. The Medium is the Massage. Digitally Remastered. San Franciso: Hardwired, 1997. pp. 73-4. Todos os trechos de texto citados a partir da edição original em língua estrangeira foram traduzidos pelo autor, para inclusão no presente volume.

165 Philippe Sollers. Mulheres. São Paulo: Siciliano, 1995. p. 14.

166 Omar Calabrese. A idade neobarroca. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

167 Lucia Santaella. Culturas e Artes do Póshumano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. p. 13.

168 Hal Foster. “Whatever happened to postmodernism?”, in: The return of the real. The avant-garde at the end of the century. Cambridge (MA): The MIT Press, 1996. p. 207.

169 “Tanto no original inglês quanto na tradução para o português o sentido da frase de Foster é ambíguo, pois remete tanto à acepção mais corrente de ‘render’ como obrigar a ceder, como à ‘render’ como ‘capitular’, ou seja, consertar sob determinada condição. Nesse vão de sentido, possivelmente a proposta do autor é a de fazer ambas as coisas: abandonar o uso trivial do termo ‘pós-moderno’ e investigar o quanto há de vigor no conceito, para que ele ainda seja aplicado, desde que fiquem claras as condições para tal”.

170 Walter Benjamin, “Sobre o conceito de história”, in:Obras Escolhidas. Magia e Técnica. Arte e Política. 10.ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 223.

171 Coleção Estudos. São Paulo: Perspectiva, 1999,

172 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica. ex-Crever? literatura, linguagem, tecnologia. Tese apresentada por Marcus Vinicius Fainer Bastos, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, sob orientação da professora Dra. Lúcia Santaella. São Paulo, março de 2005, p. 99. http://www.pucsp.br/~marcusbastos/excrever.pdf

173 Michel Foucault. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.

174 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica. ex-Crever? literatura, linguagem, tecnologia. Tese apresentada por Marcus Vinicius Fainer Bastos, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, sob orientação da professora Dra. Lúcia Santaella. São Paulo, março de 2005. http://www.pucsp.br/~marcusbastos/excrever.pdf

175 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. El Estado de la deuda, el trabajo del duelo y la nueva internacional. FilosofíaObra publicada con la ayuda del Ministerio de Cultura francés. COLECCIÓ N ESTRUCTURAS Y PROCESOS. Serie Filosofía. Primera edición: septiembre, 1995. Segunda edición: noviembre, 1995. Tercera edición: 1998 © Editorial Trotta, S.A., 1995, 1998 Sagasta, 33. 28004 Madrid Teléfono: 91 593 90 40 Fax: 91 593 91 1 1 E-mail: trotta@infornet.es http://www.frotta.es Título original: Spectres de Marx. L'Etat de la defte, le travail du deuil et la nouvelle Internationale © Jacques Derrida, 1995 © Traducción, José Miguel Alarcón y Cristina de Peretti, 1995. Diseño Joaquín Gallego. ISBN: 84-8164-064-6 Depósito Legal: VA-261/98 Impresión Simancas Ediciones, S.A. PoL Ind. San Cristóbal C / Estaño, parcela 152 47012 Valladolid.

176 FREUD, S. (1907 [1906]). Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. vol. IX.

177 Marcelo Gonçalves Campos; Júlio Eduardo de Castro. “FREUD E A LITERATURA”. Psicanálise & Barroco em revista v.12, n.1: 59-73, jul 2014. Recebido em: 20.02.14 Aprovado em: 01.04.14. © 2014 Psicanálise & Barroco em revista www.psicanaliseebarroco.pro.br Núcleo de Estudos e Pesquisa em Subjetividade e Cultura – UFJF/CNPq Programa de Pós-Graduação em Memória Social – UNIRIO. Memória, Subjetividade e Criação. www.memoriasocial.pro.br/proposta-area.php revista@psicanaliseebarroco.pro.br . www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista . http://www.seer.unirio.br/index.php/psicanalise-barroco/article/view/7389/6522 .

178 Referência aos escritores abordados por Lacan, respectivamente, nos trabalhos: “O seminário sobre A carta roubada” (1957b/1998), “Juventude de Gide ou a letra e o desejo” (1958/1998), “Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein” (1965/2003), “Prefácio a O despertar da primavera” (1974/2003), O seminário, livro 23: o sinthoma (1975-1976/2007) e “Joyce, o Sintoma” (1979/2003).

179 Campos, Marcelo Gonçalves. ‘Vida – obra literária’: entrelaçamentos, uma leitura psicanalítica [manuscrito] / Marcelo Gonçalves Campos . – 2013. 74f. Orientador: Júlio Eduardo de Castro. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São João del-Rei. Departamento de Psicologia. Campos, Marcelo Gonçalves C198v ‘Vida – obra literária’ : entrelaçamentos, uma leitura psicanalítica [manuscrito] / Marcelo Gonçalves Campos . – 2013. 74f. Orientador: Júlio Eduardo de Castro. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São João del-Rei. Departamento de Psicologia. https://ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/ppgpsi/Publicacoes/Dissertacoes/MARCELO%20GONCALVES%20CAMPOS.pdf .

180 Schmitt, Jean-Claude, Os vivos e os mortos na sociedade medieval, São Paulo, Companhia das Letras, 1999.

181 Chevalier, Jean, Gheerbrant, Alain, Dizionario dei simboli, vols.1-2, Milano, RCS, 1997

182 Villeneuve, Roland, Dictionnaire du Diable, Paris, Omnibus, 1998

183 Schmitt, Jean-Claude, Medioevo “Superstizioso”, Roma-Bari, Laterza, 1997.

184 Azzurra Rinaldi. O MÁGICO E O DEMONÍACO Figurações, práticas e efeitos na escrita literária portuguesa dos séculos XIII e XIV Tese de doutoramento em Literatura de Língua Portuguesa: Investigação e Ensino, orientada pelo Professor Doutor Albano António Cabral Figueiredo e apresentada ao Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2018, p. 31.

186 Meg Conley. Uma crônica concisa de uma mulher que chorou em casa. Como é o choro em casa ao longo dos séculos? 2 de outubro de 2020. https://medium.com/curious/a-concise-chronicle-of-a-woman-who-cried-at-home-3c4a6ba0f0e5

190

191 [“The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte.” 1852. Later Political Writings. Ed. Terrell Carver. Cambridge Texts in the History of Political Thought. Cambridge: CUP, 1996. 31 – 127. ]

192 (Marx, Der dezoito Brumaire 115)

193 [—. “Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte.” 1852. Werke. By Karl Marx and Friedrich Engels. Vol. 8. Berlin: Dietz, 1960. 111 – 207]. [“Whom She Belongs To”: Gender, Genre, and “Immovable Roots” in George Eliot’s The Mill on the Floss ]

194 Humberto Maturana" (Ph. ,D.) Francisco Varela G" (Ph. D.) A ÁRVORE DO CONHECIMENTO As bases biológicas do entendimento humano. Tradução Jonas Pereita dos Santos. Campinas - São Paulo : Editorial . Psy II 1995, p. 70.

195 “UMA VISÃO SOCIAL DA APRENDIZAGEM”. http://humana.social/a-visao-interativista/ .

200 https://pt.wikipedia.org/wiki/O_18_de_Brum%C3%A1rio_de_Lu%C3%ADs_Bonaparte

201 Karg-Gasterstädt e Frings 1968–, sv albe ; Edward 1994, 17.

202 Thistelton-Dyer, TF O Folclore das plantas, 1889 . Disponível online pelo Project Gutenberg. Arquivo recuperado 03-05-07.

203 Marshall Jones Company (1930). The Mythology of All Races Series, Volume 2 Eddic , Grã-Bretanha: Marshall Jones Company, 1930, pp. 221-22.

205 "O 18º Brumário de Luís Bonaparte" ; ver também o capítulo dois.

206 Para uma leitura das imagens fantasmagóricas de Marx em "O 18.º Brumário de Louis Bonaparte, ver Jacques Derrida, Spectres de Marx 133 - 155. Para as respostas dos críticos marxistas, veja Michael Sprinker, Ghostly Demarcations.

207 “Everybody Seemed to Have to Have a Home”: History, Innocence, and the Nightmare of Belonging in William Faulkner’s Absalom, Absalom!. Zurich Open Repository and Archive University of Zurich Main Library Strickhofstrasse 39 CH-8057 Zurich www.zora.uzh.ch Year: 2018 Fictions of Home: Narratives of Alienation and Belonging, 1850-2000 Mühlheim, Martin. Posted at the Zurich Open Repository and Archive, University of Zurich ZORA URL: https://doi.org/10.5167/uzh-139402 Monograph Published Version Originally published at: Mühlheim, Martin (2018). Fictions of Home: Narratives of Alienation and Belonging, 1850-2000. Tübingen: Narr Francke Attempto. https://www.zora.uzh.ch/id/eprint/139402/1/Muhlheim_Martin--Fictions_of_Home.pdf

208 Karl Marx, A Contribution to the Critique of Political Economy [ed. Maurice Dobb; trans. S.W. Ryazanskaya], New York: International, 1970, pg. 20-21. Marx, Grundrisse, pg. 496. Johnston, Prolegomena to Any Future Materialism, Volume Two. Johnston, “Humanity, That Sickness, pg. 217-261.

209 [Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, Karl-Marx-Ausgabe: Werke-SchriftenBriefe, Band III: Politische Schriften, erster Band [ed. Hans-Joachim Lieber], Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1960, pg. 271].

210 [CONTINENTAL THOUGHT & THEORY: A JOURNAL OF INTELLECTUAL FREEDOM From Closed Need to Infinite Greed: Marx’s Drive Theory. Volume 1 | Issue 4: 150 years of Capital 270-346 | ISSN: 2463-333X. “From Closed Need to Infinite Greed: Marx’s Drive Theory” Adrian Johnston. Repeating Freudo-Marxism: Drives Between Historical Materialism and Psychoanalysis. https://ir.canterbury.ac.nz/bitstream/handle/10092/14494/13%20Johnston%20Capital.pdf?sequence=1&isAllowed=y .

211 Check Your History. By Padraic X. Scanlan. MAY 12, 2014. [Padraic X. Scanlan is a Prize Fellow in Economics, History, and Politics at the Center for History and Economics at Harvard University]. https://www.chronicle.com/blogs/conversation/check-your-history .

212 Karl Marx: The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, International Publishers, New York, 1975, p. 15.

213 Derrida & Sons: Marx, Benjamin e o Espectro do Messiânico. POR SAMI KHATIB · PUBLICADO 01/02/2013 · ATUALIZADA 01/07/2013. https://anthropologicalmaterialism.hypotheses.org/1810 ;

214 Agarrando a realidade de Brad DeLong. Procrastinação não estruturada. 11 de agosto de 2005 às 18:37. https://www.bradford-delong.com/2005/08/unstructured_pr.html .

215 Course Code: EN122 Course of Study: Modes of Reading Name of Designated Person authorising scanning: Christine Shipman Title: Specters of Marx : the state of the debt, the work of mourning, and the new international Name of Author: Derrida, J. Name of Publisher: Routledge. https://warwick.ac.uk/fac/arts/english/currentstudents/undergraduate/modules/fulllist/first/en122/lecturelist2017-18/derrida_j_1994.pdf .

217 Rivera, Virgilio Ariel (1993). A composição dramática. Cenologia. p. 189.

218 Alatorre, Claudia Cecilia (1999). Análise do drama. Cenologia. p. 112.

220 Alatorre, Claudia Cecilia (1999). Análisis del drama. Escenología. p. 112.

223 Entrevista com Rupert Sheldrake https://www.poeticmind.co.uk/interviews-1/overlapping-morphic-fields/ ; http://archive.wikiwix.com/cache/index2.php?url=http%3A%2F%2Fwww.poeticmind.co.uk%2Finterviews-1%2Foverlapping-morphic-fields%2F ] .

225 O eterno retorno.

226 NORBERT ELIAS. A SOCIEDADE DOS INDIVÍDUOS. Organizado por MICHAEL SCHRÖTER Tradução: VERA RIBEIRO Revisão técnica e notas: RENATO JANINE RIBEIRO. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

227 Coluna de Robert Fulford sobre Stanley Edgar Hyman e o Tangled Bank ( The National Post , 24 de outubro de 2000). http://www.robertfulford.com/StanleyEdgarHyman.html

228 Alfred North Whitehead (1861-1947). http://w2.fisica.unam.mx/bif/notices/890

230 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

231 O ORGANICISMO DE SEVERIANO DE REZENDE: UM PENSAMENTO ENTORNO DA HARMONIA. José Mauricio de Carvalho [Universidade Federal de São João del-Rei/Minas Gerais – Brasil (Professor titular aposentado). Instituto de Ensino Superior Presidente Trancredo de Almeida Neves (IPTAN), São João del-Rei/Minas Gerais – Brasil]. In: FICHA TÉCNICA TÍTULO Organicismos e Política AUTORES José Esteves Pereira • José Gomes André • Norberto Ferreira da Cunha • José Mauricio de Carvalho • Luciano Aronne de Abreu • Luís Carlos dos Passos Martins • Ernesto Castro Leal • Manuel M. Cardoso Leal • António Ventura • António Martins da Costa • Nuno Simão Ferreira COORDENAÇÃO Ernesto Castro Leal COPYRIGHT Centro de História da Universidade de Lisboa e autores dos textos CAPA sersilito - Maia DATA DE EDIÇÃO maio de 2017, pp. 89-90. IMPRESSÃO sersilito – Maia. DEPÓSITO LEGAL 424157/17 ISBN 978-989-8068-21-7 TIRAGEM 750 exemplares EDITOR Centro de História Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Alameda da Universidade 1600-214 LISBOA – PORTUGAL Tel. : + 351 217 920 000 • Fax: 351 217 960 063 Email: centro. historia@fl.ul.pt URL: http://www. fl. ul. pt/unidades/centros/c_historia/index. html https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/43940/1/e-book_2017_Organicismos%20e%20Pol%C3%ADtica.pdf

236 O QUE É TEORIA DA HISTÓRIA? TRÊS SIGNIFICADOS POSSÍVEIS. [Sou muitíssimo grato à professora Tereza Cristina Kirschner pelos comentários elucidativos, sugestões proveitosas e advertências providenciais]. Ricardo Marques de Mello [Doutorando em História na Universidade de Brasília. Bolsista do Conselho G('%+/($,1 ,H - /I+$I%" /0+,?% /0J&'+, ,F '/+$:6%'+,K,?GL;4,MN"(%$-O,ricardomm@unb.br; ricardo.mm@hotmail.com ]. História e Perspectivas, Uberlândia (46): 365-400, jan./jun. 2012. http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/19457/10452 . http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/19457 .

237 Stanley Edgar Hyman. The Tangled Bank: Darwin, Marx, Frazer e Freud as Imaginative Writers. New York: Atheneum, January 1, 1962

238 “Uma pessoa que abre, especialmente o jogador que faz o primeiro lance ou joga”. “A person who opens, esp the player who makes the first bid or play”. https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/opener . “O técnico do segundo ano, Mark Kingston , não parecia realmente gostar da ideia de um 'opener', um apaziguador importante que trabalha algumas entradas para iniciar o jogo antes de dar a bola para um arremessador que normalmente joga em um longo papel de alívio. O que ele pode fazer é algo um pouco diferente, pois ele pode usar os arremessadores por alguns turnos de cada vez, talvez apenas uma vez na ordem de rebatidas, antes de passar para outro braço. Essas decisões seriam baseadas em confrontos, não necessariamente uma filosofia de “abertura”.

“Second-year head coach Mark Kingston didn’t seem real fond of the idea of an “opener,” a key reliever who works a couple of innings to start the game before giving the ball to a pitcher who typically throws in a long relief role. What he may do is something a bit different in that he could just use pitchers for a couple of innings at a time, perhaps just once through the batting order, before going to another arm. Those decisions would be based on matchups, not necessarily an “opener” philosophy”. https://247sports.com/college/south-carolina/Article/South-Carolina-Baseball-Gamecocks-looking-at-opener-like-role-in-2019-starting-pitching-staff-123605314/

239 A TRÁGICA FARÇA DE MARX, HEGEL E ENGELS: UMA NOTA. The Tragic Farce of Marx, Hegel, and Engels: A Note. Bruce Mazlish. History and Theory, Vol. 11, No. 3. (1972), pp. 335-337. Stable URL: http://links.jstor.org/sici?sici=0018-2656%281972%2911%3A3%3C335%3ATTFOMH%3Ed

2.0.CO%3B2-0 . History and Theory is currently published by Wesleyan University. https://pdfs.semanticscholar.org/a290/071271b5d726ec199014faf13f5f3135b43a.pdf?_ga=2.181327264.609851.1616416665-1134336357.1616416665. https://www.semanticscholar.org/paper/The-Tragic-Farce-of-Marx%2C-Hegel%2C-and-Engels%3A-A-Note-Mazlish/a290071271b5d726ec199014faf13f5f3135b43a .

241 ALVARO SANCHEZ. Madrid - 14 DE FEVEREIRO DE 2021 - 04:57 BRT. https://elpais.com/economia/2021-02-13/en-busca-de-los-felices-anos-veinte.html .

243 Zizek, Slavoj, 1949- Primeiro como Tragédia, depois como farsa / Slavoj Zízck; tradução Maria Beatriz de Medina. - Sáo Paulo : Boitempo , 2011.

244 Gagnebin, Jeanne Marie G6681 Lembrar escrever esquecer / Jeanne Marie Gagnebin — São Paulo: Ed. 34, 2006, pp. 40-41.

245 Sami Khatib, « Where the Past Was, There History Shall Be », Anthropology & Materialism [En ligne], Special Issue | I | 2017, mis en ligne le 02 mars 2017, consulté le 29 mars 2021. URL : http://journals.openedition.org/am/789 ; DOI : https://doi.org/10.4000/am.789 .

246 ZANCHET, Lírio. [Professor aposentado e empresário]. “Pare de se queixar!”. Publicado em: 13/02/2021. https://www.oaltouruguai.com.br/coluna?id=1682 .

247 Fabiana Helma Friedrich2 e Nikelen Acosta Witter3. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Humanas, Santa Maria, Santa Maria, v. 13, n. 1, p. 69-83, 2012. Recebido em: 20.03.2013. Aprovado em: 24.06.2013. ISSN 2179-6890 A ADAPTAÇÃO DA CULINÁRIA DOS IMIGRANTES ALEMÃES (RIO GRANDE DO SUL: 1850-1930) [Trabalho Final de Graduação - TFG.]. 2 Acadêmica do Curso de História - UNIFRA. E-mail: fabihf@bol.com.br 3 Orientadora - UNIFRA. E-mail: nikelen@gmail.com . https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumCH/article/download/1728/1632 .

248 Rev. Memorare, Tubarão, v.5, n.2, p. 21-40 maio./ago. 2018. ISSN: 2358-0593. AS PRÁTICAS ALIMENTARES DOS COLONIZADORES ENCONTRADAS NA MARMITA DO MINEIRO Rosana RúbiaVieira Ramos [Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc, Criciúma, SC, Brasil. Formanda de Pós-Graduação em Gastronomia E-mail: rrubiaramos@gmail.com DOI: 10.19177/memorare.v5e2201821-40 ] Submetido em: 14/05/2018. Aprovado em: 31/07/2018. . http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/memorare_grupep/article/download/6726/3953

249 1. Convém acrescentar ao que precede também a infalível predição de nosso Salvador, a fim de manifestar como tudo isso já fora profetizado: 'Ai daquelas que estiverem grávidas e estiverem amamentando naqueles dias! Pedi que vossa fuga não aconteça em inverno ou num sábado. Pois, naquele tempo haverá uma grande tribulação, como não houve desde o princípio do mundo até agora, nem tornará a haver jamais' (Mt 24,19-21). https://www.passeidireto.com/arquivo/40495090/patristica-vol-15-eusebio-de-cesareia/26

250 2. Calculando o número global dos mortos, o historiador anota terem perecido pela fome e pela espada um milhão e cem mil homens;43 diz que os sediciosos e salteadores sobreviventes denunciaram-se mutuamente após a queda da cidade e foram executados; os jovens das camadas mais elevadas e que se destacavam pela beleza corporal foram reservados para o triunfo. Quanto ao restante da multidão, os maiores de dezessete anos foram algemados e enviados para os trabalhos no Egito; os outros, em maior número, foram distribuídos pelas províncias, a fim de serem mortos nos teatros pelo ferro ou animais. https://www.passeidireto.com/arquivo/40495090/patristica-vol-15-eusebio-de-cesareia/26

251 “19. Recolhia-se até o que os mais vis dos irracionais não teriam tomado para comer. Não se abstinham dos cintos e das sandálias; enfim, arrancavam o couro dos escudos para roê-los. Até pó de ferro-velho era alimento para alguns. Muitos colhiam fibras vegetais e vendiam uma pequena quantidade delas por quatro dracmas”. https://www.passeidireto.com/arquivo/40495090/patristica-vol-15-eusebio-de-cesareia/26 .

252 “21. Havia, entre os habitantes da Transjordânia, uma mulher, chamada Maria, filha de Eleazar, da aldeia de Bathezor (termo que significa: casa do hissopo), distinta por nascimento e riqueza. Refugiara-se em Jerusalém, com o restante da multidão, e lá também suportava o cerco.

22. Os tiranos haviam lhe arrebatado todos os bens que ela coligira e transportara da Peréia à cidade. Homens armados invadiam-lhe diariamente a casa e apossavam-se do resto de sua fortuna, e dos alimentos que conseguia obter. Uma intensa cólera apoderou-se da mulher, que a todo instante insultava e maldizia os assaltantes, excitando-os contra si. 23. Como ninguém a matava, nem por cólera, nem por piedade, cansada de obter para outrem alimentos que em parte alguma era possível encontrar, e como a fome também traspassava-lhe as entranhas e a medula dos ossos e o coração ardia-lhe mais que a fome, seguiu a sugestão da ira e da penúria e agiu contra a própria natureza. Tinha um filho, ainda lactente. Ela o tomou e disse: 24. ‘Infeliz de ti, criancinha! De que serve te conservar em vida durante a guerra, a fome, a revolta? Se ainda vivermos sob o domínio dos romanos, será a escravidão; a fome, aliás, antes da escravidão, e os revoltosos são mais terríveis que uma e outra. Vamos! Serás para mim alimento, maldição para os sediciosos, mito para a humanidade, a única desgraça que ainda faltava aos judeus.’ 25. Assim falando, matou o filho, e após cozê-lo, comeu a metade; e guardou escondido o restante. Logo os revoltosos chegaram e percebendo o cheiro desta crueldade ímpia, ameaçaram a mulher de imediatamente estrangulá-la se não apresentasse a comida preparada. Mas ela respondeu que reservara para eles uma boa parte e mostrou-lhes os restos da criança. 26. Eles ficaram logo assombrados e apavorados, imóveis diante deste espetáculo. Mas ela lhes disse: ‘É meu próprio filho. Eu mesma fiz isto. Comei, pois eu também comi. Não sejais mais delicados que uma mulher, nem mais sensíveis que uma mãe. Se sois compassivos e rejeitais meu sacrifício, o que comi foi por vós; o resto fique para mim.’ 27. Então, trêmulos, eles saíram. Por uma vez ao menos tiveram pavor e penalizados deixaram à mãe tal alimento. Mas, pela cidade inteira propagou-se a horrorosa notícia. Cada um, pondo diante dos olhos esse crime como se ele próprio o houvesse perpetrado, estremecia de horror. 28. Havia entre os famintos uma espécie de anelo pela morte e eram tidos por felizes os que haviam perecido antes de ver e ouvir males tão horrendos.”Patrística - História Eclesiástica - Vol 15 - Eusebio de Cesareia, p. 26. https://www.passeidireto.com/arquivo/80293943/patristica-historia-eclesiastica-vol-15-eusebio-de-cesareia/26

255

257 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL. ALEX DEGAN. Judaísmo em Suspensão: O Judaísmo de Flávio Josefo. Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em História Social Área de concentração: História Social Orientador: Prof. Dr. Norberto Luiz Guarinello. São Paulo, 2013. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-08112013-115040/publico/2013_AlexDegan.pdf

259 Manifesto do Partido Comunista. Karl Marx e Friederich Engels. https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm

260 https://pt.wikipedia.org/wiki/Contos_de_fadas . https://joseduardotaveira.blogspot.com/2017/01/pequeno-estudo-sobre-historia-da.html . http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/histport/pdfYA6qf0BAQv.pdf . CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS E CULTURAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA COLECÇÃO ESTUDOS E DOCUMENTOS 13. MÁRIO F. LAGES VIDA. / MORTE E DIAFANIA DO MUNDO NA HISTÓRIA DA CAROCHINHA. ENSAIO ETNOLÓGICO UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, 2006. https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/30778/1/9789729045196.pdf . NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 80. https://heresias7.rssing.com/chan-53753275/all_p7.html .

261 Ensaio de Prehistoria da Literatura Clássica Alemão. VII. Revista de Estudos Livres. pp. 100-101. http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/RevistadeEstudosLivres/1884-1885/N14/N14_master/RevistadeEstudosLivres_tII_1884-1885_N02.pdf

262 “Fogos Retóricos e o Sublime Texto combina linguagem de versículo com ironia e sarcasmo”. Arthur Nestrovski. In: 150 Anos depois da publicação do Manifesto Comunista Opinião de alguns autores. [Arthur Nestrovski é professor de literatura na pós-graduação em comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), autor de "Ironias da Modernidade" (Ática), entre outros]. http://www.cpihts.com/PDF/150%20Anos%20depois%20.pdf

263 170 anos do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels: um documento político que perdurou na história (Parte 1). Michelangelo Torres. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. Publicado em: 19/02/2018 11h48 Modificado em: 19/02/2018 11h48. https://esquerdaonline.com.br/2018/02/19/170-anos-do-manifesto-comunista-de-karl-marx-e-friedrich-engels-um-documento-politico-que-perdurou-na-historia-parte-1/

264 Robert Kurz. O DECLÍNIO DA CLASSE MÉDIA. Robert Kurz é sociólogo e ensaísta alemão, autor de "Os Últimos Combates" (ed. Vozes) e "O Colapso da Modernização" (ed. Paz e Terra). Ele escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!. Tradução de Luiz Repa. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1909200408.htm .

267 BPC Policy Brief V.9 N.6 Agosto/Setembro 2020. Rio de Janeiro. PUC. BRICS Policy Center ISSN: 2318-1818. file:///C:/Users/Valesca/Downloads/BPC-Policy-Brief-V9N6-Escravid%C3%A3o-COVID-19-ok.pdf .

268 O Conflito Capital-Trabalho na Competição Global [Tradução de Ramon Casas Vilarino]Luciano Vasapollo [Professor de Estatística Empresarial na Universidade La Sapienza, em Roma. DiretorCientífico do Centro de Estudos Transformações Econômico-Sociais (CESTES) e daRevista PROTEO]. http://www4.pucsp.br/neils/downloads/v9_artigo_vasopollo.pdf .

269 Antunes, Ricardo L. C. (Ricardo Luis Coltro), 1953-. Os Sentidos do Trabalho : ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho / Ricardo Antunes. - [2.ed., 10.reimpr. rev. e ampl.]. - São Paulo, SP : Boitempo, 2009. -(Mundo do Trabalho). ISBN 978-85-85934-43-9 e-ISBN 978-85-7559-259-5.

270 “Para canalizar nossos hábitos não pensantes, nossas decisões de compra e nossos processos de pensamento pelo uso de insights obtidos da psiquiatria e das ciências sociais.” (Tradução Nossa)

271 MARX, Karl. Cadernos de Paris; Manuscritos Econômicos-filosóficos. São Paulo: Expressão Popular, 2015. http://petdireito.ufsc.br/wp-content/uploads/2013/05/manuscritos-economicos-e-filos%C3%B3ficos-_-marx.pdf .

272 KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing: A bíblia do marketing. 12ª ed. São Paulo: Prentice Hall, 2006.

273 UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade. Danne Vieira Silva. O MARKETING: Uma Análise a Partir da Crítica da Economia Política. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, tendo requisito para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior. Teófilo Otoni, 2017, pp. 83-84. http://acervo.ufvjm.edu.br/jspui/bitstream/1/1692/1/danne_vieira_silva.pdf .

275 SANTOS, Tania Coelho dos. O sagrado na modernidade, na esquerda e na prática lacaniana. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 7, n. 2, p. 296-298, Dec. 2004 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982004000200009&lng=en&nrm=iso> . access on 13 Apr. 2021. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982004000200009 . Serge Halimi. “OS NOVOS REACCIONÁRIOS - Um debate intelectual enganador”(CONTINUAÇÃO).2003/01. https://diplopt.mondediplo.com/2003/01/um-debate-intelectual-enganador.html . https://fr.wikipedia.org/wiki/Daniel_Lindenberg . https://www.monde-diplomatique.fr/2003/01/ . “Em Paris, a “intelligentsia” do silêncio”. Thomas Wieder. 11/02/2011 às 00:34. https://outraspalavras.net/sem-categoria/em-paris-a-intelligentsia-do-silencio/ . https://www.lemonde.fr/a-la-une/article/2011/02/05/a-paris-l-intelligentsia-du-silence_1475515_3208.html . “Robert Fisk: Hipocrisia exposta pelos ventos da mudança”. Robert Fisk, The Independent, UK; 10/2/2011. https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/robert-fisk-hipocrisia-exposta-pelos-ventos-da-mudanca.html . https://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Rappel_%C3%A0_l%27ordre_:_Enqu%C3%AAte_sur_les_nouveaux_r%C3%A9actionnaires . Maurice T. Maschino , " Os novos reacionários ", Le Monde diplomatique ,Outubro de 2002, p. 28-29. http://archive.wikiwix.com/cache/index2.php?url=http%3A%2F%2Fwww.monde-diplomatique.fr%2F2002%2F10%2FMASCHINO%2F16996 . Serge Halimi. “Quem são, afinal, os reacionários?”. 1 de janeiro de 2003. https://diplomatique.org.br/quem-sao-afinal-os-reacionarios/ .

Na versão brasileira desse debate, no grupo dos reacionário: PONDE, LUIZ FELIPE. Cultura genética: vertigem ontológica e dissolução do conceito de "natureza". São Paulo Perspec., São Paulo , v. 14, n. 3, p. 68-77, July 2000 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000300012&lng=en&nrm=iso> . access on 13 Apr. 2021. https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000300012 .

276 “Livro aponta os novos reacionários franceses”; 22/11/2002. Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas. E-mail: aleite@folhasp.com.br . https://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult682u58.shtml .

277 Chullachaqui?

278 https://umbigomagazine.com/pt/blog/2019/11/26/your-money-and-your-life-de-claire-fontaine/

279 “O período que separa a violência no Chile e Iraque assistiu à criação dos Estados neoliberais – regimes de sonho do capitalismo como os chamou The Economist – em todo o mundo por combinações de coerção e consentimento. A britânica Margaret Tatcher foi a primeira líder mundial a abraçar por vontade própria o fundamentalismo do mercado livre quando eleita na primavera de 1979. Ela atacou o poder dos sindicatos, reduziu o Estado Previdência e os impostos. Procurou a privatização para liberar as energias empresariais, e defendeu que o bem-estar social depende da responsabilidade pessoal e não do Estado. “Não existe essa coisa de sociedade,” disse ela numa frase famosa, “apenas indivíduos e as suas famílias”. Ela cumpriu tudo isto por meios democráticos. “A ciência económica é o método”, afirmou, “mas o objectivo é mudar a alma”. E ela mudou-a”.

“Neoliberalismo e restauração do poder de classe”. David Harvey. David Harvey é Professor de Antropologia no Graduate Center da Universidade da Cidade de Nova Iorque. O seu livro mais recente é The New Imperialism publicado pela Oxford University Press. O original encontra-se em http://lists.econ.utah.edu/pipermail/a-list . Tradução de JLB. Este artigo encontra-se em http://resistir.info .https://resistir.info/varios/neoliberalismo_ago04_port.html#:~:text=%E2%80%9CN%C3%A3o%20existe%20essa%20coisa%20de,E%20ela%20mudou%2Da.

280 “A resposta lacaniana a isso é que, primeiro, temos que denunciar o mito do 'sexo real', supostamente possível 'antes' da chegada do sexo virtual: a tese de Lacan de que 'não existe relação sexual' significa, precisamente, que a estrutura do ato sexual 'real' (do ato praticado com um parceiro de carne e osso) já é intrinsecamente fantasmática. ZIZEK, Slavoj. “O Espectro da Ideologia”. In: ZIZEK, Slavoj (Org.). Um Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 8.

283 Lenio Luiz Streck . “E Kelsen se virou na tumba diante da simplificação!”. SENSO INCOMUM. Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2013, 8h00. https://www.conjur.com.br/2013-abr-18/senso-incomum-kelsen-virou-tumba-diante-simplificacao

284 Kundera, Milan. K98i A Insustentável leveza do ser / Kundera; tradução de Tereza B. Carvalho da Fonseca. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. Tradução da edição francesa: L insoutenable légêrete de l être.

285 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. FACULDADE DE LETRAS. ELOGIO DO FEIO NA ARTE FEALDADE NO SÉCULO XX. Luís Filipe Ferreira da Bandeira Calheiros. Tese de Doutoramento em História da Arte, orientada pela Profª Doutora Maria de Lurdes Craveiro e pela Profª Doutora Dalíla Rodrigues, apresentada ao Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia, e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Setembro de 2014.https://eg.uc.pt/bitstream/10316/27133/1/Elogio%20do%20feio%20na%20arte.pdf .

286 BORGES, B. Samba-canção: fratura e paixão. Rio de Janeiro: Codecri, 1982, p.105.

287 Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão. Curso de Pós-Graduação em Literatura. Um anjo dissoluto A poética de Cazuza do prazer à lucidez. Karelayne de Assis Coelho Bezerra. Dissertação apresentada à banca examinadora do Curso de Pós-Graduação em Literatura do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Literatura Brasileira. Prof. Dr. Marco Antônio de M. Castelli – Orientador. Florianópolis, 2005.https://core.ac.uk/reader/30383350 .

288 MOLES, Abraham (2007). O Kitsch. São Paulo: Perspectiva.

289 ECO, Umberto. História da Feiúra. Rio de Janeiro: Record. 2007 .

290 MORIN, Edgard (2009). Cultura de massas no século XX, V. 2 – Necrose. Rio de Janeiro: Forense Universitária. ___________________. Espirit Du Temps. Paris. Grasset. 1962.

291 SÊGA, Pedrozza Christina (2008). O Kitsch e suas dimensões. Brasília: Casa das Musas

293 ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. Rio de Janeiro: Paz, 2002

294 SOUSA, Márcia Maria Bezerra de. A cidade de Fortaleza e as possibilidades para o turismo cultural/ Márcia Maria Bezerra de Sousa.— 2014. CD-ROM 128f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. ―CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)‖. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Mestrado Profissional em gestão de Negócios Turísticos, Fortaleza, 2014. Orientação: Prof.Dr.Francisco Agileu de Lima Gadelha. Área de Concentração: Turismo. http://www.uece.br/mpgnt/dmdocuments/SOUSA,M.M.B.pdf .

295 terça-feira, 24 de março de 2009. “Menina veneno - uma análise”. Postado por Je´ Mie às 08:01. http://oinfinitodeemy.blogspot.com/2009/03/menina-veneno-uma-analise.html .

296 MERQUIOR, J. G. Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. _______________. Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da cultura. 2. ed. São Paulo: É Realizações, 2015.

297 Lima, Luciana Vieira de. Partilhas do saber : uma interlocução entre filosofia e literatura como possibilidade para o ensino médio / Luciana Vieira de Lima. – Curitiba, 2018. 223 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná . Setor de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientador: Prof. Dr. Geraldo Balduíno Hom. https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/55919/R%20-%20T%20-%20LUCIANA%20VIEIRA%20DE%20LIMA.pdf;jsessionid=2470F89E00B1C4724B6BE6A492A347FE?sequence=1 .

298 Não é o espectro?

299 Não é o espectro?

300 Gonçalves, Lucas Fernando O kitsch como forma estética do idílio em A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera / Lucas Fernando Gonçalves; orientador Ana Paula Caixeta. -- Brasília, 2020. 269 p. https://repositorio.unb.br/handle/10482/39109 .

301 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Trad. Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’Água, 1991, p. 16.

302 Ibidem, p. 30.

303 Ibidem.

304 Titulo do texto de Luis Kahn que trata da chamada “arquitetura reflexiva” de suas obras. KAHN, Louis. Luz Blanca, Sombra Negra. In: Conversaciones con estudiantes. Rizzoli, 1991. Disponível em:< http://hasxx.blogspot.com.br/2011/10/luz-blanca-sombra-negra-white-light.html>

305 Não é espectral?

306 Espectros?

307 Não é o espectro?

308 Novamente, o espectro?

309 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO. O ALTO E O BAIXO NA ARQUITETURA. ALINE STEFÂNIA ZIM. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em Arquitetura. Área de Pesquisa: Teoria, História e Crítica da Arte Orientador: Prof. Dr. Flávio Rene Kothe Brasília – DF 2018 https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/prefix/14526/1/O%20ALTO%20E%20O%20BAIXO%20NA%20ARQUITETURA.pdf .

310 Calinescu. M (2003) Cinco faces da modernidade: modernismo, vanguarda, decadência, kitsch, pós-modernismo: Tecnos. Madrid

311 Broch. H (1974) Poesia e pesquisa: Barral. Espanha.

312 KITSCH SOCIETY AND AESTHETICS POR: TANNYA SOTO . https://dramapopu.wordpress.com/temas-de-estudiantes-1/soto-tanya/

313 ADORNO, Theodor W. (1932), Kitsch, en Adorno (1984: 791-794). ____(1984), Gesammelte Schriften, vol. XVIII (Frankfurt am Main: Suhrkamp).

314 KITSCH Y NEOKITSCH. Andrea Mecacci. AÑO XIV | INVIERNO 2018. BOLETÍN DE ESTÉTICA NRO. 44. Andrea Mecacci. Università degli Studi di Firenze.Recibido: 19/03/18. Aprobado: 09/04/18. https://philarchive.org/archive/BEYKYN

315 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985

316 BROCH, H. Notas sobre el problema del kitsch. In: DORFLES, G. El kitsch. Barcelona: Lumen, 1973a. cap. 3, p. 49-67.

317 BROCH, H. Kitsch y arte de tendencia. In: DORFLES, G. El kitsch. Barcelona: Lumen, 1973b. cap. 4, p. 68-76.

318 ECO, U. Apocalípticos e integrados. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970.

319 GREENBERG, C. Vanguarda e Kitsch. In: ROSENBERG, B; WHITE, D. M. Cultura de massa. São Paulo: Cultrix, s/d. cap. 9, p. 121-134.

320 TOCQUEVILLE, A. A democracia na américa. 2. ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1977.

321 POE, E. A. Ensayos y críticas. Madrid: Alianza Editorial, 1956.

322 MOLES, A. O kitsch. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1975

323 As ambivalências textuais de Roland Barthes Marcio Renato Pinheiro da Silva Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rua Cristóvão Colombo, 2265, 15054-000, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. e-mail: marcellen@hexalink.com.br . Acta Scientiarum: human and social sciences Maringá, v. 25, n. 1, p. 017-026, 2003. Received on November 04, 2002. Accepted on January 13, 2003. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/download/2194/1371/

Comentários

Postagens mais visitadas